Política

‘Caduco’, regimento da Alba tem 30 anos e é alvo de críticas dos deputados

Publicado em 03/11/2015, às 16h25   Juliana Nobre e Rodrigo Daniel Silva



Há 30 anos, milhões de brasileiros foram às ruas contra o regime militar para pedirem mudanças na política brasileira. Em 2013, a sociedade também cobrou uma reforma política, incluindo alternância de poder, e redução na quantidade de deputados, senadores e vereadores. Em algumas Casas Legislativas algo foi feito. Modernidade era necessário. Isso não ocorreu na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) e o que rege as ações dos parlamentares continua o mesmo há 30 anos. Em 2015, o Regimento Interno da Alba faz aniversário, sendo considerado, pelos próprios parlamentares baianos, “inadequado”, “mal feito”, “caduco”. E permanece sem nenhuma explicação.

Mudanças pontuais já ocorreram em 2014, contudo, a revisão total do documento nunca foi proposta. Obscuridades trazem à tona, por exemplo, a polêmica perpetuação no comando da Casa pelo presidente, deputado Marcelo Nilo (PDT). O capítulo que trata da eleição da Mesa Diretora deixa brechas para que a escolha ocorra por acordo entre as bancadas e cargos sejam criados a partir do interesse das partes. Indefinições, muitas vezes, beneficiam nas votações de projetos do Executivo, conhecido como "rolo compressor".

Nas últimas semanas, parlamentares da oposição vêm cobrando que o documento seja seguido à risca. No entanto, o que se vê nas sessões da Alba é o presidente propondo novas regras, quando conveniente. Nilo, em entrevista à WebTV do Bocão News emagosto último, disse que “não seria justo modificar o regimento”, já que foi eleito cinco vezes com ele. “O regimento da Casa só será modificado por acordo político. Eu fui deputado de oposição nesse mesmo regimento. E não seria justo depois que nós passamos a ser governo, nós modificarmos”, disse à época.

O atual chefe do Legislativo baiano ainda afirmou que o documento beneficia parlamentes oposicionistas e que os mesmos não têm interesse em alterá-lo. “O regimento foi feito para a oposição, foi criado por Jorge Hage quando era oposição e Luís Eduardo Magalhães era presidente da Assembleia. Era um regimento que fortalecia muito a oposição. Naquela época, Luís Eduardo queria colocar umas cascas de banana para João Durval Carneiro, que era governador, então criou o regimento muito ligado à oposição. Então, os deputados que fazem oposição hoje ao governo não querem modificar", contou.

Oposição apoia mudanças

Entretanto, em conversa com o site, o líder da oposição, Sandro Régis (DEM), concorda com mudanças. Para ele, o regimento interno é “omisso e sem objetividade”. “Tudo na vida vai se transformando. No dia a dia, o regimento é omisso em algumas situações. É preciso ter mais objetivo. A questão dos 15 minutos, quando a gente falar de quórum nominal para se restabelecer. Isso não tem no regimento”, aponta. Régis ainda discordou do presidente da Alba de que o texto beneficia a oposição. “O regimento não beneficia ninguém. Já viu regimento beneficiar alguém? A lei não pode beneficiar ninguém”, rebateu.


Sandro Régis (DEM), Luciano Ribeiro (DEM) e Adolfo Viana (PSDB) concordam na modernização do regimento

O deputado Luciano Ribeiro (DEM), que é advogado, defende as mudanças e as cobra nas sessões plenárias da Casa. Para ele, muito do que se realiza é por acordo com a interpretação, principalmente, do presidente. “O regimento da Alba é anterior à Constituição. Sou a favor de uma modernização. Não há nada específico, pois há muita obscuridade, então a obscuridade abre brechas e tudo é feito de acordo com a interpretação do presidente”, atesta.

Já o deputado Adolfo Viana (PSDB), que também cobra, diariamente, o seguimento do regimento, concorda com algumas mudanças. “Depende da mudança. Temos um regimento antigo, porém que respeita as minorias. Quando se fala em mudança tem que ter cuidado, pois a força das minorias tem que ser preservada. Para mudar o regimento tem que ter unanimidade, não pode ser pela maioria simples. Se for por maioria simples, o governo faz como quiser. Tem que ter muito cuidado. Acho que o mais importante é seguir o regimento a risca”, pondera.

Governista propõe alterações

O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), deputado Joseildo Ramos (PT), chegou a criticar o documento e defendeu a reforma. “É uma regulação mal feita, caduca, imprecisa, não objetiva e que envergonha à todos”, criticou o parlamentar. Para o petista, a discussão sem ir ao cerne das questões faz a Assembleia Legislativa perder uma grande oportunidade, considerando que deputados da oposição e da situação já se levantaram contra o regimento interno. 


Presidente da CCJ, Joseildo Ramos (PT)

Tanto Ramos como Régis defenderam a criação de uma comissão suprapartidária para reformular as regras do parlamento baiano. “Tem que ter uma comissão de deputados regimentalista, que estudem o regimento, para apresentar sugestões de modificações e acrescentar pontos”, propôs o líder.

Câmaras já modernizaram o regimento

Em Salvador, os vereadores aprovaram o novo regimento da Casa no mês passado. O texto foi totalmente reformulado. O anterior era de 2005. O responsável pelas mudanças foi o edil e jurista, Edvaldo Brito (PTB). O novo regimento da Casa de Leis da capital baiana teve como exemplos os documentos da Câmara dos Deputados, São Paulo e Rio de Janeiro. “Nosso regimento é mais moderno, compatível com a nossa vida atual. Teremos uma Câmara dinâmica e à altura de uma cidade como Salvador”, disse Brito ao Bocão News.

O texto da Câmara dos Deputados foi atualizado em 2005; do Rio de Janeiro, em 2009. Em São Paulo, a última atualização é de 2013.

Pontos polêmicos do documento

Alguns pontos “obscuros” do regimento interno da Alba serão destacados: eleição da mesa diretora, quórum nominal, verificação de votação de obstrução, concessão de medalhas e títulos e proporção na relatoria de projetos do Executivo.

Eleição da mesa diretora

Texto da Alba: A eleição para preenchimento dos cargos vagos na Mesa Diretora darse-á em sessão extraordinária, especialmente fixada para tal fim, imediatamente após aaprovação do respectivo projeto de resolução. Art. 2º - Na eleição a que alude o artigo anterior, aplicar-se-ão, em especial, as regras contidas no capítulo III do título I do Regimento Interno. Capítulo III: As Bancadas e/ou Representações Partidárias, por decisão da maioriade seus membros, poderão constituir Bloco Parlamentar, sob liderança comum, vedada a participação de cada uma delas em mais de um Bloco, desde que seja integrado, pelo menos, por 1/10 (um décimo) de Deputados.

O texto da Alba não é claro em relação à eleição do presidente da Casa, que já está no comando por cinco mandatos consecutivos.

Texto da Câmara dos Deputados: Art. 5º Na segunda sessão preparatória da primeira sessão legislativa de cada legislatura, no dia 1º de fevereiro, sempre que possível sob a direção da Mesa da sessão anterior, realizar-se-á a eleição do Presidente, dos demais membros da Mesa e dos Suplentes dos Secretários, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente. § 1º Não se considera recondução a eleição para o mesmo cargo em legislaturas diferentes, ainda que sucessivas. § 2º Enquanto não for escolhido o Presidente, não se procederá à apuração para os demais cargos. Art. 6º No terceiro ano de cada legislatura, em data e hora previamente designadas pelo Presidente da Câmara dos Deputados, antes de inaugurada a sessão  legislativa e sob a direção da Mesa da sessão anterior, realizar-se-á a eleição do Presidente, dos demais membros da Mesa e dos Suplentes dos Secretários.

Quórum nominal

Texto da Alba: Não existe no regimento quando ele pode se estabelecer.

Texto da Câmara dos Deputados: O processo nominal será utilizado: I – nos casos em que seja exigido quórum especial de votação; II – por deliberação do Plenário, a requerimento de qualquer Deputado; III – quando houver pedido de verificação de votação, respeitado o que prescreve o § 4º do artigo anterior; IV – nos demais casos expressos neste Regimento. § 1º O requerimento verbal não admitirá votação nominal. § 2º Quando algum Deputado requerer votação nominal e a Câmara não a conceder, será vedado requerê-la novamente para a mesma proposição, ou para as que lhe forem acessórias.

Verificação de votação em obstrução

Texto da Alba: Não há citação.

Texto da Câmara dos Deputados: 6º A ausência às votações equipara-se, para todos os efeitos, à ausência às sessões, ressalvada a que se verificar a título de obstrução parlamentar legítima, assim considerada a que for aprovada pelas bancadas ou suas lideranças e comunicada à mesa. § 7º Terminada a Ordem do Dia, encerrar-se-á o registro eletrônico de presença.

Concessão de medalhas e títulos de cidadão

Neste caso, comparamos com o regimento interno da cidade de Recife, em Pernambuco.

Texto da Alba: Para a concessão de medalhas, este item foi reformulado no dia 1º de outubro deste ano. Anteriormente eram apenas duas por ano e agora é uma por ano por parlamentar. Para os títulos, não há especificação da quantidade e período.

Texto da Câmara de Recife: É permitido a cada Vereador a apresentação de, somente, dois (02) projetos de decreto legislativo de concessão de medalha do mérito "José Mariano" e dois (02) projetos de decreto legislativo de concessão de título de cidadão por cada legislatura.

Proporção na relatoria de projetos do Executivo

Texto da Alba: Cabe à direção: designar os Relatores das matérias, observando o princípio da proporcionalidade dos Partidos, salvo nas Comissões Especiais e de Inquérito, em que haverá eleição.

Apesar de constar no regimento, deputados da oposição cobram a execução. “Outra obscuridade que reclamo muito é a proporcionalidade na indicação de relatores. Isso tem no regimento, tem nas comissões e o presidente entende que quando vai para o plenário tem que ser alguém da base”, disse Luciano Ribeiro sobre projetos oriundos do Executivo.

Publicada originalmente dia 2 de novembro, às 18h

Classificação Indicativa: Livre

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