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Brasil: destruição ou potência ambiental do século XXI

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Bnews - Divulgação

Publicado em 12/12/2021, às 11h20   Penildon Silva Filho


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Ao menos 30 cidades baianas declararam situação de emergência em razão das fortes chuvas e de um ciclone extratropical formado na costa Sul do Brasil. Itamaraju e Jucuruçu são os municípios da região mais afetados. Intensas tempestades com precipitações superiores a 450 mm nas cidades do sul da Bahia e esse ciclone podem ser considerados como fenômenos e eventos de clima extremos, como vários outros fenômenos que vem ocorrendo no Brasil, e em todo o mundo, como consequência do aquecimento global e da emergência climática.

Não há mais espaço para o negacionismo do governo federal atual, contra a Ciência, os diversos estudos de órgãos de pesquisa no Brasil e o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. A década de 2010 a 2019 foi a mais quente já registrada na história, e o ano de 2020 bateu recordes de temperatura e experimentou também eventos extremos. Houve a maior estiagem em décadas no Pantanal e no Centro-Sul em 2021. Estamos no momento com grande probabilidade de racionamento de água e energia, além dos custos maiores com energia elétrica, devido ao esvaziamento dos reservatórios das hidrelétricas e acionamento das termelétricas, que aumentam as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e aceleram o efeito estufa, que está na causa de todo esse problema. Vivemos recordes históricos de calor registrados em janeiro, maio e setembro de 2021 e ocorreram enchentes recordes no Acre e inundações em São Paulo e Minas Gerais. A ocorrência de um ciclone-bomba e tornados em Santa Catarina ao lado do desastre ambiental e humanitário na Bahia nos dias presentes são fenômenos que não ocorriam antes e devem servir para sensibilizar e mobilizar a sociedade no sentido de se criar um projeto de desenvolvimento alternativo e sustentável. Esses problemas são resultado da ação do ser humano e podem ser corrigidos da mesma maneira.

O Brasil pode sair da situação de desastres e mortes por ser um ator passivo de um desenvolvimento predatório e excludente e se tornar uma potência ambiental no século XXI. Reunimos as condições necessárias e suficientes para transformarmos o nosso patrimônio natural, da sócio biodiversidade, das energias limpas e tecnologias de produção de alimentos com baixa emissão de carbono em uma alternativa vigorosa de crescimento econômico de boa qualidade e com redistribuição de renda.

O sistema econômico predatório da natureza se conjuga com desigualdade social. Os grandes bolsões de miséria e exclusão na Amazônia coincidem com as áreas de desmatamento e ocupação predatória pela mineração e agronegócio. Em outro bioma distinto do amazônico, uma pesquisa feita pela Universidade Federal do ABC em São Paulo, em parceria com outras universidades e instituições, sobre os indicadores de desenvolvimento humano (IDH) na região do “MATOPIBA”, área de expansão do agronegócio no Cerrado da Bahia, Piauí, Maranhão e Tocantins, indicam que a expansão dessas atividades podem gerar aumento do PIB e da exportação, mas não se revertem em melhorias das condições de vida na maioria dos municípios (veja aqui).

Essa é a ideia principal quando se defende o conceito de “Brasil: potência ambiental”, é possível ter estratégias de crescimento sustentável e que gerem a riqueza para todos, que o atual modelo não propicia. Não é verdade que a única forma de desenvolver a economia, criar empregos, gerar renda e tirar as pessoas da exclusão social é suportando danos irremediáveis ao meio ambiente, ou que esse é um custo a ser pago necessariamente. Nas regiões de produção predatória do agronegócio, da garimpagem clandestina e legal e da pecuária extensiva, os índices sociais não crescem, a riqueza se concentra em poucos e geralmente não fica na região. Um bom exemplo tem sido a invasão da Amazônia durante o governo Bolsonaro, especialmente de terras indígenas, por exércitos de garimpeiros com centenas de retroescavadeiras e motores de dragagem, com um custo que com certeza tem por trás o grande capital que está no centro sul do Brasil, pois esse maquinário não poderia ser pago por pequenos trabalhadores do garimpo.

O processo de produção nos biomas Amazônico, do Cerrado, do Pantanal, da Mata Atlântica e da Caatinga, feito de forma predatória, tem gerado mais exclusão e destruição e não tem sustentabilidade, não se sustenta com o tempo, esgota os recursos naturais e está levando à mudança brusca do regime de chuvas no país, e provocará a interrupção dessa mesma atividade econômica. Com a redução das chuvas já em curso, pode haver a savanização da Amazônia, que deixará de bombear 20 bilhões de litros de água pelos seus “rios voadores” para que a região centro sul do Brasil tenha chuvas que alimentam os reservatórios das hidrelétricas, viabilizam a produção agropecuária e para consumo humano. A atual bandeira vermelha nas contas de luz em todo o Brasil, o risco e a realidade de racionamento de água e os prejuízos provocados pelos desastres ambientais, que atingiram 330 bilhões de reais na última década, indicam que o custo de manter a situação atual é muito superior ao custo de criar uma outra dinâmica.

Dá menos prejuízo parar de desmatar a Amazônia, destruir o Cerrado e usar agrotóxicos em atividades predatórias. E a atividade econômica de explorar madeira de forma insustentável, criar gado com baixo rentabilidade por ser de forma extensiva e o garimpo predatório deve se esgotar em pouco tempo. Por outro lado, existem alternativas que podem gerar mais desenvolvimento, renda e emprego, como por exemplo a produção de Açaí no Nordeste do Pará, feita dentro da floresta, de forma sustentável com uma economia circular e com cooperativas de trabalhadores. Muitas experiências de Agricultura de Baixo Carbono (ABC), resultado da Política Nacional do Clima e da Política de Baixo Carbono dos governos Lula e Dilma, têm sido apoiadas pela Embrapa, empresa estatal brasileira. O Brasil pode começar a produzir mais, com menos destruição dos biomas, usando tecnologia, e priorizando a agroecologia familiar e cooperativa no financiamento público, em vez do agronegócio do grande capital.

Deve-se ter como prioridade o “desmatamento zero” e uma política de reflorestamento, que pode gerar muitos empregos nas regiões destruídas em todo o Brasil. Esse reflorestamento pode conseguir restituir 20% da Amazônia desmatada e assim regularizar o ciclo de chuvas no centro sul do país. Por outro lado, para o Brasil conseguir cumprir os compromissos assumidos na COP de Paris de 2015, de redução dos GEE, o melhor caminho será esse, pois a maior parte da emissão de carbono não é pelos carros das cidades ou das indústrias, mas pelo desmatamento e pela forma como o agronegócio hoje funciona, que libera muito carbono na atmosfera. A China teve uma experiência de reflorestamento que também gerou muitos empregos e renda para sua população rural. A produção de açaí citada anteriormente tem uma rentabilidade cinco vezes maior que a plantação de soja e dez vezes maior que a pecuária extensiva.
Manter os biomas/as florestas em pé são uma oportunidade de pesquisa e desenvolvimento de produtos no campo da biotecnologia, da genética e da farmacologia, traduzindo a Amazônia principalmente, ao lado das outras regiões e biomas, em oportunidade de produção econômica de alto valor agregado. E o Brasil pode voltar a ter uma política de Ciência e Tecnologia, hoje extinta pelo governo Bolsonaro, que priorize essas pesquisas nesses campos. Isso dará muito mais dividendos do que apenas exportar commodities de baixo valor agregado que mantém o Brasil numa situação de não soberania econômica e tecnológica.

A questão ambiental também é uma oportunidade de geração de emprego e renda de forma massiva nas cidades, que concentram 70% da população brasileira. A maior parte da população no Brasil ainda não tem esgotamento sanitário no seu saneamento básico, sendo uma questão ambiental de primeira hora, e a criação dessa infraestrutura é um imperativo para garantir a qualidade de vida de amplas camadas populares, ao mesmo tempo em que obras de infraestrutura empregam muito mais que outras atividades econômicas. As cidades brasileiras precisam não somente de saneamento, mas de uma ampla reforma urbana, uma política de mobilidade urbana e sustentável com transporte de massa e não poluente, e tudo isso é parte da transição ecológica que é necessária e gera trabalho, inclusão e desenvolvimento.
As dúvidas sobre como financiar essas intervenções podem ser sanadas com os estudos feitos por pesquisadores e associação de servidores da fazenda, que propõem uma reforma tributária que taxa progressivamente a renda, taxa os lucros e dividendos das empresas, como no resto do mundo, e fundamentalmente cobrará o débito de muitas empresas. Uma fiscalização mais eficaz sobre as atividades econômicas na sua relação com a Natureza e multas maiores podem reverter recursos para esse programa de “desenvolvimentismo ecológico”.

Essas medidas no âmbito nacional devem estar acompanhadas por uma concertação internacional que estabeleça metas e compromissos e impeçam o aumento da temperatura no planeta. Reverter a atual situação será obra de todas as nações, ou não funcionará. Os problemas contemporâneos da fome, da desigualdade, da lavagem internacional de dinheiro nos paraísos fiscais, da Saúde no combate às epidemias e outras doenças e da revolução tecnológica dependem de uma ação conjunta de todos os países, e nenhum estará incólume às consequências de como estamos vivendo no planeta.

Apesar da política negacionista do atual governo sobre clima e meio ambiente na cidade e no campo, de sua política externa desastrosa e já ridicularizada por todo o mundo, com grande isolamento, desprestígio e falta de credibilidade, uma ação internacional renovou os laços do Brasil no diálogo entre as nações. O presidente Lula, em viagem à Europa, foi recebido por chefes de Estado na Alemanha, França e Espanha, fez discursos em universidades e no parlamento europeu de Bruxelas a convite dos partidos social-democratas do bloco, e demonstrou que o Brasil ainda é depositário de esperanças, que podemos conversar com altivez e soberania junto às outras nações e estabelecer compromissos que serão cumpridos. Essa ação recolocou o Brasil, se não formalmente na política internacional de governo, no jogo político internacional e permitiu que o país pudesse renovar sua autoestima e demonstrar que a visão do atual governo não é uma unanimidade nacional, na verdade já se encontra muito minoritária. É possível construir um novo modelo de desenvolvimento econômico sustentável, com muito mais conforto e distribuição de renda, e exemplos podem ser seguidos, temos a tecnologia necessária, faltando agora uma nova orientação política. Antes que seja tarde.

Penildon Silva Filho
Professor da UFBA e doutor em Educação

Classificação Indicativa: Livre

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