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Armandinho, o repúdio à fila de blocos e o desabafo: puxaram nosso tapete

Roberto Viana
Pai da guitarra baiana fala sobre os 50 carnavais, o pensamento mercadológico da folia e a pipoca  |   Bnews - Divulgação Roberto Viana

Publicado em 22/02/2014, às 19h52   Caroline Gois (twitter: goiscarol)


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Filho do idealizador do trio elétrico e pai da guitarra baiana, Armando da Costa Macêdo, conhecido como Armandinho, completa este ano 50 carnavais. Aos 10 anos, o menino franzino já estreava no trio mirim e arrastava sua primeira pipoca que um dia tornou-se grandiosa e a responsável por batizar a folia momesca como a maior festa de rua do planeta.

Na tarde de quinta-feira (20), o ícone do Carnaval da Bahia visitou a redação do site Bocão News. Simpático e bem humorado, histórias não cabiam na bagagem do artista que faz parte da cultura do Estado e da trajetória da festa que começa no próximo dia 27. “Era pra eu ter vindo mais bonitinho”, brincou Armandinho ao adentrar o estúdio de entrevistas do site e se deparar com as câmeras. Buscando tirar logo os primeiros acordes do cavaquinho que o acompanhava, o músico e instrumentista já dedilhava notas de músicas que marcam o repertório do Carnaval de Salvador. “Em 1964 meu pai fez o trio mirim e me colocou como solista..nossa, já são 50 anos”, relembrou já enaltecendo as participações que recebera em seus ensaios comemorativos pelo cinquentenário no Clube Fantoches, todas as quartas. “Foi maravilhoso. Muito bacana mesmo porque tive vários convidados. Geraldinho, Saulo, Jorge Vercillo, Brown, Daniela. Poxa, foi muito bom fazer e estava com uma banda maravilhosa e o maestro Iacossi Simões. Buscamos os melhores, a dedo”, elogiou.

Mas, logo o assunto se voltou para aquilo que constitui a história de vida de Armandinho: o Carnaval. Desfilando durante quatro dias com um bloco independente junto com a banda Armandinho, Dodô e Osmar,  nos circuitos Campo Grande e Barra-Ondia, o artista revelou a rotina que realiza durante esta época do ano.  “Me preparo musicalmente e fisicamente porque tem que estar em forma. São muitas horas não só tocando,  dão umas cinco horas de percursso. Mas, a gente se prepara horas antes e horas depois tem que assentar aquele som para descansar..praticamente o dia todo. São quatro dias seguidos..ficamos entregues”, afirmou, já adiantando o que o público sempre prestigia todos os anos – os convidados. Deixando as portas abertas para quem quiser fazer parte da festa, Armandinho conta que “O Dodô e Osmar não programa convidados porque recEbemos muita gente. Mas, Jorge Vercillo esta querendo vir. Chico César. O pessoal que fez comigo esta temporada  ( referindo-se aos ensaios) estão todos querendo vir para o Carnaval, mas sempre aparecem e são sempre bem vindos”.



Da Fobica ao Trio Elétrico

Saudosista,  Armandinho fez uma retrospectiva do Carnaval que mudou e do trio que não para de crescer. “O carnaval do trio elétrico mudou muito. A guitarra baiana era a voz do trio. Então, você ve que começa com Dodô e Osmar na fobiquinha, o pau elétrico  e ali vai crescendo uma caminhonete, um caminhão, vem Orlando com o trio Tapajós e nunca parou de crescer. Aliado a isso veio o lado comercial da coisa. Porque como o trio é um palco de luz, é um show na rua vai atraindo e fizemos toda uma transformação. Meu pai viu na época que o frevo era a música mais quente e então se firmou a música do trio elétrico no frevo. Virou o frevo Pernambuco com sotaque baiano. A gente vai transformando isso em banda. Aí vem aquele cavaquinho como a minha guitarra, botei o nome guitarra baiana. Botei a quinta corda para ficar mais pesado, harmônico, melódico...ai o trio vai crescendo, Moraes se torna o primeiro cantor de trio elétrico, vem novos baianos e mais cantores”, relembrou com os olhos brilhando, citando Gilberto Gil como sendo um grande folião que participou de toda esta evolução do Carnaval.

“Dodô e Osmar inventaram o trio elétrico e não tinham ideia que no mundo tivesse algo parecido. Foram descobrindo, vendo que o som aumentava sem apitar, sem dar microfonia e disseram - .vamos sair tocando e revolucionaram e quando se ouvia o som o povo ficava doido. Tanto que resolveram subir num carrinho e sair na rua. Havia um desfile de carros luxoso, era o carnaval dos ricos.. Aí Dodô  e Osmar descem a Calçada para buscar o povo e os trouxe para a Castro Alves, Rua Chile e invadiram o cortejo e quase foram presos por isso. E aí passou o trio elétrico para a outra rua, a Carlos Gomes e fizeram Carnaval assim durante muitos anos. Estes primeiros anos o trio era marginalizado, o Carnaval oficial não queria o trio, mas já tinha um povão atrás que sabia que o queria”.



‘Carnaval empresarial’

No embalo dos momentos de outrora, o guitarrista foi questionado sobre o que mais sentia falta na festa diante de tanta transformação. Sem hesitar, ele respondeu: O encontro de trios. Aquela maravilha de estar com amigos e compartilhando com outros trios. Antes os trios eram menores e possibilitava ter seis, até oito trios reunidos. Hoje os trios são enormes, mau cabem dois e não sobra espaço para o povo. Tenho muita saudade deste encontro ainda mais com a presença do meu pai. O trio é aquela coisa que a gente não sabe onde vai parar porque a cada ano muda e eu acho que tem que se dar um alerta para esta condução do Carnaval”, frisou, seguido de uma pausa e de uma mudança no semblante como quem não está satisfeito como os novos tempos. Sem pestanejar, Armandinho discorreu a tese de quem carrega as entranhas da avenida e a essência do folião. “Carnaval são as nossas manifestações culturais, nosso costume, nossa música. Acho que isso tem que estar presente, como era a música pernambucana no Carnaval de Pernambuco. Cada um tem seu formato, sua história, sua cultura. Isso vem se perdendo porque vem virando um carnaval empresarial..isso porque os empresários não tem esta visão. A visão do empresário é vender e ter retorno. Claro que todo mundo está trabalhando e é um empreendimento caro. Você tem que estar produzindo, mas não pode mudar a história do negócio. O carnaval não pode virar um festival e vir gente de outros lugares e ficar puxando bloco na Barra Ondina”, criticou.

O cantor fez questão de explicar que há espaço para todos, mas que a cultura baiana não pode ser esquecida, lamentando a ausência do amigo Moraes Moreira no Carnaval deste ano. “O forró é daqui, o pagode também tem na Bahia. Aí vem gente lá de Goiás e vai puxar trio”, indagou, já mandando um recado direto para aqueles que, segundo ele, não tem a trajetória com a cultura da Bahia e da folia baiana. Armandinho ressaltou ainda que este ano são comemorados 100 anos de Dodô e que “é uma história que tem que estar presente em nosso Carnaval. Isso faz parte da nossa cultura carnavalesca e não ficar vendendo abadá aleatoriamente para seja lá quem for”, disparou.



Fazendo questão de debater o assunto, Armandinho traçou um perfil que pode configurar o Carnaval de amanhã diante destas mudanças. “Me preocupada porque tira o espaço de quem já trilha isso há mais tempo. Homenagear os blocos afros, que tem ligação direta com nossa cultura como Brown vem batalhando. É uma luta contra setores financeiros que foram liberados por autoridades do governo. Tem sido ajustado e o trio independente tem conseguido se manter diante disso tudo porque vem tendo apoio e orientação de patrocínios que vem mantendo a gente na rua, graças a Deus. Não temos aquela luta de não vai sair vai sair. Há um tempo atrás teve um domínio tão grande que ainda continua, mas um pouco menos do setor mercadológico do carnaval. Abrem as portas para eles trazerem para Bahia o que bem entenderem, isso precisa ser reparado”, explicou.

Novo CD  e a saída de Bell do Chiclete

Uma homenagem à guitarra baiana. Este é o tema do mais novo CD de Armadinho que fica prono até maio deste ano. Ele explica que o trabalho contém músicas do primeiro CD e inéditas, além de outras vertentes da guitarra baiana. “Queremos mostra que é um instrumento que pode tocar tudo, até música romântica”, garantiu, já tocando a nova canção ‘Ave Maria na Praça’. “Cheia de graça e alegria ver o show na praça. Vou na pipoca, sou da paz, estou na Bahia”, recitou.

Falando em Ave Maria, Armandinho lembrou que o Bell do Chiclete irá estrear em seu novo bloco, já com carreira solo, cantando a música “Ave Maria”. “Só que ele vai cantar a tradicional. Bem que podia ser nossa. Mas ele irá fazer uma oração”, disse, comentando a saída do cantor de uma das maiores bandas de axé da Bahia, com 30 carnavais. “Não muda nada porque Bell continua. Se Bell tivesse fora é que ia mudar. É uma pessoa que durante tantos anos foi fenômeno de comunicação do trio elétrico e deixou uma marca muito forte. Bell inclusive conta que viu o primeiro trio que ele se empolgou foi o trio do pombo correio em 78, de Dodô e Osmar, quando ele viu disse que queria fazer parte disso. No ano seguinte veio com o Scorpion. É um dos colaboradores na coisa de ampliação do trio elétrico. Teve também  Durval com o ASA, Luiz Caldas. Foi o início do axé, nos anos 80, que dá saudade”, afirmou, citado Daniela, Ivete, Claudia Leite e Magareth como nomes que fazem parte da história com o trio.



Mudança de circuitos e a bendita fila

Quando o assunto foi mudar o circuito e quem sabe deixar de lado o Campo Grande, Armandinho diz não cogitar esta possibilidade e relembra de como surgiu o circuito da Barra. “Não consigo imaginar um carnaval fora do Campo Grande, Rua Chile e Castro Alves. Nos anos 70, 80, combinávamos a galera de irmos para a Barra. Atravessávamos o Corredor da Vitória e íamos para a Barra.até que depois se organizou e fez  a fila. Nela tenho as minhas restrições”, ponderou, contando um caso ruim e triste que viveu no Carnaval da Bahia. “Essa coisa da fila puxou o tapete do trio independente. Tapajós e outros como o Marajós, além de Dodó e Osmar. Olhei até um documento assinado pelo prefeito da época,em 94. Aí fomos botar trio na rua e disseram que não estávamos na fila. Puxaram o tapete da gente que estamos aqui há mais tempo. Um belo dia chegamos na Barra e me disseram que não era por ordem de chegada..e cadê nosso lugar¿ Perguntei cadê meu lugar na fila e disseram que não tinha. Isso não poderia ter sido desse jeito e pior que são as autoridades que assinam”, repudiou, já desabafando: A gente tá aqui muito antes dessa fila”.

Já no fim da entrevista, Armandinho foi convidado a resumir em palavras o sentimento que tem quando se fala no Carnaval, na guitarra baiana e no folião que vai atrás do trio.

O Carnaval

Tem que fazer os reparos. Retomar o espaço da nossa história. Que volte a uma manifestação do nosso povo, dos nossos artistas. Imagina a gente desde pequenino vendo aquele trio saindo de casa. É esta história que fez do meu um ídolo que eu queria ser e fazer aquilo que ele fazia no Carnaval e transbordava de emoção. Queremos viver na sua forma mais autêntica. Para este ano, Armadinho convida os foliões a participarem do Abadado – no qual se troca um abadá por uma lata de leite que será destinada a uma creche e ao Instituto do Câncer. “É uma das coisas bacanas que fazemos bem. Tenha o abadá pra pular na nossa pipoca e contribuir com nossos meninos carentes”, convidou. Para adquirir a camisa basta ligar para : (71) 3336-0311.


Folião Pipoca

Maravilha total. Ele não comprou. Vai atrás do que gosta. É uma escolha de coração. Estão ali porque gostam e conhecem aquela história do artista e se sentem bem. Estão de parabéns. E a pipoca do Dodô e Osmar é fiel e paz total.

Guitarra baiana

Um marco na nossa história. Temos uma guitarra elétrica que gerou o trio elétrico e que gerou tudo isso que tá aí e lembro como Dodô e Osmar começaram tudo isso. Por isso batizei de guitarra baiana.  Tem que dar o nome de origem tem que saber de onde veio e de onde ela é. E é da Bahia.

Classificação Indicativa: Livre

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