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A necessidade de um olhar restaurativo nos conflitos escolares

Imagem A necessidade de um olhar restaurativo nos conflitos escolares
Bnews - Divulgação

Publicado em 25/11/2021, às 14h07   Murilo Vilas Boas


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Recentemente, a mídia noticiou a ocorrência, em Salvador, de duas situações conflituosas relacionadas ao ambiente escolar. O primeiro ocorrido em uma escola pública e outro em uma escola privada, chamando atenção de toda a sociedade.

Faço, de logo, questão de ressaltar que o objetivo não é tecer comentários acerca dos casos tão amplamente comentados mas, especificamente, ultrapassar as fronteiras do julgamento e da censura, para abrir um espaço que nos permita fazer uma reflexão sobre a importância, ou até necessidade, da “Mediação de Conflitos", da “Comunicação Não Violenta (CNV)" e da "Justiça Restaurativa" nos ambientes
educacionais.

Das escolas às universidades, o ser humano, ao se relacionar na vida cotidiana, acaba, involuntariamente ou não, criando laços e vínculos que ultrapassam a relação acadêmica ou profissional, podendo constituir ligações tão fortes quanto as relações familiares. Não é à toa que muitas pessoas se referem a sua escola ou a sua universidade como sendo uma “segunda casa", estabelecendo um elo tão vigoroso que, mesmo quando passam a não conviver, continuam nutrindo afeto por toda a vida.

Já que é comum nos depararmos com conflitos no trabalho, na família, com os nossos amigos e até com desconhecidos, variando desde diferenças de opinião a divergências decorrentes de questões emocionais e sociais, por que na escola ou na universidade seria diferente?

Para a moderna teoria do conflito, ainda que exercitemos fortemente a prevenção, criando um ambiente seguro de interação, desenvolvendo habilidades comunicativas e estimulando a empatia, não estamos imunes ao surgimento dele, afinal, o conflito em sua face construtiva permite que saiamos mais preparados para lidar com as situações da vida.  Porém, a sua face destrutiva pode minar relacionamentos e criar um ambiente não saudável para todas as pessoas, inclusive para aquelas que não são diretamente envolvidas.

Quanto mais precoce for a intervenção eficaz sobre um conflito instalado, maior será seu efeito transformador. A Justiça Restaurativa, por exemplo, com suas finalidades de responsabilização e reparação dos danos causados (materiais ou imateriais) e de restauração das relações na comunidade afetada, tem seu lugar de excelência na escola e na universidade, comunidades nas quais as pessoas pertencem ou deveriam, idealmente, pertencer.

Os autores costumam definir à Justiça Restaurativa como prática voluntária, que tem o propósito de satisfazer as pessoas afetadas por um dano, seus responsáveis, e as respectivas comunidades de apoio. Por meio do diálogo, auxiliados por um facilitador,
busca transformar situações conflitivas em relações de cooperação e construção, tendo como propósito a restauração de toda comunidade afetada.

A adoção da Justiça Restaurativa nos espaços educacionais tem o objetivo de inserir, na nossa sociedade, mais uma metodologia comprometida com a educação cidadã. Ela desenvolve a alteridade e possibilita a formação de sujeitos autônomos, capazes de
assumirem responsabilidades, além de nos tornar aptos a restaurar os danos eventualmente produzidos.

Tendo fundamento nas experiências humanas milenares vivenciadas em vários países, os procedimentos restaurativos não se caracterizam pela forma, mas por seus valores e princípios. Depois da família, a escola é a grande instituição comunitária da nossa sociedade. Por isso, é essencial adotarmos processos restaurativos nas instituições de ensino para o fortalecimento de toda a comunidade, tornando-a cooperativa e igualitária. 

Além disso, os procedimentos restaurativos conduzidos dentro da escola, pela escola e para a escola, promovem segurança, inclusão, pertencimento e acolhimento, mediante o reconhecimento, respeito e tolerância das diferenças e necessidades individuais.

Num conflito mal vivenciado e mal conduzido ninguém ganha, saem perdendo os contendores e toda a comunidade. Já não é hora de repensarmos como lidamos os conflitos que estamos envolvidos?

* Murilo Vilas Boas é especializado em manejo de conflitos e pesquisador no Observatório da Pacificação Social / UFBA. @murilovilas

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