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O síndico Atlas

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Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 20/04/2021, às 08h00   Tiago Almeida Alves


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O mundo ocidental tem sotaque grego. Explico. Por maior que seja a evolução da tecnologia, das relações interpessoais, dos conflitos e dos modos de resolvê-los, a essência dos institutos presentes no Ocidente moderno ainda se inspira na filosofia, na visão de mundo e nas histórias clássicas da civilização greco-romana.

Dentro dessa cultura há uma alegoria interessante. Conta a mitologia a estória de Atlas, a figura de uma divindade que, após uma batalha perdida, foi condenado a suportar os céus em seus ombros pela eternidade. Sem descanso, dia após dia, Atlas era incumbido de impedir a ocorrência do pior: que o peso do céu desabasse sobre a terra, destruindo tudo o que nela havia.

A sua força divina, portanto, era limitada a sustentar um único fardo sozinho, sem auxílio e sem perspectiva de fazer outros ofícios.

Ora, a moral do mito não é muito distante da realidade de muitos condomínios em tempos modernos. As estruturas de convivência de condomínios evoluíram bastante ao longo do tempo – e com elas, seus desafios também aumentaram. Mesmo naqueles condomínios que não aparentam ser portentosos complexos de lazer, variadas são as demandas.

Dos equipamentos de lazer às obras, dos regramentos de acesso por terceiros ao aluguel de lojas, vê-se que gerir um condomínio pode ser uma tarefa hercúlea. O ato de morar e conviver (ou de exercer comércio em um condomínio empresarial) muitas vezes é apenas um acessório.

É nesse contexto em que se verifica, na prática, muitos síndicos exaustos em suas atividades de gestão condominial, limitados pela falta de tempo e de conhecimento em assuntos cada vez mais complexos. O síndico que precisa entender de engenharia é o mesmo que media conflitos entre vizinhos. Esse mesmo administrador que busca equalizar as contas da comunidade também precisa saber dos estatutos jurídicos.

Exaustão. E a pandemia acentuou ainda mais problemas nesse sentido, deixando os gestores da convivência em uma verdadeira odisseia. Um verdadeiro cansaço pela sensação de “tomar conta do mundo”, na lavra de Clarice Lispector em Água Viva. E os céus pesam sobre seus ombros.

Ainda que o firmamento pese em desespero, há de se lembrar de toda a estória no mito. Certa feita, Hércules visitou Atlas, pedindo o seu auxílio para cumprir um de seus Doze trabalhos. Em troca, sustentou os céus no lugar do responsável e ainda construiu pilares para sustentar o firmamento, liberando Atlas de carregar sozinho o mundo em suas costas.

Partindo-se dessa mesma alegoria, é possível ver na lei e na prática algumas colunas às quais o síndico e o condomínio podem se apoiar para manter os céus (ou a gestão, como queira) no lugar.

O primeiro pilar é o substituto direto do gestor maior: o sub-síndico. Embora não obrigatório, o cargo de sub-síndico demonstra a natureza auxiliar na condução dos trabalhos de gestão condominial, podendo inclusive substituir o síndico em eventuais ausências, como férias, afastamentos de saúde ou substituições de última hora. Na prática, ter uma figura que passa pelos mesmos dilemas e está na gestão auxilia o síndico na tomada de sua decisão.

Outros dois pilares são os Conselhos Fiscal e Consultivo. Sendo facultativos, esses órgãos colegiados prestam importante papel na gestão. De modo respectivo, seja em fiscalizar e dar parecer sobre as contas da gestão (e assim conferindo integridade na administração financeira), seja em assessorar o gestor na solução de problemas práticos, tais órgãos são essenciais para uma gestão prática e efetiva.

Ainda há que se falar o seguinte: de modo parcial ou total, o síndico pode transferir as funções administrativas ou os poderes de representação a outro ente através da aprovação de assembleia. Nasce, portanto, o pilar das administradoras profissionais. Sejam por pessoa física ou jurídica, a atuação do administrador de condomínios serve em muito para dar efetivo cumprimento aos rumos do síndico, com profissionais especializados.

Por último, e não menos importante, há um pilar que sustenta o condomínio na redução de danos: a assessoria jurídica. Muito mais do que cobrar boletos atrasados no Poder Judiciário, o trabalho de aconselhamento jurídico auxilia o síndico na tomada de decisões, evitando-se quando possível a criação de danos por infrações jurídicas.

O síndico não precisa ser contador, jurista, engenheiro, paisagista e nem mesmo o mais conceituado dos gestores para ser um bom administrador do condomínio. Uma pessoa pautada na ética do cargo que decide dividir as cargas consegue sustentar os céus de uma comunidade de dezenas ou até centenas de famílias. E ainda dorme sossegado com a sua, no fim do dia.

Para finalizar, uma ressalva: apesar de Atlas ter retirado as cargas de seus ombros no mito grego, continuou responsável por guardar os pilares que sustentavam os céus. Qualquer tremor no firmamento ainda era de sua responsabilidade. Que os síndicos possam ter o mesmo pensamento – não pela eternidade, mas até o fim de suas gestões.

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Em tempo: O Superior Tribunal de Justiça havia pautado o recurso especial do “Caso AirBnB” na terça passada e adiou o julgamento para hoje (20/04/2021), na sessão às 10h. O resultado pode permitir ou proibir a locação de imóveis residenciais por aplicativos, caso haja disposição nesse sentido pela convenção do condomínio. 
Falamos sobre o assunto aqui. A ver.


Tiago Almeida Alves é colunista do BNews, advogado formado pela UFBA, pós-graduado em Direito Imobiliário, Urbanístico, Registral e Notarial pela UNISC-RS.

Classificação Indicativa: Livre

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