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Saúde fez acordo por email para manter armazenamento de vacinas após contrato expirar sob Bolsonaro

Tânia Rêgo/Agência Brasil
A Saúde disse, em nota, que não há prejuízo na distribuição de vacinas.  |   Bnews - Divulgação Tânia Rêgo/Agência Brasil

Publicado em 16/02/2023, às 13h06   Cézar Feitoza e Mateus Vargas/ Folhapress


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Após deixar o contrato de armazenamento da vacina da Pfizer contra a Covid chegar ao fim, ainda na gestão de Jair Bolsonaro (PL), o Ministério da Saúde fez um acordo por email para manter a guarda dos imunizantes.

O serviço de estocagem da dose em ultrafreezer passou a ser feita por reconhecimento de dívida, sem cobertura contratual, em acordo em que a Saúde se comprometeu a pagar pelos serviços mais tarde.

Esse acerto foi feito em dezembro depois de reunião e trocas de mensagem com a empresa IBL (Intermodal Brasil Logística), em negociação liderada pelo então diretor de Logística da Saúde, o general da reserva Ridauto Fernandes.

O governo recorreu a essa saída por causa do intervalo criado entre o fim de um contrato de armazenamento com a própria IBL e o começo de novo contrato com a VTC Log, empresa que venceu a licitação aberta para dar sequência ao mesmo serviço.

Os documentos referentes à negociação foram obtidos pela agência Fiquem Sabendo e enviados à Folha de S.Paulo.

O Ministério da Saúde não informa qual é o valor atual devido à IBL. A empresa será remunerada considerando o mesmo cálculo usado para fechar o novo contrato de armazenamento, da VTC, que soma R$ 23,3 milhões por 12 meses de serviço.

A Saúde disse, em nota, que não há prejuízo na distribuição de vacinas.
A entrega feita por meio de reconhecimento de dívida entrou no radar da equipe de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda antes da posse.

O grupo de trabalho da saúde no gabinete de transição alertou, no relatório final, sobre "contratos de grande vulto e de grande importância para o MS [Ministério da Saúde] que estão sendo pagos por reconhecimento de dívida, ou seja, sem cobertura contratual".

Esse acordo foi apontado no mesmo documento como ponto de "criticidade" alta, com risco de "desabastecimento de estados e municípios em relação a medicamentos e insumos cuja aquisição é responsabilidade do Ministério da Saúde", caso novo contrato não fosse firmado.

Em 20 de dezembro, dois dias antes do fim do contrato de armazenamento das vacinas, o general Ridauto se reuniu com representantes da IBL.

O então diretor de Logística deu duas opções à empresa. A primeira seria fazer uma requisição administrativa dos serviços da empresa, quando o governo na prática obriga a entrega. A segunda era manter o serviço por reconhecimento de dívida.

No encontro, representantes da empresa disseram que o valor que recebiam para a armazenagem estava defasado. Citaram ainda que algumas vacinas chegaram no começo do ano ao estoque e ainda não haviam sido retiradas pelo governo.

No dia 22, data do fim do contrato, o Ministério da Saúde ainda não tinha uma solução para o armazenamento das vacinas.

Ridauto cobrou uma resposta da IBL por email, e chegou a um acordo para que a empresa recebesse os mesmos valores da concorrente que assumiria os serviços mais tarde.

A IBL disse à Folha de S.Paulo que vai começar a repassar as doses à VTC a partir de 27 de fevereiro, quando está prevista a entrega de nova remessa de vacinas contra Covid para os estados. A ideia é que, com o estoque reduzido, as doses sejam enviadas para armazenagem na empresa concorrente.

"Em tempo, informamos que todas as tratativas são realizadas junto ao Ministério da Saúde para que não haja a interrupção dos serviços prestados, bem como que não haja prejuízo a população e a política de imunização do país", completou.

O primeiro contrato entre a IBL e o Ministério da Saúde para o armazenamento e transporte das vacinas da Pfizer foi fechado no fim de 2021. À época, o governo também vivia insegurança sobre esse serviço e pagava por reconhecimento de dívida para a VTC Log armazenar as doses.

As primeiras entregas de vacinas pediátricas da Pfizer da IBL foram marcadas por problemas. Algumas doses chegaram aos estados em caixa de papelão com gelo.

Ridauto disse à Folha de S.Paulo que pagar por reconhecimento de dívida deve ser sempre "a última alternativa", e que recorreu a essa ferramenta porque foi insuficiente o tempo para finalizar a licitação para o contrato seguinte de armazenamento.

Desde o contrato inicial, a IBL protagonizou uma batalha judicial com a empresa concorrente. Foram dois processos principais abertos pela VTC Log contra a IBL no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

No primeiro, arquivado sem análise do mérito, a empresa pedia a anulação do contrato entre a IBL e a Saúde alegando que houve violação à Lei das Licitações no processo de contratação emergencial.

No segundo processo, a VTC Log, representada pelo advogado Willer Tomaz, pediu a suspensão de outro contrato da IBL com a Saúde para transporte de insumos médicos.

Nesse caso, o argumento era que o governo federal havia ignorado uma segunda proposta feita pela empresa, após a primeira conter um erro de cálculo. A Justiça acatou a ação e suspendeu o contrato da IBL.

Após a derrota judicial, o empresário Celso Torrecilha, representante da IBL, foi acompanhado do deputado Ricardo Barros (PP-PR), então líder do governo, para uma reunião com o ministro da CGU (Controladoria Geral da União) à época, Wagner Rosário.

O encontro, em novembro, foi solicitado por Barros. Torrecilha foi levado a tiracolo. O assunto tratado foi exatamente o contrato suspenso pelo TRF-1.

"[Eu] busquei ajuda, informações sobre um processo emergencial que foi suspenso por decisão judicial, cuja vencedora foi a IBL. No entanto, ainda não houve manifestação do ministro acerca do tema", disse Torrecilha à Folha de S.Paulo.

Procurado, Barros não se manifestou.

O contrato feito no fim de 2021 com a IBL também foi alvo do TCU (Tribunal de Contas da União), que chegou a determinar que o serviço só fosse executado até junho do ano seguinte. Depois, o tribunal permitiu que o acerto seguisse até dezembro.

Um dos argumentos usados pelo tribunal para a mudança de postura foi justamente que haveria tempo para concluir a nova licitação e evitar que os serviços fossem feitos sem cobertura contratual.

A nova concorrência foi encerrada no fim de dezembro. A empresa IBL ficou com o contrato de transporte das vacinas, enquanto a VTC Log venceu a parte destinada à armazenagem.

Classificação Indicativa: Livre

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