Política

Olinda aprova primeira Lei do País de reparação histórica

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A lei proíbe homenagens a escravocratas em obras públicas  |   Bnews - Divulgação Divulgação/ @viniciuscastello

Publicado em 17/02/2022, às 09h31   Redação


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A partir de agora homenagear escravocratas batizando obras públicas e vias públicas está proibido em Olinda (PE). Isso porque os vereadores da cidade pernambucana aprovaram a primeira lei do Brasil que proíbe nomear monumentos públicos em referência ao período escravo ou ditadura militar. O Projeto de Lei nº 6.193/2021 foi apreciado na Casa Legislativa e aprovado de forma unânime em dezembro.

De autoria do vereador Vinicius Castello (PT), além de proibir a nomeação em obras públicas, a PL prever a possibilidade de renomeação dos locais, imagens e esculturas da cidade. Além disso, estabelece que os monumentos públicos, estátuas e bustos, que sejam em homenagem a essa época, sejam retirados do município e guardados em museus com identificação e referências ao período histórico aos quais representam. "Queremos construir políticas públicas de 'escurecimento' da história. Essa é uma lei pensada para o país. Olinda é a plataforma inicial", disse Castello.

De acordo com a apuração do UOL, ainda não há definição sobre de onde virão os recursos para a manutenção da nova lei. Segundo Castello, o próprio deve solicitar uma renomeação de algumas localidades, mas, organizações da sociedade civil e outras entidades também poderão reivindicar mudanças. Um levantamento realizado pelo vereador aponta que, pelo menos, 13 escolas, ruas, avenidas, bustos e estátuas são passíveis de mudança.

A começar pela própria Câmara dos Vereadores de Olinda que é uma das mais antigas do Brasil, criada em 1548, e leva o nome de Bernardo Vieira de Melo, um nobre senhor de engenho e escravocrata. Melo teria organizado e participado do ataque contra o Quilombo de Palmares, que se constituiu como um dos locais mais emblemáticos do período.

De acordo com a Confederação Nacional de Municípios não há registros de legislações semelhantes ao PL 6.193/2021 aprovados em outras cidades, além de Olinda. Em Brasília (DF), há a lei nº 4.052/2007, alterada pela Lei 6.416/2019, que proíbe especificamente uma nomeação de torturadores da ditadura militar a monumentos, ruas e edifícios. Em Pernambuco, a Lei nº 16.629/2019 proíbe os torturadores e agentes da ditadura militar pela administração pública.

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Entre historiadores, a nova lei não é consenso. O curador do Museu do Ipiranga, em São Paulo e historiador Paulo Garcez, defende que as homenagens em espaços públicos não precisam, necessariamente, ser retiradas, mas, perder o caráter positivo. “Muitos museus no ocidente têm a prática de mudar o nome das obras. A minha posição é de que não vamos apagar nada do passado, vamos manter essas coisas para contestar. O Brasil é um país que violenta as populações indígenas, negras e as mulheres. Precisamos ser capazes de olhar para os documentos com esforço crítico sobre a nossa sociedade e sobre os episódios”, disse o historiador Garcez.

Para Mônica Oliveira, da coordenação da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, a aprovação da lei tem uma dimensão política, histórica e pedagógica ao propor reeducar a sociedade. "O símbolo é algo que tem um peso considerável pois fala da subjetividade. As várias homenagens a personagens históricos, foram feitas aos atores de violência, e, marcam o imaginário de sociedade", explica.

A historiadora Isabel Guillen, professora da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), explica que as legislações como essa começaram a provocar um debate sobre a história oficial não só aqui no Brasil, mas no mundo há cerca de 20 anos. Como exemplo, ela cita a lei francesa conhecida como Lei Taubina que reconheceu a escravidão e o tráfico negreiro como crime contra a humanidade e gerou na época, grande polêmica no país europeu. Ela explica que a legislação francesa tem como objetivo garantir que a escravidão não seja esquecida ou relativizada.

A historiadora destaca ainda que, além de projetos no legislativo, é preciso ações educativas, a fim de informar a população sobre importância de mudar as narrativas distorcidas do passado. Para ela, quanto mais distante e menos notável a história, maior a necessidade de marcar criticamente os acontecimentos. “A disputa pela memória é uma disputa pelo direito de significar a própria história. Toda vez que você age politicamente você tem que criar justificativas para as suas pautas e sua demanda de poder. A história entra como justificadora destes de vista política”, afirma Isabel

Monumentos ao redor do Brasil

A proposta aprovada na cidade pernambucana foi inspirada no PL 404/20 da deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL), em São Paulo, que ainda está em tramitação. A PL proíbe homenagens a escravoscratas e eventos históricos ligados ao exercício da prática escravista no âmbito da administração estadual direta e indireta.

Em SP, um levantamento do Instituto Pólis enumerou que dos 367 monumentos, 137 fazem alusão a homens brancos, e 18, a mulheres. Deste montante, apenas quatro fizeram homenagem a homens negros e apenas uma mulher negra. Na capital, das 380 obras de arte e monumentos em espaços públicos mapeados pela prefeitura , 14 são contestados por movimentos sociais pelos contextos de suas narrativas, entre eles, uma estátua de Borba Gato , que foi incendiada no ano passado .

Um levantamento realizado pelo Coletivo Negro de Historiadores Tereza de Benguela, e que deu origem ao projeto " Galeria de Racistas ", afirma que no Brasil existe mais de 150 monumentos que homenageam escravocratas. Não à toa, projetos de leis semelhantes foram apresentados em outras casas legislativas como a da Bahia, do Rio de Janeiro e de Goiás, além de cidades como São Paulo e Ribeirão Preto.

No Congresso Nacional, o Projeto de Lei 5296/20 , de Talíria Petrone (Psol-RJ), Áurea Carolina (Psol-MG) e Orlando Silva (PCdoB-SP), ainda em tramitação, proíbe em todo o território nacional monumentos como estátuas , totens, praças e bustos, para homenagear personagens da história do Brasil ligados à escravidão de negros e indígenas. Na justificativa, os deputados argumentam, embora algumas figuras sejam personagens da história, não foram homenageados como símbolos da nação.

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