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Publicado em 22/03/2024, às 17h00 - Atualizado às 17h44 Foto de Clay Banks na Unsplash Marco Dias
A cantora Wanessa Camargo foi eliminada do Big Brother Brasil 24 após ter agredido o baiano Davi Brito, no início deste mês. Durante a convivência no reality show, a artista foi alvo de críticas nas redes sociais por diversos comentários, considerados racistas, feitos contra o motorista de aplicativo.
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Em um vídeo publicado no Instagram, a cantora pediu desculpas a Davi e à família do baiano, classificando suas atitudes como “racismo estrutural”.
Hoje, entendo, que algumas das minhas falas e comportamentos dentro do BBB em relação ao Davi se enquadram no racismo estrutural, que está tão enraizado na nossa sociedade e em nós, pessoas privilegiadas, que a gente acaba praticando sem perceber e sem se dar conta de quanto isso afeta a população já tão machucada e discriminada por séculos", declarou Camargo.
Mas o que significa a expressão? É correto afirmar que o racismo é praticado “sem perceber”? Pedir desculpas resolve o problema?
O que é racismo estrutural?
A expressão racismo estrutural se tornou popular com o livro homônimo do atual ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, Silvio Almeida. Para o autor, todo racismo é estrutural.
O racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo 'normal' com que se constituem as relações políticas, econômicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo estrutural. Comportamentos individuais e processos institucionais têm, dessa forma, origem em uma sociedade em que 'racismo é a regra e não exceção'", defende Almeida em seu livro.
Para a advogada e professora Cídia Dayara Vieira, a expressão não pode ser utilizada como um argumento para justificar certas atitudes e comportamentos racistas.
O racismo estrutural, por si só, já deixa uma lacuna de sociedade, um teste de sociedade que é muito gravoso. É preciso compreender que os indivíduos não podem se valer desses argumentos, de que a estrutura é muito maior, então ele não pode se valer disso para se eximir da sua obrigação enquanto pessoa”, explica Vieira.
Exemplos de racismo estrutural
De acordo com o Atlas da Violência, publicado anualmente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2021, 77,6% das vítimas de homicídio doloso e 84,1% das vítimas de mortes decorrentes de intervenções policiais eram negras. Na Bahia, a cada 100 mil homicídios por habitantes, 55,7% foram de pessoas negras.
Tomando por base os dados da última década, vemos que a redução dos homicídios está mais concentrada entre os não negros do que entre os negros. Considerando a tese do racismo estrutural, temos evidência de que há um grupo racialmente identificado sendo vitimizado de forma sistemática”, informa a publicação.
Uma pesquisa realizada por pesquisadores da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), do e do Movimento Negro , intitulado “A implementação da Lei nº 12.990/2014: um cenário devastador de fraudes”, revelou que das 46.300 vagas abertas em concursos públicos na última década, 9.996 não foram reservadas e nem preenchidas por candidatos negros, previsto na Lei de Cotas Raciais.
Essa retirada da possibilidade de individualidade das pessoas e essa lógica de reprodução de estereótipos de colocar pessoas negras numa mesma caixinha de criminosas e de subalternas é muito perverso enquanto práticas de racismo estrutural”, pontua Vieira.
Legislações anti-racismo
No Brasil, a primeira lei brasileira de combate ao racismo foi promulgada em 1951, pelo presidente Getúlio Vargas. Conhecida como Lei Afonso Arinos (Lei n. 1.390/51), o dispositivo reconhece a existência do racismo no Brasil.
Constitui contravenção penal, punida nos termos desta Lei, a recusa, por parte de estabelecimento comercial ou de ensino de qualquer natureza, de hospedar, servir, atender ou receber cliente, comprador ou aluno, por preconceito de raça ou de cor”, dispõe o artigo primeiro da lei.
Inicialmente previsto apenas como contravenção penal, em 1989 a Lei n.7.716/89 passou a tratar a prática como crime inafiançável.
Em 2010, foi sancionada a lei que prevê o Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 12.288/10), estabelecendo os conceitos de discriminação racial, desigualdade racial, de gênero e raça.
A discriminação racial é entendida, pela lei, como “toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada”.
Já a desigualdade racial é “toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica”.
Em 2012, foi sancionada a Lei n. 12.711/12, conhecida como Lei de Cotas, que reserva no mínimo 50% das vagas em universidades e institutos federais para estudantes que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas.
Já em janeiro de 2023, a Lei n. 14.532/23 equiparou a injúria racial ao crime de racismo, aumentando a pena prevista em lei. No mesmo ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ampliou o sistema de cotas no ensino federal, com a Lei n. 14.723/23.
Políticas públicas para promoção da igualdade racial
Além das legislações, o governo brasileiro promove a igualdade racial através da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Sob o comando do Ministério da Igualdade Racial, o órgão executa políticas públicas para a promoção da igualdade racial e o combate ao racismo.
Quando falamos de um problema estrutural, a medida em que você continua reproduzindo o que você reproduz, o mínimo a se fazer numa lógica propositiva, colaborativa e que constrói uma sociedade é buscar medidas eficazes, efetivas que, de fato, diminuam a incidência disso enquanto sujeito, para que você não pratique novamente, mas que também combata essa lógica”, explica Vieira.
Obras da cultura pop para entender um pouco sobre a luta pela igualdade racial
Atlanta (2016 - 2022)
A cidade de Atlanta, capital do estado da Georgia, nos Estados Unidos, é conhecida historicamente por lidar com brigas de gangues, pobreza e alta criminalidade. A série conta a história de Earn (Donald Glover), um jovem que abandonou a faculdade três anos atrás, e que se encontra vendendo cartões de créditos no aeroporto da cidade. Inserindo os personagens em contextos racistas, a trama demonstra como as situações se dão no cotidiano, e como a população negra tem que lutar diariamente para existir.
Disponível na Netflix e no Star
Pequenos Incêndios por Toda a Parte - Celeste Ng
O livro de Celeste Ng, que foi adaptado em uma série homônima produzida pela Hulu e disponível no catálogo do Amazon Prime Video, é um drama que discute questões raciais e aborda a condescendência com que brancos de classe alta tratam pessoas de outras classes sociais e minorias étnicas, como os negros.
Livro : Editora Intrínseca - 416 páginas
Série: Disponível no Amazon Prime Video
Racismo Estrutural - Silvio Almeida
Livro que popularizou a expressão no cenário brasileiro, a obra apresenta como raça e racismo se conectam com os elementos que configuram a estrutura social. O racismo não é um ato, não é um evento, mas um processo, constituindo uma complexidade de ações, ou omissões, de atos de fato, que têm como consequência, e resultado fundamental, a criação da raça.
Livro : Editora Jandaíra - 256 páginas
Pequeno Manual Antirracista - Djamila Ribeiro
No livro, a filósofa Djamila Ribeiro aborda temas como racismo estrutural, negritude, branquitude, cultura, violência racial, desejos e afetos ao longo dos dez capítulos que compõem a obra, propondo caminhos para reflexão ao expor que o racismo está arraigado na sociedade.
Para além de se entender como privilegiado, o branco deve ter atitudes antirracistas. Não se trata de se sentir culpado por ser branco: a questão é se responsabilizar. Diferente da culpa, que leva à inércia, a responsabilidade leva à ação”, escreve Ribeiro em sua obra.
Livro : Editora Companhia das Letras - 136 páginas
Medida Provisória (2020)
Dirigido por Lázaro Ramos, o filme conta a história de um governo brasileiro que busca reparar o passado escravocrata do país, aprovando uma medida em que os cidadãos negros que vivem no Brasil são obrigados a se mudarem para o continente africano, com a intenção de retornarem às suas origens.
Disponível no Globoplay
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