Saúde

Após 19 anos pais conseguem descobrir qual a doença do filho; ultrarrara

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Os pais de João seguiram em busca de um diagnóstico com diversos profissionais de saúde, tanto em Goiania, onde moram, como em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro  |   Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 10/03/2024, às 12h26 - Atualizado às 12h38   Cadastrada por Letícia Rastelly


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João Pedro nasceu em 2000 e dias depois teve uma crise de hipoglicemia, precisando ficar internado em uma UTI por alguns dias. Esse foi o primeiro sintoma de uma doença que a família só iria descobrir 19 anos depois: deficiência da descarboxilase dos aminoácidos L-aromáticos (AADC), uma doença genética, que além de ser ultrarrara, ainda é grave e sem cura.

Segundo reportagem do UOL, nos primeiros meses de vida, João teve perda de tônus muscular, atraso no desenvolvimento, problemas respiratórios e outros. Rejany Machado Pena e José Carlos da Silva, pais do menino, contam que após a internação, buscou-se descobrir o motivo pela hipoglicemia, mas nunca descobriram.

Até que aos três meses a mãe percebeu que ele não sustentava o tronco. A primeira suspeita foi de que o menino estaria tendo um atraso no desenvolvimento por causa de algum problema neurológico decorrente da hipoglicemia. “Passamos por alguns neurologistas e eles relataram que possivelmente o episódio havia lesionado células microscópicas. Só que fazíamos exames cerebrais e dava tudo normal”, disse Rejany.

“Conforme ele foi crescendo, fizemos todos os testes genéticos que estavam disponíveis para ver se tinha alguma doença de origem genética, e nada, sempre dava negativo. E os sintomas iam piorando”, disse a mãe, ao lembrar que com 3, 4 anos, ele apresentava atraso cognitivo e quase nenhuma capacidade motora. A redução dos tônus musculares (hipotonia) chegou ao ponto dele começar a ter luxações.

“Por conta da sua musculatura ser muito mole, frouxa, os ossos acabam ficando em posições inadequadas. Por exemplo, a cabeça do fêmur foi para trás, se alojou no bumbum, e causava muita dor. Ele também chorava bastante, sem causa definida, não conseguia falar, se comunicar. A alimentação era outro problema, por conta da disfagia, que é uma disfuncionalidade de engolir e pode fazer a comida ir para o pulmão”,

Como solução para esse problema, os médicos indicaram colocar uma sonda na traqueia, mas a mãe não deixou. “Mas anjos foram aparecendo no caminho e, com a ajuda de uma fonoaudióloga maravilhosa, que inclusive está conosco até hoje, conseguimos fazer com que ele comesse alimentos pastosos sem a necessidade de nenhuma sonda”, relata Rejany.

Além de tudo já relatado, João também sofria de crises oculogíricas- movimentos involuntários que os olhos fazem e parece uma convulsão. De acordo com a mãe, no começo, elas duravam meia hora, mas chegou em um padrão de oito horas de descargas elétricas por dia. “Essa foi uma das partes mais complicadas, acho até que cheguei à beira da loucura. É difícil demais ver o seu filho passando por tudo isso e não saber nem qual é a causa”, lamentou Rejany.

Como João tinha cerca de cinco ou seis episódios de pneumonia por ano, sempre com quadros de infecção acompanhados por uma quantidade enorme de secreção, ele acabava sendo internado. De acordo com a mãe, diversos tratamentos não faziam efeito e às vezes até prejudicavam mais: “Mas fomos caminhando, fazendo tudo o que podíamos, em especial muita fisioterapia respiratória. Quando o João tinha 13 anos, eu e meu marido conseguimos montar uma mini UTI em casa. Com a diminuição das idas ao hospital, também diminuiu o número de intervenções mais invasivas as quais ele era submetido”.

Após usar um aparelho que funciona como respirador mecânico, o bipap, os médicos voltaram a oferecer a inserção de um tubo na traqueia para ajudá-lo a respirar, mas a mãe não aceitou e conseguiu, com fisioterapia respiratória, que ele usasse apenas a máscara no rosto. “Foi um longo período de adaptação, mas agora já faz oito anos que ele utiliza o aparelho dessa forma, e com sucesso. Agradeço sempre por ter conseguido evitar que passasse por muitos procedimentos mais invasivos”.

Os pais de João seguiram em busca de um diagnóstico com diversos profissionais de saúde, tanto em Goiania, onde moram, como em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, mas nenhum deles conseguiu definir. “Tinha esperança de que quando soubesse o que era, isso iria mudar a nossa vida. O João iria fazer um tratamento e melhorar, ficar bom. Mas os anos se passaram e os exames não indicavam nada, ninguém sabia o que ele tinha. Até que desisti dessa busca e decidi que iria viver um dia por vez, da melhor forma possível, cuidando do meu filho com todo o amor e sem criar expectativas. Optei por proteger o meu emocional e trabalhar com o que tinha em mãos, que era lidar com os sintomas dele e manter um padrão de cuidado”, contou Rejany.

Ela diz que apesar de algumas intercorrências, de modo geral “tudo fluiu bem” com o apoio de multiprofissionais e a mini UTI. “Até que em 2019, o neurologista Hélio Van Der Linden suspeitou de uma doença genética e nos disse que tinha um exame nos Estados Unidos que poderia confirmar. “”Por não ser invasivo, apenas coletar sangue e enviar para o laboratório, eu e meu marido aceitamos fazer. Mas, como todos os testes até então sempre vinham negativos, não criamos expectativas. Só que dessa vez foi diferente. Quando chegou o resultado, havia um diagnóstico: deficiência da descarboxilase dos aminoácidos L-aromáticos (deficiência de AADC)”, revelou a mãe.

Como o diagnóstico demorou a vir, e se trata de uma doença rara, pouco conhecida pelos médicos, a chance de controlar os sintomas com João já tendo 19 anos era muito baixa. “Naquele momento, ao invés de sofrer, entendi que, através da nossa história e da nossa experiência, poderíamos contribuir para que outras famílias não passassem pelo que passamos. Meu marido até escreveu um livrinho para contar isso tudo e, assim, podermos compartilhar o dia a dia de uma criança rara —que nos ensina de uma forma extraordinária a vencer os obstáculos— e, ao mesmo tempo, incentivar a inclusão. Não tivemos um diagnóstico precoce e nem a chance de controlar a progressão da doença. Mas, agora, outros pais podem ter essa oportunidade”, disse Rejany,

Até surgiu uma terapia gênica, que é realizada nos EUA, mas como João tinha 21 anos, os pais dele decidiram não fazer: “É uma cirurgia bastante invasiva e seria uma opção se ele fizesse antes dos sete anos. Com a idade mais avançada, com todas as perdas que já teve, não faria muita diferença. Ele não fala e depende de nós para tudo, mas posso afirmar com toda certeza que é feliz. Ele sabe o quanto é amado, tem um sorriso encantador e muita vontade de viver. Costumo dizer para ele: 'João, você é PhD em ser resiliente'. E eu e meu marido somos muito gratos por termos esse rapaz tão especial em nossas vidas”, finalizou a mãe.

A reportagem do UOL alerta para os sintomas que podem se manifestar nos primeiros meses de vida:

  • Hipotonia (redução do tônus muscular);
  • Atraso global do desenvolvimento neuropsicomotor, como incapacidade para caminhar, engatinhar e falar;
  • Deficiência intelectual;
  • Crises oculogíricas (movimentos oculares involuntários);
  • Suor excessivo;
  • Falta de energia;
  • Problemas respiratórios, digestivos e comportamentais;
  • Dificuldade para dormir.

Quando há suspeita o diagnóstico deve ser feito por meio de um exame genético que analisa o gene DDC. Mesmo sem cura, há um tratamento pode aliviar os sintomas, principalmente se for iniciado cedo. São prescritos remédios que aumentam a concentração de dopamina e serotonina no cérebro. Além disso, o médico pode indicar o uso de vitamina B6.

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