Política

O surgimento do PSD e a volta do troca-troca partidário

Publicado em 28/03/2011, às 09h47   Jaime Barreiros Neto*


FacebookTwitterWhatsApp

Os bastidores da política nacional viveram momentos de intensa movimentação na última semana com o anúncio, em Salvador, do lançamento, sob a liderança do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, de um novo partido político, o Partido Social Democrático (PSD), o qual resgata o nome e a sigla de histórica agremiação partidária, atuante durante a vigência da Constituição Federal de 1946, que teve como principal expoente o ex-presidente da república, Juscelino Kubitschek.

Por trás, no entanto, desta grande novidade, apontada, por muitos, como uma importante alternativa para o aprimoramento da democracia brasileira, esconde-se uma importante questão, objeto de grande debate nos últimos anos, ameaçadora da própria legitimidade do processo democrático: a abertura de janelas para a prática do nocivo troca-troca partidário, mais conhecido como infidelidade partidária.

É sabido que a Constituição Federal de 1988 impõe, como condição de elegibilidade, a prévia filiação a partido político de caráter nacional, assim reconhecido pela legislação eleitoral em vigor, do postulante a um cargo eletivo. Tal imposição constitucional deriva do reconhecimento, fundamentado na maior parte do mundo desde o século XIX, de que os partidos políticos se constituem em fundamentais personagens do jogo democrático, ao organizar a sociedade em torno de idéias e projetos, os quais deverão, periodicamente, ser submetidos ao julgamento popular. Não é por outro motivo que a Lei Maior do nosso país prevê a exigência de filiação partidária como requisito para o deferimento de candidaturas, vedando a chamada “candidatura avulsa”, apartidária.

Contrariamente aos objetivos democráticos estampados na Constituição de 1988, no entanto, historicamente o Poder Judiciário brasileiro, até o ano de 2007, admitia livremente a possibilidade de troca de partidos por parte de políticos eleitos pelo povo para representá-lo, fato que deturpava o próprio sentido de representação política, consubstanciada na representação partidária e não na simples defesa de interesses pessoais. É de se ressaltar que, de acordo com o nosso ordenamento jurídico, o eleitor, ao votar em um candidato em uma eleição, elege também o programa partidário que este mesmo candidato representa, fato que, por si só, deve caracterizar o impedimento da nociva prática do troca-troca.

A partir da Resolução TSE nº. 22.610/07 e do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), dos Mandados de Segurança nos22.602, 22.603 e 22.604, o Poder Judiciário brasileiro parecia ter resolvido o problema de legitimidade que atingia o nosso processo político, gerado pelos altos índices de infidelidade partidária praticados por nossos representantes. Digo parecia porque, na prática, as decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do STF, supracitadas, terminaram por permitir a abertura de “janelas de infidelidade”, tão ou mais nocivas que as práticas anteriormente observadas.

Neste sentido, a referida resolução do TSE permitiu a “debandada” de titulares de mandatos eletivos de seus partidos com o aparentemente inofensivo intuito de criação de novas legendas, fato que, em tese, estaria condizente com o propósito de abertura do debate democrático. Na realidade, no entanto, a possibilidade de abandono de um partido político para a criação de um outro, aberta pelo TSE, deslegitima a democracia, uma vez que a soberania do eleitor resta deturpada no momento em que seu voto, direcionado a determinado partido político, defensor de determinada postura em face do governo e das instituições da república, possibilita a eleição de determinado candidato que, após eleito, resolve “fundar”, uma nova legenda, aderindo, muitas vezes, a projetos políticos contrários àqueles defendidos pelo seu eleitor no momento do exercício do sufrágio.

Sob a capa do novo PSD, invariavelmente, abrigar-se-ão políticos oriundos de partidos dos mais diversos matizes ideológicos, que, pelos mais variados motivos, inclusive de ordem pessoal, não mais se sentem “à vontade” para continuar nas suas respectivas legendas partidárias. O famoso “troca-troca”, para muitos sepultado, renasce, assim, com força total, fragilizando o mesmo sistema partidário que os fundadores da nova sigla alegam querer fortalecer.

Urge, dessa forma, uma verdadeira reforma política que, ao contrário daquela que se desenha, venha a, de fato, valorizar a vontade soberana do eleitor, desencorajando o fisiologismo e a defesa desenfreada de interesses pessoais. A fundação de novas legendas partidárias, representando novas idéias e projetos, é importante para a oxigenação do processo político, mas não pode servir de substrato para a prática de atitudes nocivas a este mesmo processo. Cabe a cada um de nós, assim, lembrar das lições de Bertold Brecht, que, com muita acuidade, afirmou que o pior analfabeto é o analfabeto é o analfabeto político, não permitindo que o conformismo e a acomodação superem a necessidade de agirmos politicamente, em prol de um processo democrático mais legítimo e transparente. Afinal, como bem ensinou Abraham Lincoln, a democracia nada mais é do que o governo do povo, pelo povo e para o povo.

Mestre em Direito Público pela Ufba., professor da Ufba., da Faculdade Baiana de Direito e da UCSal

Classificação Indicativa: Livre

FacebookTwitterWhatsApp