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As provocações dos Estados Unidos e a Nova Guerra Fria

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A China protestou veementemente por meio de seu Ministério dos Negócios Estrangeiros  |   Bnews - Divulgação Arquivo pessoal

Publicado em 03/08/2022, às 16h53   Penildon Silva Filho


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A visita da presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, à Taiwan, território da China, significa mais um risco para a paz mundial, já bastante abalada pelo conflito na Ucrânia. A China protestou veementemente por meio de seu Ministério dos Negócios Estrangeiros, que emitiu nota nesta terça-feira, dia 02 de agosto, que tem o seguinte início:

“No dia 2 de agosto, a despeito da oposição forte e das representações severas da China, a presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, visitou a região Taiwan da China. É uma violação severa do princípio de Uma Só China e as estipulações dos três comunicados conjuntos China-EUA. Tem impacto severo na base política das relações China-EUA, infringe severamente a soberania e a integridade territorial da China, prejudica severamente a paz e a estabilidade no Estreito de Taiwan, e emite um sinal severamente errado às forças secessionistas da "independência de Taiwan".

A visita da represente do Congresso Norte Americano a Taiwan representa um apoio à política de separação e declaração de independência dessa ilha, que faz parte do território chinês. Essa compreensão de que Taiwan faz parte da China já está definida por resolução das Nações Unidas, de número 2758 da Assembleia Geral em 1971. Desde a fundação da República Popular da China em 1949, 181 países estabeleceram as relações diplomáticas com a China com base no princípio de “Uma Só China”. Em 1979, foram os próprios Estados Unidos que fizeram um claro compromisso no Comunicado Conjunto sobre o Estabelecimento das Relações Diplomáticas China-EUA, no qual afirma: "os Estados Unidos da América reconhecem que o Governo da República Popular da China é o único governo legítimo da China.”

Apesar de sempre usar o discurso da autonomia nacional, da não intervenção em outros países, do respeito às resoluções da ONU, do respeito à soberania, inclusive condenando a operação russa na Ucrânia usando o argumento de que a Rússia estaria ofendendo o princípio da integridade e soberania nacional ucranianas, a potência hegemônica capitalista faz exatamente o que condena. A prática da potência estadunidense tem sido um critério para verificar se o seu discurso está coerente. Esse é mais um episódio que escala e intensifica o risco de um conflito armado, feito deliberadamente para provocar instabilidade e insegurança, com os EUA tentando criar uma “Nova Guerra Fria”.

Com a queda do muro de Berlim em 1989 e a dissolução da União Soviética em 1991, a OTAN, a política armamentista e os conflitos perderam sentido no cenário internacional, mas com o poder que o complexo industrial militar tinha e ainda tem nos EUA, era necessário criar novos conflitos para manter o orçamento da defesa sempre em crescimento. Apesar das promessas do presidente George Bush para Mikhail Gorbachev de não ampliar a OTAN, houve justamente o contrário, com a expansão dessa organização militar beligerante até as fronteiras da Rússia. É preciso lembrar que o último discurso do presidente Zelensky antes da operação russa foi de que a Ucrânia estava aberta para receber armas nucleares em seu território. Façamos um exercício de imaginação política: o que os EUA fariam se soubessem que o México, que faz fronteira consigo da mesma forma que a Ucrânia faz fronteira com a Rússia, estava instalando mísseis nucleares em suas fronteiras com os Estados Unidos? Provavelmente a potência norte americana lançaria um “ataque preventivo” contra seu vizinho do Sul. No Ocidente, sofremos muito com o bloqueio e filtragem de informações pelos governos e corporações ocidentais e poucos devem saber, por exemplo, que a “crise dos mísseis em Cuba” em 1962, quando a União Soviética instalou mísseis na ilha que dista apenas 100 quilômetros do solo americano, foi antecedida pela instalação pelos EUA de mísseis nucleares na Turquia, que estava ao lado da ex-URSS.

Dessa maneira, a estratégia da potência ocidental, que rapidamente perde o posto de maior economia mundial para a China, é criar uma “Nova Guerra Fria” para tentar isolar e conter o Oriente, que já se tornou o grande motor econômico do planeta. Quando se observa a conjunção da China, Índia e Rússia em população, PIB, recursos naturais e extensão territorial, há uma hegemonia oriental que mudou o quadro geopolítico do planeta. O projeto da “Nova Rota da Seda”, organizado pela China em conjunto com dezenas de outros países, e que investe trilhões de dólares na construção de infraestrutura, integra a Ásia à Europa e se estende à África e à América Latina, significando um projeto de desenvolvimento integrado de longo prazo.

A China não tem colônias, não tem bases militares espalhadas pelo planeta todo, não invade outros países, coisas que os EUA fazem, e seu projeto de inserção internacional é pelo desenvolvimento econômico, construção de infraestrutura, ampliação do comércio e profunda inclusão das populações na produção e distribuição da riqueza. Certamente é um projeto mais interessante que aquele que procura se manter dominante pela força militar e pela procura de novos conflitos para tentar manter sua hegemonia.

Professor da UFBA e doutor em Educação

Classificação Indicativa: Livre

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