Política

O Ano Anísio Teixeira e a BNCC

Imagem O Ano Anísio Teixeira e a BNCC
Por: Penildon Silva Filho, professor da Ufba e doutor em Educação  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 26/07/2019, às 22h12   Penildon Silva Filho



O Governo do Estado da Bahia lançou dia 12 de julho passado o projeto “2020: Ano Anísio Teixeira”, para iniciar as comemorações pelos 120 anos de nascimento do educador baiano em 2020. A iniciativa reuniu as secretarias da Educação, da Cultura, da Ciência e Tecnologia e da Casa Civil, num evento muito significativo no Instituto Anísio Teixeira (IAT/SEC). O projeto “2020: Ano Anísio Teixeira” traz a proposta de reunir diversas atividades, a exemplo do projeto para a implantação de um museu sobre o educador no IAT; um concurso de produção audiovisual; a reedição de livros sobre a vida e obra do educador, além de ações formativas, jornadas de planejamento pedagógico e realização de simpósios. Com o objetivo de difundir a produção de Anísio internacionalmente, está programado o lançamento das suas obras em inglês e colocar todas em meio digital. Também está programada a Caravana Anísio Teixeira, que sairá de Salvador até Caetité para estimular a leitura e a reflexão acerca das contribuições do educador para a Educação e para a Sociedade brasileiras.

De formação acadêmica alinhada à filosofia do Pragmatismo de John Dewey, sua vida como gestor, elaborador e pensador de políticas públicas se entrelaçou com sua produção acadêmica. Foi um dos que elaborou a Carta do Movimento dos Pioneiros da Educação Nova em 1932 e ajudou a dirigi-lo. Criou as Escolas Parque na Bahia, no Rio de Janeiro e em Brasília, sendo um formulador e defensor da concepção de Educação Integral no Brasil e no mundo, sendo uma Educação integral compreendida não apenas de tempo estendido de ensino, mas com a formação integral do ser humano nas suas diversas dimensões e áreas de conhecimento e da vida, seja científica, cultural, artística, na relação com o mundo do trabalho, no fortalecimento da vivência social, cidadã, com participação política na Sociedade. 

Sobre o manifesto da Educação Nova, o texto do manifesto afirmava que a Educação deveria “servir não aos interesses de classes, mas aos interesses do indivíduo, e que se funda sobre o princípio da vinculação da escola com o meio social”. Ou seja, o objetivo era ter um “ideal condicionado pela vida social atual, mas profundamente humano, de solidariedade, de serviço social e cooperação”. Mesmo naquela época o Manifesto traz uma crítica ao fato de que a Educação reproduzia as classes sociais e as desigualdades. Os educadores de 1932 diziam que “a escola tradicional estava instalada para uma concepção burguesa, deixando o indivíduo numa autonomia isolada e estéril. O documento defendia ainda: educação como uma função essencialmente pública; a escola deve ser única e comum, sem privilégios econômicos de uma minoria; todos os professores devem ter formação universitária; o ensino deve ser laico, gratuito e obrigatório. A democracia no Brasil era um dos pontos importantes abordado no manifesto de 1932. A educação era vista como instrumento de reconstrução da democracia, permitindo a integração dos diversos grupos sociais. Nesse sentido, o governo federal deveria defender bases e princípios únicos para a educação, mas sem ignorar as características regionais de cada comunidade”. (ver link: https://www.educabrasil.com.br/manifesto-dos-pioneiros-da-educacao-nova/ ).

Foi o criador da Universidade do Distrito Federal de 1935, no Rio de Janeiro, uma inovação universitária destruída pela ditadura de Getúlio Vargas no Estado Novo, mas renascida com o projeto da Universidade de Brasília em 1961, que preconizava uma formação de excelência, com pós-graduação, pesquisa e extensão alinhavadas ao ensino da Graduação e uma formação ampla para os estudantes terem uma base humanista forte, independente de qual fosse a formação profissional posteriormente escolhida.

É interessante observar como, com suas ideias em favor da Educação Pública, gratuita, laica, de qualidade, para ambos os sexos, voltada para uma formação integral ligada ao exercício pleno da vida política em sociedade, Anísio foi sempre perseguido pelas ditaduras. Primeiro pela Ditadura do Estado Novo, tendo que se esconder no interior da Bahia por alguns anos depois da destruição da UDF de 1937 até 1945, e depois perseguido pela ditadura civil-militar que durou de 1964 a 1985. Hoje há muitas evidências que a sua morte não foi acidental em março de 1971. O livro “Breve História da Vida e Morte de Anísio Teixeira – desmontada a farsa da queda no fosso do elevador”, do autor João Augusto de Lima Rocha (professor de Engenharia aposentado da UFBA), de 2019, da Edufba, recolhe provas materiais a partir dos registros da época. A medida que o tempo vai passando, várias mortes tidas ou divulgadas na época como “acidentais” vão ganhando novos contornos a partir de investigações sérias, como a de João Goulart no Uruguai e a de Juscelino Kubitschek. No caso de Juscelino, temos o livro “A assassinato de JK pela Ditadura: os documentos oficiais”, de Alessandro Otaviani, Léa Vidigal Medeiros e Marco Aurélio Braga, com muitas provas que demoraram em ser reunidas por conta do período ditatorial da época.

Além de sua participação no movimento dos Pioneiros da Educação Nova, da elaboração de uma concepção de Educação Integral e da participação na criação da UDF e da UNB, Anísio Teixeira foi responsável pela criação da CAPES em 11 de julho de 1951. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior(CAPES) na época foi pensada por ele para cuidar da formação dos professores da Educação Básica, e hoje é uma fundação vinculada ao Ministério da Educação que atua na expansão e consolidação da pós-graduação stricto sensu em todos os estados brasileiros ao mesmo tempo em que coordena a formação dos profissionais da Educação com o PARFOR, lançado em 2009. 

O educador baiano também foi responsável pela ampliação e dinamização do INEP, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, que leva hoje o nome de Anísio Teixeira, uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação. No site da instituição fica claro que “Sua missão é subsidiar a formulação de políticas educacionais dos diferentes níveis de governo com intuito de contribuir para o desenvolvimento econômico e social do país.” Ao assumir sua direção em 1952, Anísio deu maior ênfase ao trabalho de pesquisa. Ele estabeleceu centros de pesquisa como um meio de "fundar em bases científicas a reconstrução educacional do Brasil" (relatório do Inep 50 anos, 1987). A ideia foi concretizada com a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), com sede no Rio de Janeiro, e dos Centros Regionais, nas cidades de Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre. Tanto o CBPE como os Centros Regionais estavam vinculados à nova estrutura do Inep.

Na segunda década, quase terceira, do século XXI ainda nos debatemos com concepções elitistas de Educação, interesses privatistas, interessados em fazer com que as filhos da classe trabalhadora tenham apenas acesso ao mínimo para se manterem em posições de pouco prestígio e ganhos sociais, reproduzindo as classes sociais e aquilo que Anísio Teixeira muito denunciava em seus escritos: que o sistema educacional era dual, reservava para diferentes classes sociais entradas e percursos diferenciados e os filhos das classes abastadas terminavam por adentrar as Universidades enquanto os filhos dos trabalhadores tinham uma Educação rebaixada. Por isso o pensamento de Anísio continua atual. 

Identificamos quando há um congelamento dos recursos destinados às políticas sociais com a emenda constitucional 95/2016 que há um descompromisso com a Educação pública, o que torna a proposta dos Pioneiros da Educação Nova de investimento significativo nessa política ainda muito atual. Com a proposta de “Reforma de Ensino Médio” do governo Temer que está sendo implementada pelo governo atual com a implementação de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio podemos ter uma volta ao que era a Educação no época de Francisco Campos no Ministério responsável pelo Educação na década de 1930, com a definição que cabe ao pobres apenas uma formação profissionalizante sem chance de ter uma formação ampliada e propedêutica que lhes possibilite acesso à Educação Superior. 

A Bahia tem uma grande oportunidade para aproveitar com o ano Anísio Teixeira e fazer esse debate curricular, justamente num momento de ofensiva dos interesses privatistas, de fundações privadas interessadas num ensino adestrador e mercantilizado, de empresas interessadas em vender “pacotes” pedagógicos e sistemas de ensino padronizados e até mesmo em gerir escolas diretamente em parcerias público-privadas. São propostas que em nada se aproximam da proposta de Anísio Teixeira de um ensino voltado à Educação Política e Cidadã. O debate sobre a nova BNCC deve ser conduzido de forma a garantir um ensino na Educação Básica de qualidade, de excelência, que não separe os que devem entrar na Universidade e por isso recebem mais conhecimento de forma interdisciplinar daqueles que receberiam o mínimo necessário para uma “empregabilidade” duvidosa em tempos de revolução industrial 4.0.

Mesmo princípios basilares como a Educação Laica, com a separação entre as religiões e o Estado, precisam ser reafirmados, devido à frente fundamentalista que procura mudar as diretrizes curriculares nacionais e impor um ensino doutrinador com forte proselitismo nas escolas. O debate curricular com os professores da Educação Básica, da Universidade e a Sociedade será uma chance ímpar para estabelecer o diálogo sobre BNCC e currículo, tão difícil em tempos de falta de tolerância e de espírito democrático. Anísio pode nos ensinar muito nesse ano, com sua concepção liberal e democrática.

Classificação Indicativa: Livre

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