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A Uberização das relações de trabalho

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Juiz reconheceu vínculo trabalhista entre motorista e APP de transporte   |   Bnews - Divulgação Reprodução

Publicado em 30/08/2021, às 17h50   Danilo Oliveira Costa*


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O avanço tecnológico e o desenvolvimento do mercado mundial de aplicativos e plataformas digitais propiciaram o surgimento de uma alternativa às formas clássicas das relações de trabalho.

As empresas de tecnologia, por meio de aplicativos, a exemplo da Uber, realizam a mediação entre os clientes e os prestadores de serviços. Estes são considerados meros “parceiros”, os quais não passam por entrevistas de emprego, bastando preencher requisitos estabelecidos pelas plataformas, e nem possuem a carteira de trabalho assinada, inexistindo, assim, qualquer vínculo empregatício.

Por outro lado, esta nova forma de prestação de serviços traz a falsa percepção da possibilidade de se tornar autônomo, empreendedor, estabelecer os seus próprios horários de trabalho e receber retorno financeiro imediato, o que se torna cada vez mais atraente, e vem aumentando exponencialmente, em razão do aumento do índice de desemprego, no Brasil.

Diante deste cenário, verifica-se a chamada uberização das relações trabalhistas, que pode ser traduzida na precariedade do trabalho, considerando que sua principal característica é a ausência de qualquer responsabilidade das plataformas em relação aos “parceiros cadastrados”. 

Os motoristas de aplicativos não são empregados da empresa, nem dos restaurantes, tampouco dos clientes. A ausência de relação de trabalho formalizada, inevitavelmente, resulta na perda de direitos e garantias trabalhistas.

Isto porque estes trabalhadores, enquanto “autônomos”, dependem da quantidade de entregas/viagens realizadas para garantir uma renda mínima à sua sobrevivência, sendo que os valores a eles repassados são bem baixos. Vale ressaltar, ainda, que precisam arcar com as despesas de celular, internet, combustível, reparos, desgastes do veículo, tributos, seguros além da assunção da responsabilidade por danos causados a terceiros.

Desta maneira, muitas vezes, acabam por realizar jornadas que extrapolam 8 horas diárias, sem receber a mais por isso, além de não desfrutarem de alimentação adequada ou descanso intrajornada, sendo, portanto, algo prejudicial à sua saúde.

Além disso, os motoristas de aplicativo também estão, a todo momento, submetidos à pressão psicológica das avaliações dos clientes, provocando estresse e ansiedade, já que, para continuarem cadastrados na plataforma, precisam manter a nota mínima de 4,6 pontos, numa escala de 1 a 5 estrelas.

Assim, a exploração da mão de obra, a oscilação de renda, o trabalho em excesso e a insegurança trazida por este modelo de trabalho podem resultar em diversas consequências, a exemplo de doenças laborais, como lesão por esforço repetitivo (LER), e acidentes de trânsito.

Ante o exposto, resta evidente que esta prática de trabalho pode causar efeitos danosos ao trabalhador, ao passo em que não há nenhuma fiscalização ou regramento legal específico, mostrando-se necessária sua regulamentação para que sejam assegurados o direito à saúde, segurança e vida.

Nesta linha de intelecção, os tribunais exercem papel fundamental, surgindo, assim, decisões jurisprudenciais favoráveis ao reconhecimento do vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo e a plataforma.

Exemplo disso ocorreu na 6ª Vara do Trabalho de Salvador, em que o juiz substituto, Danilo Gonçalves Gaspar, fundando-se na teoria da subordinação uberizada, decidiu pela condenação da empresa ao pagamento das verbas rescisórias e indenização por danos morais ao trabalhador.

Esta teoria, por sua vez, traduz-se na forma de subordinação do trabalho às empresas de aplicativo, através dos algoritmos que a possibilitam o controle do tempo, lugar e modo de desenvolvimento da atividade.

O magistrado entendeu que “o modelo de negócio da Uber não é um modelo de negócio que oferece aos cidadãos serviços/produtos de tecnologia, afinal, conforme já destacado, a tecnologia, no modelo de negócio em questão, não é ‘FIM’, mas ‘MEIO’, instrumento para que o verdadeiro objeto da uber (transporte/entrega de passageiros ou coisas) seja realizado”.

Aludiu, portanto, à teoria da subordinação uberizada, que se caracteriza por uma “nova forma de exploração do trabalho humano, típica da era digital, que tem na tecnologia não o fim, mas sim o meio para que se possa, a partir do trabalho humano, realizar seu modelo de negócio”.

Elucidou ainda que “a relação é clara, simples, chegando a ser óbvia: da mesma maneira que um consumidor contrata, junto a uma operadora de telefonia, um serviço de internet e a operadora de telefonia, por meio de seus profissionais, entrega ao consumidor o serviço contratado, o consumidor contrata, junto à Uber, um serviço de entrega/transporte (de pessoas ou coisas) e a Uber, por meio de seus profissionais, entrega ao consumidor o serviço contratado”.
Desta maneira, tendo concluído pela existência da relação de trabalho, em sentido amplo, entre a Uber (tomadora de serviços) e os motoristas cadastrados (prestadores de serviços), o juiz Danilo Gaspar condenou a empresa ao reconhecimento do vínculo empregatício.

Danilo Oliveira Costa, advogado, inscrito na OAB/BA sob o número 19.309, Presidente da Comissão de Trânsito da OAB/BA, pós graduado em direito do trânsito pela Faculdade Batista da Bahia, pós graduado em Direito do Trabalho pela UFBA, pós graduado em Direito Empresarial pelo Damasio de Jesus, pai e esposo.

Classificação Indicativa: Livre

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