Saúde

Desde 2002, três presidentes assistiram o Espanhol chegar no fundo do poço

Publicado em 27/10/2015, às 11h48   Caroline Gois (Twitter: @bocaonews)


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R$ 600 milhões de reais. Este é o valor da dívida do Hospital Espanhol, fechado há quase dez meses e cuja caixa preta esconde o motivo que levou uma das maiores instituições de Saúde do país a definhar, até fechar as portas. 
No último dia 19, os conselheiros do Espanhol tiveram o que comemorar. Conseguiram na Justiça que a diretoria convoque uma assembleia para votar a destituição do Conselho da unidade, sob pena de multa em caso de desobediência. Em conversa com o Bocão News, a advogada e coordenadora do Fisache - Fórum Independente de Sócios, amigos e colaboradores do Hospital Espanhol, Miriam Bulhosa, adiantou que a audiência será no dia 4 de novembro. Conforme Bulhosa, que representa os conselheiros, a necessidade da assembleia é para que exponha valores de orçamento do hospital e contratos que foram firmados, afim de se obter resposta sobre a crise que gera um montante quase milionário em dívidas. 
Sem destino certo, Bulhosa nega que possa ter havido compra por parte da Promédica e que nada ainda foi definido com relação ao futuro do hospital. Na conversa com o site, a advogada relata que tudo começou em 2002 e que, de lá pra cá, "esta crise temerária culminou até este final de hoje". "Nenhum presidente fez auditoria e, este último, Demetrio Moreira, fez parte por 10 anos do conselho e nunca sugeriu uma auditoria para saber o que estava acontecendo", criticou Bulhosa.
De acordo com Bulhosa, três presidentes passaram pelo Espanhol desde que foi identificada a crise. São eles:
2002 a 2005 //  2008  a 2011
Manuel Antas Fraga 
Roberto Cal Almeida
2005 a 2008
2011 até então
Demetrio Moreira Garcia
O estatuto foi modificado dilatando o mandato do Presidente atual até 2016.
Em contato com o ex-presidente Roberto Cal, este de pronto, negou o período em que esteve à frente do hospital. "Fiquei de 2001 a 2004. Na realiadade saí em abril de 2005", esclareceu. Quando questionado sobre o momento atual do hospital, Cal diz estar muito triste com o fechamento do Espanhol. "É ruim ver uma entidade onde trabalhamos muito fechar as portas. A gente não entende o que está acontecendo e pedimos que se tome uma decisão. A comunidade precisa do hospital aberto".
Sobre a crise ter sido iniciada ainda em sua gestão, Cal nega qualquer problema financeiro e revelou não lembrar o orçamento da época. "Não tive problemas financeiros e hoje prefiro não emitir minha opinião como ex-presidente. Houve auditorias independentes e fica chato eu dizer de quem é a culpa. Já não faço parte do hospital há dez anos e não sou conselheiro há muito tempo", afirmou.
Ainda sobre a relação com o Espanhol e sem citar nomes, Roberto Cal disse que não apoiou a atual gestão. "Fui contrário e sou contra. Apoiei a diretoria anterior, mas não quero ficar jogando lenha na fogueira", disparou.  O ex-presidente reafirmou que todas as suas contas foram auditadas e que não sabe o que pode ter desencadeado a crise. "Não tenho contato com ninguém de lá desde 2009, mas você enxergava que algo não ia bem. Tem atas do hospital e todas as minhas contas foram aprovadas por unanimidade", disse, complementando. "Tem tudo lá. Quanto se faturava e gastava".
O Bocão News está realizando um levantamento sobre empresas que prestaram serviço ao Espanhol durante o período citado como início dos 
problemas financeiros da instituição. Foram constatados contratos com a Perfil Gestão Empresarial Sociedade, cujo capital social gira em torno de R$ 220 mil. Sobre a empresa, Cal afirmou que houve sim contrato com a Perfil. "A Perfil fazia a consultoria e gestão. Eles ajudavam já que os diretores não são remunerados", relatou, informando que o custo da Perfil era de R$ 50 mil por mês. Ele não soube detalhar por quanto tempo a empresa prestou serviço ao hospital. 
Sem hesitar em dizer que quer o melhor para o hospital, Roberto Cal disse que sempre trabalhou com transparência e que nunca tomou decisões arbitrárias. "Sempre ouvi o conselho. Pode checar tudo", reforçou.
A reportagem ligou também para Manauel Antas, cujo telefone só dá na caixa. O site ligou para o atual presidente, Demetrio Moreira, mas as ligações não foram atendidas.
Fundo do poço
Em julho deste ano o Bocão Newsdeu início a abertura da caixa preta e constatou que o MP e TCE investigam os milhões da Desenbahia. Enquanto cerca de 1.300 pacientes aguardam, diariamente, na fila da regulação e outros tantos lotam as emergências por falta de vagas, Salvador está há pouco mais de oito meses com um déficit que ultrapassa os 270 leitos. Isso porque um dos maiores hospitais da capital 
baiana fechou as portas após uma crise oriunda de má administração, cujo resultado foram demissões, transferência de pacientes e abandono dos prédios e equipamentos que prestavam serviço à Saúde pública e particular na Bahia.
À época, o site Bocão News conversou com o promotor da área de Improbidade Administrativa do Ministério Público do Estado da Bahia (MP), Adriano Assis, que revelou um cenário ainda sem respostas sobre o que está por trás da crise do Espanhol e o montante de uma operação milionária ainda não justificado e já na mira do MP e do Tribunal de Contas do Estado (TCE). "Temos duas áreas no MP que tem atribuições em relação a este caso do Espanhol. A área de Saúde - que irá apurar as consequências de atuação na Saúde Pública já que era um estabelecimento credenciado pelo SUS e a área na qual atuo. Na minha área, estamos verificando a questão do empréstimo que foi feito por parte da Desenbahia que tentou viabilizar a retomada das atividades antes da parada completa. Mas, estas atividades já vinham declinando. Infelizmente, não deu certo e o hospital fechou. Estamos analisando esta operação de financiamento e realizando o acompanhamento dela através do TCE para saber se houve regularidade na operação e se foi feita nos termos da legislação. Outro aspecto é garantir que, eventualmente, qualquer operação que envolva o hospital esteja assegurada à devolução dos recursos neste empréstimo e se houve improbidade em 2011", explicou o promotor, ressaltando que há uma liminar que determinou a garantia de indenização ao erário público caso irregularidades sejam encontradas.
Esta investigação gira em torno de um empréstimo no valor de R$ 53 milhões feito pela Desenbahia em 2013, época da crise do hospital. Em 2014, uma reunião entre o Sindicato dos Médicos (Sindmed), representantes do Hospital e do Governo tentou salvar a instituição. Na sede do Ministério Público da Bahia (MP), no CAB, os ânimos foram de acusações sobre de quem é a culpa pela maior crise na saúde pública já vista no Estado.
Para esclarecer o que está por trás deste empréstimo, a reportagem procurou a Desenbahia e enviou um e-mail no início da semana com diversos questionamentos referentes ao contrato como, por exemplo: como a Desenbahia buscou assegurar este recurso? Quais foram as garantias? Foi pago em parcelas? Se sim, qual o valor e quantas? O MP aponta inconsistências no quesito jurídico e técnico no contrato deste empréstimo. Como a Desenbahia se posiciona sobre isso? Até este sábado (25), nenhuma resposta foi enviada. A reportagem também procurou o presidente do Conselho Administrativo do Hospital Espanhol, Demétrio Moreira Garcia, que passou o caso Desenbahia para o advogado, mas afirmou: "Estamos empenhados em resolver o problema do hospital e em 40 dias haverá uma negociação pra definir o futuro do hospital". 
Entretanto, em contato com o advogado que representa o hospital, Washignton Pimentel, nenhuma resposta foi obtida pelo site em e-mail enviado também no início da semana. O e-mail foi solicitado pelo próprio advogado, que disse estar em São Paulo no dia do contato. No e-mail, questionamentos semelhantes aos que foram feitos à Desenbahia como: o valor foi pago de uma só vez ou dividido e qual a garantia feita por parte da Desenbahia para ter a devolução deste valor, já que o hospital estava em crise? Onde foi aplicado este dinheiro? Qual o débito total do Espanhol? Como andam as negociações para reativar o hospital? A Amil mostrou algum interesse? Há um prazo para que as negociações sejam finalizadas? 
De acordo com o promotor Adriano Assis, "o relatório do TCE aponta inconsistências  - tanto jurídica quanto técnica neste contrato. Esta é uma das questões. A outra é como foi decidido em que empregar este dinheiro e quais foram as prioridades. A Desenbahia vem prestando detalhes ao MP e estamos apurando como a estatal buscou assegurar este recurso. Quais foram as garantias?  Há critérios a serem atendidos e estamos analisando os critérios deste acordo para saber se houve análise técnica que verificasse se todas as exigências normativas foram preenchidas para não colocar em risco o credor. Tanto que no caso da Caixa Econômica, a Caixa verificou que não haveria viabilidade do retorno da quantia e não emprestou mais."
Com relação ao futuro do hospital e sobre as negociçaões em vigência, o promotor alegou que a condução disso fica a cargo da Real Sociedade Espanhola, que é uma instituição civil e privada. "Como há interesse público envolvido estamos investigando e acredito que o prejuízo seja muito grande", disse. O promotor não soube informar o valor total deste débito. "A Real Sociedade tem este valor. Há não só os empréstimos, mas as questões trabalhistas e passivo bancário, imposto. Isto ainda não foi auditado nem certificado, por enquanto, por nenhuma autoridade pública", afirmou.
Um outro empréstimo recebido pelo Hospital Espanhol foi da Caixa Econômica Federal, cujo valor total foi de R$ 57 milhões. Desse montante, R$ 32 milhões foram repassados e, dos R$ 25 milhões que restavam, apenas R$ 4 milhões foram disponibilizados para o hospital. Por conta disso, o pagamento dos cerca de 600 funcionários cadastrados na insitutição ficou atrasado. Com a crise agravada, o fechamento tornou-se algo inevitável.

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