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Um morador emparedado

Arquivo Pessoal
Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 04/05/2021, às 08h00   Tiago Almeida Alves


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Um espaço em comum, vários moradores, brigas e polêmicas na vida comunitária, a escolha de um(a) líder por um período de tempo e uma dinâmica de escolhas baseadas em votação. As semelhanças entre a rotina de um condomínio e de um dos programas mais assistidos da televisão brasileira são muitas. É a arte imitando a vida - e vice-versa.

É fato que a vida em espaços compartilhados tem os seus dilemas. A vigésima primeira edição do programa da TV que se encerra hoje dá mostras disso - até para quem não assistiu um único episódio, como o colunista que vos fala. Seja em um condomínio ou na dita casa mais vigiada do país, conviver em comunidade é regular as diferenças.

As regras do jogo em um condomínio servem para garantir o sossego, a harmonia e a segurança dos moradores. Violar tais regras – geralmente encontradas na convenção, no regimento interno e na lei – pode gerar penalidade. De um condicionador de ar mal instalado à festa de madrugada, toda regra de um condomínio deve ser pensada no bem-estar da comunidade, sem exageros. Não faz sentido, portanto, uma regra que proíba toda e qualquer roupa de banho na piscina, em nome dos bons costumes, por exemplo.

Mas... o que o condomínio deve fazer quando um(a) morador(a) toca “fogo no parquinho” – não literalmente, esperamos – além da conta?

Aqui começam as diferenças entre a vida e o jogo.

O primeiro ponto a se considerar é o motivo. À liderança – ou à gestão, como queira – não é dado o papel de inventar regras na vida comunitária. No condomínio, esse papel é da assembleia, que modificará a sua convenção ou regimento interno de acordo com os procedimentos legais. Cabe a quem é síndico(a), portanto, aplicar o que já existe, e não impor punições por mera “afinidade”.

Outro ponto é o aviso prévio. Não há margem para votação surpresa. É relevante que o condomínio indique a violação à unidade do imóvel através de notificação por escrito, com indicação clara do que ocorreu, bem como das eventuais punições que venham a surgir. Tal documento é importante para evitar controvérsias – leia-se, Poder Judiciário – numa futura aplicação de punição.

Em regra geral, quando o regimento interno é bem-organizado, o procedimento é simples. Na violação a regra, notifica-se o(a) morador(a) para defesa, com prazo devido. Constatando-se o erro, aplica-se multa prevista no regimento ou convenção. Se o(a) morador(a) persiste em violar, a assembleia geral pode impor multa de até cinco vezes o valor da cota mensal. E pode chegar a dez vezes, caso o(a) morador(a) ainda assim continue a cometer as práticas antissociais.

Diferente da casa do BBB, o condomínio geralmente é constituído por proprietários e proprietárias que decidiram por estar naquele espaço – e que os vizinhos serão obrigados a conviver enquanto quiserem morar no mesmo lugar. Nesse ponto, muitos moradores antissociais se blindam na cultura baseada no dito popular: “os incomodados que se mudem”.

Mas até que ponto?

Se o reality show e a vida em condomínio tem suas diferenças, há um ponto em comum pouco conhecido: o paredão. Através de procedimento adequado, e por conta de circunstâncias extremas – como a hipótese de as punições financeiras não modificarem a conduta –, o(a) condômino(a) antissocial pode ser eliminado do condomínio em que é proprietário(a).

O tema ainda é controverso. A falta de previsão da lei faz parte dos especialistas em direito imobiliário entenderem que tal possibilidade se demonstre ilegal. De outro lado, existem julgados do Poder Judiciário que interpretam o direito a permitir essa hipótese, em razão da chamada “função social da propriedade”, que deve ser respeitada por todos os moradores.

Até a uniformização da jurisprudência nos Tribunais Superiores, ainda haverá um sem-fim de decisões judiciais de lado a lado, alimentando ainda mais a controvérsia.

De todo modo, exige-se de um condomínio cautela ao aplicar as penalidades aos condôminos. A adequada confecção da convenção e do regimento interno – escrita de modo ao qual o morador entenda, afinal a função desses documentos não é restrita a advogados(as) –, bem como a efetiva divulgação das regras em cópias digitais, cartilhas, cartazes, vídeos e outros instrumentos, em muito auxilia a condução de um condomínio harmônico.

Há moradores que infringem as regras alegando desconhecer a norma. Não é justificável. Normas de conduta em linguagem que impeça a boa leitura, entretanto, também não se justificam.  É necessário que os condomínios simplifiquem os seus próprios estatutos, na medida em que seja possível fazer “a lei pegar”, como se diz na linguagem popular.

O reality show mais comentado do país se encerra hoje. Os aparelhos de TV serão desligados e a próxima edição será no ano que vem, provavelmente. Fora das telinhas, há em diversos condomínios as mais variadas polêmicas a se resolver, monstros a se enfrentar, líderes a se escolher, numa rotina cuja edição nunca pausa.

Para inspirar a cada um desses moradores, vale o clichê do refrão: “se querer é poder, tem que ir até o final, se quiser vencer”.

Bom jogo.

Tiago Almeida Alves é colunista do BNews, advogado formado pela UFBA, pós-graduado em Direito Imobiliário, Urbanístico, Registral e Notarial pela UNISC-RS.

Classificação Indicativa: Livre

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