Polícia

Saída temporária: Bahia tem histórico de crimes praticados por apenados durante benefício

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Sociedade reprova benefício garantido pela Lei de Execuções Penais  |   Bnews - Divulgação Reprodução

Publicado em 22/12/2017, às 06h30   Tony Silva, Shizue Miyazono e Juliana Nobre


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Tráfico de drogas, roubos, estupro e homicídios. Esses são alguns dos crimes cometidos por parte dos apenadas do sistema prisional, durante as saídas temporárias, previstas na Lei de Execução Penal e que repercutiram na Bahia e no Brasil. O BNews inicia uma série de matérias sobre a polêmica entre o direito do preso ao convívio social durante sete dias em datas especiais, a exemplo do Natal, previsto em Lei e a insatisfação da sociedade. 

A saída temporária é contestada desde as ruas até o Congresso Nacional. Populares e especialistas foram entrevistados pelo BNews e comentam as consequências para a sociedade e os direitos dos internos. 

Casos que entraram para a história 

Jonathan Pereira do Prado e Kelly Cristina Cadamuro

Neste ano, o Brasil se comoveu e se revoltou com a morte da jovem Kelly Cristina Cadamuro, de 22 anos. Assassinada por Jonathan Pereira do Prado, após uma carona combinada pelo WhatsApp, no início de novembro, no interior de São Paulo. O criminoso estava foragido desde março deste ano. Jonathan não retornou ao Centro de Progressão Penitenciária (CPP), de São José do Rio Preto (SP), depois de ter direito a uma saída temporária. 

Um caso hediondo e semelhante ao de Kelly Cristina também revoltou a sociedade baiana em 2009, quando o presidiário Gilvan Cléucio de Assis, que cumpria pena desde 2002 na Colônia Penal Lafayete, em Castelo Branco, recebeu o benefício da saída temporária no dia dos Pais. Ele assassinou a médica Rita de Cássia, 39 anos, quando foi sequestrada no estacionamento de um shopping da Bahia.

Jeferson de Oliveira - Jefinho

Em maio deste ano o radialista da Itapoan FM, Jeferson Silva Oliveira, conhecido como “Jefinho”, foi vítima de disparos de arma de fogo durante uma tentativa de assalto no bairro do Caminho das Árvores, em Salvador. O autor dos disparos e assaltante, Bruno de Oliveira Assis, que possui condenação até 2033, estava foragido após não retornar a saída temporária da Páscoa. 

Bruno de Oliveira Assis

Em março de 2016, uma quadrilha fortemente armada assaltou uma agência bancária no município baiano de Inhambupe. Cinco integrantes do bando foram presos por equipes do Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco), menos de 24 horas depois do crime. Entre os presos, foi capturado Amilton Neves de Jesus, que já respondia por homicídio e já foi condenado a 14 anos de prisão por roubo qualificado. Ele estava foragido do sistema prisional desde dezembro de 2014, quando recebeu o benefício da saída temporária de Natal.

Em abril de 2016 um homem identificado como, Danilo de Jesus Palmeira, interno do Conjunto Penal de Lauro de Freitas, foi preso em posse de drogas no bairro de Sussuarana. Segundo informações da polícia, Danilo não retornou ao presídio após ser beneficiado pela saída temporária de Natal em dezembro de 2015.

Ausência de informação

O BNews buscou a estimativa da quantidade de internos do sistema prisional baiano que serão beneficiados com a saída temporária de fim de ano em 2017 junto ao Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). O órgão informou que é incapaz de mensurar previamente o quantitativo e explicou que a saída temporária só acontece nas unidades que tem execução de pena no regime semiaberto, que são quase todas as unidades do Estado. 

O TJ também explicou que para ter acesso ao número de presos beneficiados é preciso consultar a relação dessas unidades no Provimento 4/2017 da Corregedoria Geral da Justiça e entrar em contato com cada uma delas e que o Tribunal não tem condições de fazer esse trabalho.

Em contato com o núcleo de comunicação da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap-BA), a reportagem do BNews foi informada que em 2016 saíram sob o beneficio 442 internos e 410 retornaram, registrando fuga de 32 apenados. Já em 2015, foram concedidas 287 saídas temporárias e houve um retomo de 268 internos, com 19 fugas. Quase a metade de 2016. 

O povo e o medo

O BNews foi as ruas saber qual o sentimento da população sobre a saída temporária, desde a falta de informações até a possível sensação de insegurança. Todos os entrevistados foram unânimes pela exclusão do benefício de saída temporária. Entre a sociedade, a medida é sinônimo de “medo e cuidado redobrado nas ruas”. 

De férias em Salvador, os agentes de segurança federal, de Brasília, Washington Luis Alves, 56 anos, e Marcos Alves Machado, 50, disseram que a falta de informações sobre a quantidade exata de presos liberados na Bahia e, principalmente, em Salvador é sinônimo de insegurança. “Me sinto inseguro, o número de criminosos entre nós deveria ser divulgado. Em Brasília já sabemos que teremos cerca de 2500 internos do sistema presidiário nas ruas”, comenta Luis Alves. Já o turista Marcos Alves deixou clara sua opinião sobre o processo das concessões de saída temporária. “Os critérios para liberar esses presos não são justos e nem confiáveis”, avalia.

Em conversa com a reportagem do BNews, a funcionária de um bar e restaurante da Barra, Ana Paula Souza, 24 anos, disse que, ao saber do período da saída temporária de fim de ano, ficou com medo e até mudou alguns hábitos. “Eu não estou trazendo mais celular quando saio de casa e redobrei os cuidados”, afirma.

Diógenes Rodrigues / foto: Roberto Viana - BNews

O empresário soteropolitano, Diógenes Rodrigues, 38 anos, ao passear na Barra, comentou que a o benefício da saída temporária é uma injustiça com a sociedade de bem. “Eu fico apreensivo. Os valores estão invertidos. Essa saída temporária significa risco de estupro, roubo e até morte. Essa saída temporária não deveria existir, pois libera os bandidos e os cidadãos de bem ficam presos e reféns do medo dessas pessoas”, comenta. 

Bruno Souza Rocha /  foto: Roberto Viana - BNews

O vendedor ambulante, Bruno Souza Rocha, 30 anos, deixou claro a sua falta de confiança nas saídas temporárias e na regeneração dos presos beneficiados. “Eu não confio, porque eles aprontam lá e aqui vão aprontar mais. Eu fico ligado nessa época. Acho que eles têm que cumprir a pena deles completa e só depois sair da cadeia”, avalia. 

Antonio Carlos Neves / foto: Roberto Viana - BNews

Quem também fica apreensivo e não concorda com benefício é o taxista Antonio Carlos Neves, 57 anos, que trabalha há 27 anos no transporte de passageiros em Salvador. “Essa época eu fico muito assustado, sabendo que eles estão soltos. Acho que eles têm que cumprir a pena até o final na cadeia”, afirma o taxista.

Jair Fernandes / foto: Roberto Viana - BNews

Jair Fernandes, 47 anos, gerente de um bar e restaurante localizado no Farol da Barra, sugere que, devido ao risco à sociedade, “deveria haver uma consulta pública para saber se o povo concorda com essas saidinhas, pois são os mais prejudicados. O crime atrapalha o comércio, e só em saber que criminosos estão nas ruas já deixa a população apreensiva”, sugere.

Órgãos de segurança têm rotinas afetadas pela saída temporária

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) se posicionou sobre as saídas temporárias, principalmente a de Natal, e não nega o impacto das “saidinhas” nas ocorrências. Leia a íntegra da nota:

A Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) afirma que a saída temporária de natal deve ser cumprida, já que é um benefício previsto no Código Penal, mas pondera que é necessária uma análise mais rigorosa para liberação de detentos, principalmente aqueles com históricos violentos e de desrespeitos às leis. 

Para a SSP, o aumento de ocorrências policiais após a liberação dessas pessoas não deve ser ignorada. A pasta afirma que comunicações prévia, informando a quantidade, bem como a identificação dos detentos, e posterior, indicando aqueles que não obedeceram o período de retorno seria de sumo importância para a segurança pública.

Já a Polícia Militar enviou uma nota ao BNews lamentando a reincidência delitiva, decorrentes de progressões no regime penal ou até mesmo pelos indultos (saída temporária) legais, chamando atenção dos legisladores. Leia a íntegra da nota:

Infelizmente, hoje as corporações policiais de todo o país enfrentam uma séria dificuldade em razão da reincidência delitiva. Não são incomuns casos de prisões em flagrante de autores de delitos que já cumpriram penas ou estão sendo beneficiados pelas progressões no regime penal ou até mesmo pelos indultos legais.

Há tempos a discussão no âmbito da sociedade sobre uma revisão e uma reestruturação ampla e corajosa na legislação penal brasileira vem sendo proposta, mas sem encontrar eco no poder legislativo e as consequências disso cada dia ficam mais evidentes com eventos criminosos sendo protagonizados por sujeitos que deveriam estar privados do convívio social por já terem atentado contra a vida em sociedade previamente.

Na próxima matéria da série "Saída temporária" o BNews trará uma discussão sobre a legislação e a análise de especialistas sobre o benefício.

Classificação Indicativa: Livre

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