Polícia

Homem denuncia abordagem policial racista em Salvador ao ser acusado injustamente de roubar celular

Reprodução/Arquivo Pessoal
Em entrevista ao BNews, ele contou que teve a casa invadida durante procedimento e que teve medo de ser torturado  |   Bnews - Divulgação Reprodução/Arquivo Pessoal

Publicado em 02/06/2022, às 07h30   Redação


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Um homem denuncia que sofreu uma abordagem policial considerada racista ao sair de sua casa, na região do Vale do Canela, em Salvador, após ter sido acusado injustamente de roubar um aparelho celular iPhone alguns dias antes no bairro do Campo Grande. O caso, segundo ele, aconteceu na noite da última quinta-feira (26).

O chaveiro Rosalvo Albino dos Santos, de 45 anos, contou à reportagem do BNews que, naquele dia, estava chegando em sua casa após mais um dia de trabalho. Ele estacionou seu carro e, em seguida, foi passear com seu cachorro, como normalmente fazia.

Ao sair e após andar por alguns minutos, no entanto, percebeu uma movimentação de policiais da Companhia de Patrulhamento Tático Móvel (Patamo), do Batalhão de Choque da Polícia Militar. Naquele momento, alguns chegaram a avistá-lo e ele acreditou que iria acontecer alguma operação. Por motivos de segurança, decidiu voltar para casa junto com o animal.

Porém, logo após tomar a decisão de retornar, os agentes o mandaram parar. "Quando fiz menção de voltar, me chamaram e falaram 'Encosta, encosta aí'. Encostei, me revistaram perguntando 'cadê o iPhone?' e eu disse que não sabia, que tinha que perguntar a quem roubou", contou, ao lembrar a situação, ainda sem perceber do que se tratava.

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Os policiais, no entanto, insistiram e continuaram perguntando, dizendo também que o sinal do aparelho roubado estava batendo com a localidade e que suas vestimentas eram as informadas pela vítima do assalto. No momento, também queriam saber onde Rosalvo morava. Diante da insistência, ele, conta, foi obrigado a acompanhar os soldados para a sua casa e permitir que entrassem nela para revistá-la.

Já dentro de sua casa, Rosalvo, segundo relatou à reportagem, foi mantido sentado no sofá de sua sala por alguns dos policiais sob a mira de fuzis, enquanto fechavam portas, janelas e cortinas da sua residência e reviravam diversos cômodos do local à procura do smartphone. Ao mesmo tempo, outros policiais que estavam no local teriam tirado fotos suas e, supostamente, as encaminhado para a vítima do roubo.

Apesar de não terem encontrado o aparelho ou alguma prova de que o chaveiro tivesse sido o autor do crime, os policiais avisaram que estariam o levando para a a delegacia. "Falaram que teria que ir para a delegacia porque segundo eles, a vítima estava me reconhecendo. Na hora que eles me abordaram, era por volta de 21h20. Quando saímos daqui de casa, já eram 23h".

"Mandaram a viatura encostar de ré, direto na porta para me colocar no porta-malas. Um deles disse que era procedimento padrão e que não poderia fazer nada", relembra, acrescentando também que chegou a sugerir aos policiais que falassem com a vizinhança do local, onde mora há mais de sete anos, numa tentativa de que ele não fosse levado, mas isso não foi feito.

Na delegacia

Rosalvo relatou também o momento em que foi levado pelos policiais. "Eles me colocaram na gaiola, desceram um pouco, quando chegou embaixo, no viaduto, ficaram conversando não sei o quê. Depois, desceram sentido Shopping Barra, voltou, Dique. Quando pegaram Dique, Bonocô, eu pensei 'poxa, em Brotas tem algum matagal. Esses caras vão subir para lá comigo?'. Minha preocupação era tortura, para quererem que eu desse uma coisa que eu não furtei ou roubei", relata. 

O chaveiro disse ainda que se sentiu aliviado quando chegou à Central de Flagrantes da Polícia Civil, no Iguatemi. Lá, um dos agentes o mandou aguardar em uma sala e, depois de um tempo, foi levado para outra, onde foi ordenado a ficar posicionado e esperar mais um pouco. Depois, virou o corpo para os lados, até receber a notícia de que a dona do celular havia dito que ele não tinha sido o criminosou que a roubou.

Rosalvo contou ainda que só deixou a delegacia por volta das 3h da manhã, após o irmão, com quem reside, buscá-lo no local. Ele queixa-se de que não recebeu nenhum pedido de desculpas por causa da abordagem feita de forma truculenta, embora não tenha sido o autor do crime, e diz que até o próprio delegado achou a postura inadequada.

"Minha vida é casa e trabalho. Não devo nada, acho que o tratamento deveria ter sido diferente, como o delegado falou. Encontrou um rapaz suspeito, revistou, não tem nada? Não tem porque trazer para a Central de Flagrantes, era para liberar. Outra coisa, três viaturas da choque fortemente armados como eles estavam para procurar um celular? Acho que a pessoa que perdeu tinha alguma influência grande, porque se for o meu, até para registrar a queixa eu tomo um molho", desabafa.

Rosalvo disse ainda que não conseguiu dormir após o ocorrido, abalado com o que aconteceu e que chegou a ir para a casa de um amigo, ainda com medo de represálias. Homem negro, ele acredita que a situação foi motivada por um racismo institucional.

"Geralmente, é dessa forma. Quando é um negro, acham que é sempre errado, que é sempre ladrão. A abordagem com brancos é sempre diferente e, às vezes, até um polical negro é mais racista", lamenta.

Por fim, o chaveiro afirmou que não pretende deixar o caso passar impune e que pretende levá-lo à Justiça. "Às vezes, muitos casos ficam impunes porque as pessoas têm medo. Eu tenho, mas mesmo assim, não vou me calar", enfatiza.

Outro lado

A reportagem do BNews procurou a Polícia Militar para comentar o relato trazido por Rosalvo. Em nota, através de sua assessoria de imprensa, a instituição afirmou que os militares do Batalhão de Choque estavam realizando, na noite daquele dia, patrulhamento na região do Campo Grande, quando receberam a informação de uma senhora que seu aparelho celular havia sido roubado e que a localização estava próxima. 

Em seguida, as guarnições do departamento, prossegue a PM, "foram até o local informado e encontraram um homem com as mesmas características passadas pela vítima". A nota vai de encontro ao que Rosalvo informou e diz que o homem autorizou a entrada dos policiais na residência, onde o aparelho não foi encontrado.

O comunicado também confirma que Rosalvo foi levado à Central de Flagrantes "para adoção das medidas cabíveis".

Confira a nota da PM na íntegra:

De acordo com informações do Batalhão de Polícia de Choque, na noite de quinta-feira (26), militares realizavam o patrulhamento na região do Campo Grande, quando receberam uma informação de uma senhora que seu aparelho celular havia sido roubado e que a localização dele estava próxima. Diante dos fatos, as guarnições foram até o local informado e encontraram um homem com as mesmas características passadas pela vítima, logo foi realizada uma abordagem policial. Indagado se sua residência poderia ser verificada, ele autorizou a entrada dos policiais, que lá estiveram e não encontraram o celular. Tanto o homem, quanto a vítima foram conduzidos para Central de Flagrantes para adoção das medidas cabíveis.

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