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As Universidades no Cenário da transição socioecológica

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Bnews - Divulgação Arquivo pessoal

Publicado em 16/01/2023, às 19h03   Penildon Silva Filho*


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A existência de uma Política Ambiental e de Sustentabilidade nas Instituições de Ensino Superior (IES), tanto públicas quanto privadas, e nos Institutos de Federais de Educação darão uma contribuição muito relevante à necessária transição ecológica que o Brasil e o planeta como um todo deverão empreender com urgência. São instituições com grande capilaridade social, importância cultural, econômica e regional e capazes de induzir mudanças significativas em seu meio, e muitas estão começando a mostrar o seu potencial transformador na Sociedade.

Não há mais dúvidas no meio científico que o planeta Terra deixou para trás o período do Holoceno, caracterizado por um clima ameno e com pouca variação climática que permitiu a florescimento da civilização humana com a revolução da agricultura, a criação de cidades e sociedades mais complexas, do comércio, da divisão do trabalho. Adentramos o período do Antropoceno, que se caracteriza por ter o ser humano e sua sociedade como os principais modificadores do clima e da estrutura e dos biomas na superfície da Terra.

Alguns cientistas identificam o princípio do Antropoceno com a explosão da primeira bomba atômica e sua clareza da possibilidade de autodestruição completa e irreversível da espécie; outros preferem registrar esse início com o pouso do ser humano na Lua, uma grande conquista tecnológica; outros indicam a década de 1970 como um marco, pois nesse período passamos a consumir “recursos naturais” numa velocidade maior que a capacidade do planeta em se regenerar e repor esses recursos. Entretanto, a maioria demarca o início do Antropoceno com a Revolução Industrial no final do século XVIII e a emissão de carbono numa velocidade muito maior que a capacidade da Natureza de recapturá-lo, com o agravamento do efeito estufa e as consequências catastróficas que presenciamos hoje. Caso não consigamos reverter ritmo da emissão de carbono, fazendo uma rápida e urgente transição energética e ecológica, o que implica em reflorestarmos muitos biomas e mudarmos radicalmente nossa forma de produzir e consumir, o capitalismo nos levará ao paroxismo de destruir o planeta para a geração de nossos filhos´, em troca do lucro rápido.

Há outros aspectos nessa crise climática e ambiental que devem ser tratados, como a interseccionalidade das contradições social, ambiental, racial e de gênero; a poluição dos oceanos por nitrogênio, o esgotamento da água, a destruição das florestas e demais biomas, como o Pantanal, o Cerrado, a Caatinga e os Pampas; a nova extinção em massa de espécies no planeta, a acidificação dos oceanos, o padrão insustentável de nossa alimentação e o uso descontrolado e nocivo dos agrotóxicos. Do ponto de vista econômico estritamente, os custos com desastres, fome, miséria e destruição por não fazermos uma transição socioecológica são maiores que os investimentos para uma transição que reverta aos poucos esse quadro.

Na Educação Superior temos um campo muito interessante para dar uma contribuição para uma mudança da situação e para a efetivação da transição socioecológica. Hoje o Brasil tem 2.574 instituições de ensino superior, sendo 313 públicas e 2.261 privadas. Dentre as públicas há 119 instituições federais, 134 estaduais e 60 municipais. Temos no país 8.986.554 estudantes de graduação, sendo 2.078.661 em instituições públicas e 6.907.893 nas instituições privadas. São faculdades, centros universitários e Universidades espalhados em todo o território nacional, e uma política pública com essas instituições pode ser efetiva ao trabalhar com essa capilaridade e o enorme impacto social que essa malha detém, com seu grande consumo de recursos e produtora de conhecimento, cultura e capacidade de influência político-social.

O primeiro aspecto a ser denotado é a que essas instituições podem contribuir para a diminuição do seu impacto ambiental, com a economia circular, reciclagem, reuso e abolição de bens inviáveis ao meio ambiente, como os plásticos. O uso de energias renováveis, como energia solar e eólica, pode diminuir muito o impacto de energias poluentes, pois essas instituições são grandes consumidoras de energia.

As instituições podem também condicionar os seus fornecedores e parceiros com políticas de sustentabilidade, pela contratação de serviços ou licitações que priorizem quem tem compromissos com a sustentabilidade, contribuindo para um efeito demonstrativo e indutor para a sociedade, pelas sua ação direta internamente e indireta com seus fornecedores e parceiros. Também pela ação de seus integrantes, professores, alunos e técnicos, que podem assimilar costumes mais sustentáveis, é possível interagir com outras instituições e ter as Universidades como vitrines.

As Universidade podem influenciar a sociedade pelos processos formativos no interior da instituição, pois há uma legislação que preconiza que todos os cursos de graduação devem ter conteúdos de educação ambiental; e pela extensão universitária, que pode interagir com movimentos sociais, órgãos governamentais, empresas e meios de comunicação em atividades de pesquisa e de ensino. Hoje todos os cursos de graduação devem ter um percentual de 10% da carga horária reservada às atividades de extensão, que podem ter alto impacto para a sociedade, para a formação dos alunos, para o enriquecimento e a transformação dos currículos e relação da Universidade com o seu meio social.

Fundamentalmente, a Universidade é um espaço de pesquisa, de produção e difusão do conhecimento, que está na fronteira da investigação sobre novas fontes de energia sustentável, sobre os impactos ambientais das tecnologias existentes, a criação de alternativas de agricultura de baixo carbono, dentre outras. Universidades produzem resultados em farmacologia, genética, biotecnologia, medicina em pesquisas da biodiversidade que podem revolucionar a economia e a Saúde e preservar as florestas e demais biomas. A centralidade da pesquisa universitária se estende para a tecnologia de motores elétricos, pesquisa aeroespacial para monitorar e preservar o ambiente, até a produção cultural e humanística para mudar a cultura e valores da atual organização social calcada no consumo desenfreado, refletindo sobre as alternativas para essa barbárie social e ambiental em que vivemos.

Essas reflexões nos conduzem à síntese que a Universidade é uma instituição que pensa a sociedade e pode projetar um futuro de nação e de mundo diferentes, e torna-se um espaço de reivindicação da sociedade, espaço de crítica, de reflexão, de mobilização. Por conta dessas possibilidades, a Universidade Federal da Bahia está encaminhando um debate sobre sua política ambiental, que com certeza poderá se articular com outras universidades e instâncias públicas e privadas nesse esforço para organizar a Sociedade no sentido de uma mudança substantiva de sua forma de produzir e se relacionar com a Natureza. É mais uma instituição que trilha esse caminho, dentre várias outras, e que em cooperação pode induzir mudanças nas política públicas maiores do Estado brasileiro.

Professor da UFBA e doutor em Educação

Classificação Indicativa: Livre

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