Artigo
Publicado em 19/06/2025, às 13h59 - Atualizado às 19h46 Ana Patrícia Dantas Leão*
Nas últimas semanas fomos tomados por uma série de episódios envolvendo a maternidade e os “bebês reborns”. Não foram poucos os comentários negativos contra as “mães reborns”, ao mesmo tempo em que rapidamente os menos avisados se anteciparam em provocar respostas do Poder Judiciário, potencializando ainda mais o constrangimento dos episódios. Mas dessa experiência, parece-me necessária uma reflexão um pouco mais profunda e ampliada.
Esses bonecos hiper-realistas, que imitam a aparência e o peso de um verdadeiro recém-nascido vão muito além de meros brinquedos; eles se tornaram refúgio para muitas mulheres emocionalmente fragilizadas por dores suportadas e não curadas ao longo de toda uma vida. Um espaço de afeto seguro e sem o risco da dor da perda. Para muitas mulheres, esses bonecos são mais do que um hobby, são uma forma de encontrar propósito e conexão emocional. Para aqueles que enfrentaram perdas ou dificuldades de maternidade, esses bonecos oferecem um espaço seguro para expressar sentimentos que, de outra forma, poderiam permanecer ocultos.
As "mães" dos bebês reborn, ao experimentarem uma imaginária realidade de maternidade, desenvolvem laços genuínos de afeto e cuidado por esses objetos inanimados. Enquanto muitos podem apressar-se em rotulá-las como "loucas", é essencial considerar até que ponto todos nós estamos vulneráveis a desenvolver dependências emocionais de objetos e ideias. Quantas pessoas se veem presas em redes sociais, cultivando uma imagem de sucesso que, muitas vezes, é uma fachada? Quantas pessoas vivem relacionamentos superficiais, tentando mascarar a solidão com a ilusão de uma vida perfeita através da rede social?
A sociedade contemporânea frequentemente valoriza o "ter" em detrimento do "ser", refletindo a essência da filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre, que nos lembra que nossa percepção sobre nós mesmos é moldada pela forma como somos vistos pelos outros. Essa busca incessante por validação externa pode levar a um adoecimento emocional alarmante e os casos dos bebês reborn nos mostram que a dependência de objetos inanimados pode ser mais comum do que imaginamos. Já se imaginaram sem rede social? Sem filtros nas fotos, sendo obrigados a viver a sua vida como ela realmente é? Viver sem um sopro de fantasia e ilusão para compensar as angústias e frustrações maquiadas por trás de fotos de felicidade e sucesso?
A obra "O Alienista", de Machado de Assis, traz à tona a questão da sanidade em um mundo repleto de padrões e expectativas, tendo como personagem principal o Dr Simão Bacamarte, médico que dedicou seus estudos à psiquiatria e construiu um manicômio chamado Casa Verde, onde eram internados todos aqueles que ele enxergava como loucos por terem algum desvio de personalidade ou por não seguir algum padrão. Dr Simão Bacamarte chegou a internar mais de 75% da pequena cidade de Itaguaí. Percebendo que o número de internações só aumentava, Dr Simão Bacamarte concluiu que ninguém tinha uma personalidade perfeita, exceto ele próprio, então decide liberar todos os internos do manicômio trancando a si próprio e sozinho na Casa Verde pelo resto da sua vida.
Ao contemplar a relação com os bebês reborn e a dependência emocional que eles evidenciaram, inevitável constatar que muitas pessoas, assim como as “mães reborns”, vivem tomadas por angústia, ansiedade e frustração, buscando salvação, não raro, num mundo de fantasia e de aparente felicidade. É vital abordar o tema com empatia e compreensão. Afinal, todos nós navegamos em mares de incertezas emocionais e o que pode parecer loucura para alguns, para outros, pode representar uma forma de encontrar significado em um mundo que frequentemente parece desolador. Será que não estamos todos hospedados na Casa Verde?
Ana Patrícia Dantas Leão - Advogada
OAB/BA 17.920
Classificação Indicativa: Livre
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