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Publicado em 16/11/2022, às 05h55 Daniele Madureira / Folhapress
O engenheiro Jerome Cadier, 50, está feliz. Uma das duas perguntas que mais ouviu nos últimos tempos não precisa mais ser respondida. Todos queriam saber se a Latam -que em maio de 2020 aderiu à recuperação judicial no Estados Unidos (processo chamado de Chapter 11)- iria ser vendida para a Azul.
A filial brasileira da Latam, presidida por Cadier, esteve por meses no alvo da Azul, rival comandada por John Rodgerson, que via na fusão das duas companhias a chance de despontar como um dos maiores grupos da aviação mundial.
Mas no dia 3 de novembro a empresa aérea chilena-brasileira anunciou a sua saída do Chapter 11. "Deixamos esse processo mais fortes do que nunca, com um caixa de US$ 2,2 bilhões e uma dívida reduzida em US$ 3,6 bilhões", disse Cadier. "Agora eu sou o maior pesadelo dos meus concorrentes."
Mas existe uma outra dúvida que o presidente da Latam Brasil não deve parar de ouvir tão cedo: o que fazer para comprar uma passagem aérea barata?
"Tem gente que acha que precisa ficar acordado de madrugada, ou usar computadores diferentes, mas nada disso funciona", afirmou o executivo à Folha de S.Paulo. "Compre antecipado ou aproveite uma promoção", disse. "Se você sabe que vai ter promoção, espere. Se não sabe, compre logo. A cada dia que se aproxima a data da viagem, mais cara fica a tarifa. Avião mais cheio é mais caro, avião mais vazio é mais barato."
De acordo com Cadier, o preço das passagens só deve voltar à normalidade a longo prazo, depois que a crise do petróleo, detonada pela Guerra da Ucrânia, for contornada. O querosene de aviação (QAV) responde, sozinho, por 40% dos custos das companhias aéreas. E só em 2022 o preço desse combustível saltou 60%.
A alta do QAV pesa mais no bolso do brasileiro do que de qualquer outro viajante mundial, afirma Cadier. "O Brasil tem o querosene de aviação mais caro do mundo", diz o presidente da Latam Brasil.
Segundo a Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), o QAV brasileiro é entre 30% e 40% mais caro que o dos Estados Unidos, um dos maiores mercados de aviação doméstica do mundo, considerado referência global. O Brasil é único país do mundo que tributa o QAV, diz a entidade.
Cadier espera que a questão já seja endereçada pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "Como dirigente de uma companhia aérea, eu não me importo se a Petrobras vai ser ou não privatizada. Mas eu me importo em ter um combustível mais barato, para oferecer uma tarifa mais baixa e transportar mais passageiros", diz.
Enquanto essa realidade não chega, a Latam Brasil promete promoções neste fim de ano. A alta temporada, nos meses de dezembro e janeiro, representa cerca de um terço de toda a demanda da companhia -serão 7 milhões de passageiros no período, que terá 3.200 voos extras, nacionais e internacionais.
"Vamos oferecer passagens mais baratas para os próximos dois meses, mas dentro da realidade de alta temporada", diz Cadier, garantindo que vão haver ofertas na Black Friday, dia 25.
Na noite de sexta (11), a empresa aérea lançou o seu "Esquenta Black Friday", com passagens a partir de R$ 169, para viajar entre janeiro e março de 2023. Os preços promocionais valem até quarta-feira (23).
O executivo se mostra particularmente preocupado com a operação do aeroporto de Congonhas, na capital paulista -que, assim como o aeroporto de Guarulhos (SP), é um ponto "nevrálgico" na operação da Latam Brasil.
"Todos os nossos aviões, em algum momento, passam por lá", diz. Mas a Infraero decidiu aumentar em mais de 10% a capacidade do aeroporto no próximo mês de abril, afirma, antes dos investimentos previstos no plano de concessão da Aena, que venceu o leilão.
"Você aumenta a quantidade de passageiros em um aeroporto que já opera no seu limite e dá o aval para o início de uma obra monstruosa de reforma. Imagina o caos!", diz ele. "Foi uma medida pouco inteligente."
PERGUNTA - O grupo Latam concluiu a saída do Chapter 11 neste mês. Quais as prioridades do grupo no Brasil de agora em diante?
JEROME CADIER - Foi um período muito duro, uma crise causada por fatores externos, a pandemia, mas ficamos felizes em deixar essa fase para trás. Agora queremos manter o nível que alcançamos, de competitividade de custo e dívida baixa, os dois grandes benefícios do processo de reestruturação. Com isso, conseguimos aumentar nossa operação para mais destinos e abrir novas rotas. Antes da pandemia, a gente operava 44 destinos domésticos. Desde então, lançamos 11, estamos com 55 no Brasil e retomando aos poucos os destinos no exterior, que hoje somam 22.
P. - O Brasil é o maior mercado do grupo, mas sofre com a inflação e uma possível nova onda de Covid-19, justamente em um momento de expansão das rotas domésticas. Como lidar com estes dois limitadores da demanda?
JC - Temos três grandes preocupações no horizonte de 2023. A inflação e, mais especificamente, o custo de combustível, é uma delas: só neste ano o combustível de aviação aumentou 60%. Considerando que 40% dos custos de uma companhia aérea são combustível é algo muito relevante. A segunda preocupação é o câmbio, uma vez que entre 55% e 60% dos custos são dolarizados. Se o dólar sobe de R$ 5,10 para R$ 5,40, por exemplo, é uma variação muito forte. O terceiro fator de preocupação é o crescimento econômico, que precisa acontecer para dar novo impulso ao setor.
P. - Uma nova onda de Covid não é fator de preocupação?
JC - Nos últimos dias, houve realmente um aumento nos casos de Covid na nossa equipe, que é testada diariamente. Mas são sintomas mais leves. Graças à vacina, a doença se apresenta como uma gripe mais forte, com menos risco à saúde e, portanto, afeta menos a operação. Por isso não considero, até o momento, uma preocupação para 2023. Mas estamos atentos, é óbvio.
Já no fim de 2021, o brasileiro encontrou preços muito altos de passagens. Este fim de ano vamos continuar vendo tarifas caras? Vamos. Os efeitos da Guerra da Ucrânia continuam fortes. Mesmo que amanhã se decrete o fim da guerra, são muitos meses até que toda a cadeia de suprimentos dos derivados de petróleo se regularize. Minha sensação é que, a médio ou longo prazo, o preço do petróleo deve baixar. Mas não sei quando isso vai acontecer. Qualquer palpite é um chute no escuro.
P. - O que a Latam pode fazer para ajudar o cliente a voar mais barato?
JC - Todo mundo me pergunta como comprar barato: Fico até meia-noite? Uso computadores diferentes? Não, nada disso funciona. Compre antecipado ou aproveite uma promoção. Se você sabe que vai ter promoção, espere. Se não sabe, compre logo. A cada dia que se aproxima a data da viagem, mais cara fica a tarifa. Avião mais cheio é mais caro, avião mais vazio é mais barato.
P. - O Congresso aprovou a volta da franquia obrigatória de bagagem (cada passageiro ter direito a uma mala de 23 kg em voos nacionais e de 30 kg em voos internacionais). O presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou, mas esse veto ainda precisa ser apreciado. Como ficarão os preços de passagens se a franquia obrigatória de bagagem voltar?
JC - A mala nunca é de graça. A tarifa vai ficar embutida no preço, o que eu não acho justo com quem não leva a mala. Cada um deveria pagar pelo que consome. Pouquíssimos países oferecem a franquia obrigatória de bagagem -só Cuba, Rússia e Coreia. Se o Brasil se alinhar com práticas internacionais, de não instituir franquia, vai atrair mais companhias aéreas para o país, estimular a concorrência, e as tarifas vão baixar. Empresas como a JetSmart e a Sky estavam interessadas no mercado brasileiro.
P. - Por que existe despacho voluntário da bagagem -quando você leva a bagagem de mão, mas ela acaba despachada, sem custos?
JC - Se todos os 180 passageiros que nós transportamos no A320 entrarem na aeronave, carregando uma mala de mão e uma mochila nas costas cada um, não vai caber tudo. Quando acaba o espaço disponível, nós liberamos o despacho sem cobrança. No Chile, existe uma cobrança mais dura sobre a bagagem de mão: se ela está fora do tamanho ou do peso, o passageiro é cobrado no próprio portão de embarque. Com isso, muitos viajantes chilenos já despacham as suas malas. Aqui no Brasil, estamos esperando essa decisão da franquia para começar a cobrar também no portão de embarque.
A sensibilidade a preço é fundamental no nosso mercado. A pessoa define se vai viajar ou não com base na tarifa. As aéreas costumam jogar o preço da tarifa para baixo e da mala para cima. Depois de atrair o passageiro para a compra da passagem, aí ele decide se vai levar muita ou pouca roupa, se vai levar presente etc. Com essa decisão de franquia, a tarifa mais barata do voo deixa de existir.
P. - Neste ano, a espanhola Aena venceu o leilão para administrar o aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Qual a sua avaliação a respeito das concessões de aeroportos nos últimos anos?
JC - Tivemos um aumento brutal nos investimentos, na infraestrutura, no conforto do passageiro, na capacidade de operar das companhias aéreas. Uma gestão muito profissional. O lado negativo é que a gente aumentou significativamente os custos. O Brasil escolheu o modelo de quem paga a maior outorga, em vez de ser o do operador que pratica o menor custo. Para compensar o alto valor da outorga, o operador vai aumentar o preço do aluguel, da taxa cobrada das companhias aéreas etc. Se fosse pelo modelo de menor custo, haveria uma tarifa mais baixa, que levaria a mais passageiros, mais hotel, mais táxi, mais restaurante, mais comércio... Todo o setor de turismo seria incrementado.
P. - Qual a sua opinião sobre o futuro do aeroporto de Congonhas?
JC - Congonhas é um aeroporto fundamental para a Latam, fazemos 120 voos domésticos por dia lá, praticamente o mesmo número de voos domésticos de Guarulhos. É um aeroporto central e distribui muitos voos que se conectam à malha aérea, de 140 aviões no país. Qualquer cancelamento ou atraso em Congonhas afeta toda a malha. Sob a gestão da Aena, o aeroporto será reformado, terá sua capacidade ampliada, mais terminais, mais pontos de check-in, mais estacionamento. Vem coisa muito boa pela frente. Mas até lá, a experiência do passageiro vai piorar muito.
A Infraero decidiu aumentar em mais de 10% a capacidade de Congonhas no próximo mês de abril, um espaço que já opera no limite da sua capacidade. O problema não é segurança, é o conforto. Haverá mais filas no estacionamento e na avenida que dá acesso ao aeroporto, demora na conexão, para pegar ou despachar a mala, filas no check-in, para chegar ao raio-X mais embarques remotos (quando a aeronave fica estacionada no pátio e é preciso usar um ônibus para chegar até ela).
Soma-se a isso o fato de que a obra de expansão precisa ser feita. Você aumenta a quantidade de passageiros em um aeroporto que já opera no seu limite e dá o aval para o início de uma obra monstruosa de reforma. Imagina o caos! Foi uma medida pouco inteligente.
P. - Passadas as eleições, qual a sua expectativa para 2023?
JC - Temos ajustes a fazer no país e a população escolheu fazer mudanças. A redução da desigualdade, a preservação do meio ambiente, a questão da fome constituem uma agenda muito importante, abraçada pelo futuro governo. A agenda do setor aéreo, porém, não se altera: defendemos uma redução do custo Brasil, absolutamente compatível com o que ouvimos até agora de Lula. Um dos principais entraves é o custo do combustível de aviação no país, o mais caro do mundo. Como dirigente de uma companhia aérea, eu não me importo se a Petrobras vai ser ou não privatizada. Mas eu me importo em ter um combustível mais barato, para oferecer uma tarifa mais baixa e transportar mais passageiros. Estou moderadamente otimista com o ano que vem -moderadamente, porque estaremos em um ambiente recessivo global.
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