A Bahia tem a maior população autodeclarada negra do Brasil. Portanto, tem uma alta representativa de negros nas casas legislativas, certo? Não, não é bem assim. Se o número de pessoas que se declaram negras no estado é 17,1%, na Assembleia Legislativa apenas 4,7% dos deputados se definem como afrodescendentes.
Levantamento feito pela reportagem do Bocão News a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que tão-somente três dos 63 parlamentares na Assembleia se autodeclararam negros na eleição de 2014, quando disputaram o cargo.
Na avaliação de Bira Côroa (PT), que ao lado Zé Raimundo (PT) e Pastor Isidório (Pros) foram os deputados estaduais que se definiram como afrodescendentes, essa é uma questão de identidade. “Se olharmos, iremos ver que a maioria tem um perfil negro, mas não se assume assim. É uma questão de pertencimento. Somos todos criados com a ideia de que negro é inferior. E isso pesa muito”, observa.
A secretária estadual de Políticas para as Mulheres, Olívia Santana (PCdoB), diverge deste entendimento. “É um retrato da desigualdade racial da sociedade que se reflete no Parlamento. Além disso, a disputa eleitoral é marcada pelo poder econômico, que quem tem uma capacidade de arrecadar mais dinheiro se elege. Neste sentido, os negros estão em desvantagem”, avalia Olívia, que já foi candidata à deputada, mas não obteve êxito.
O cientista político e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Jorge Almeida, entende que os dados ilustram o “racismo existente no Brasil”. “Há uma sub-representação no Parlamento brasileiro. Mas boa parte dos pardos também não se autodeclaram negros”, ressalta o especialista.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) de 2013 mostram que 76,3% dos baianos se declaram negros ou pardos enquanto na Assembleia Legislativa da Bahia 41,2% se definiram assim.
Na Câmara dos Deputados, a representação do negro baiano é um pouco maior. Lá 15,3% dos deputados federais da Bahia se definiram com este perfil. Bebeto (PSB), Irmão Lázaro (PSC), Tia Eron (PRB), Márcio Marinho (PRB), Antônio Brito (PTB) e Valmir Assunção (PT) foram os seis dos 39 parlamentares que se identificaram afrodescendentes.
Para o professor Jorge Almeida, a consequência desta baixa representatividade é que as políticas públicas criadas acabam não atendendo essa população. A secretária Olívia Santana concorda e diz que: “nós (negros) não tomamos as decisões, somos objetos políticos. Os brancos fazem as leis para nós. Sofremos os impactos de algo que não participamos, infelizmente”.
Na mesma linha, o deputado federal Valmir Assunção (PT) afirma que essa pequena representação “causa uma distorção histórica nas propostas apresentadas na Câmara, e de como o Congresso observa seus representantes”.
Cota no Parlamento
Reservar um espaço para negros por meio de uma legislação é o caminho para garantir uma maior participação desta população nas casas legislativas. É o que acredita a secretária Olívia Santana. Favorável a cotas para afrodescendente no Parlamento, a gestora diz que essa baixa representatividade não será resolvida naturalmente.
“Houve muita polêmica quando se adotou isto nas universidades, mas a cota abriu as portas para a população negra entrar. Temos que adotar essas políticas afirmativas para que um dia o Congresso reflita a nossa sociedade”, analisa.
O deputado Valmir Assunção também é a favor das cotas. “[Vai] corrigir essa distorção que existe no Congresso Nacional. É preciso criar mecanismos para termos mais negros como deputados federais e senadores da República”, frisa.
No entendimento de Bira Côroa, a melhor solução é criar condições para que o negro possa disputar de igual para igual com o branco. Esta é a linha de pensamento também do professor Jorge Almeida. “Se não houver ações políticas, econômicas e culturais que visem enfrentar essa deformação [da baixa representativa], o problema não será resolvido apenas com a cota eleitoral”, ponta. Na visão do cientista político, o ideal seria que os partidos políticos, sem uma imposição da lei, colocassem mais negros para disputar cargos.
“Essa é uma medida importante que deve ser discutida, independente de lei”, diz, destacando que mesmo tendo uma cota para mulheres nas eleições, elas ainda não têm importância devida no processo eleitoral.