Cidades

Ensino a distância em escolas de Salvador provoca polêmica e divergências entre pais e donos de instituições

Elza Fiúza/Agência Brasil
O Projeto de Lei foi apresentado na última sexta-feira (27), na Assembleia Legislativa da Bahia   |   Bnews - Divulgação Elza Fiúza/Agência Brasil

Publicado em 28/03/2020, às 22h15   Samuel Barbosa


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A pandemia da Covid-19 – doença causada pelo SARS-CoV2 – mudou a rotina de boa parte do mundo e aqui em Salvador não foi diferente. Para evitar que o vírus se espalhasse de forma avassaladora, tanto o governo estadual como a prefeitura de Salvador tomaram medidas drásticas para evitar a propagação. Uma dessas medidas foi para que as escolas fossem fechadas, o que gerou dúvidas, incertezas e apreensão por parte de pais e diretores de centros educacionais.

Com a determinação da quarentena, pais de alunos tem se virado como podem para criar alternativas e meios para tentar driblar os problemas causados pelo confinamento, já que as crianças estão afastadas do convívio escolar. Mas diante do decreto que determina o fechamento das unidades educacionais, como fica a questão dos pagamentos das mensalidades? 

O assunto tem gerado discussões. Na última sexta-feira (27), o deputado estadual Jurailton Santos (Republicanos) apresentou na Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA), um Projeto de Lei para reduzir o valor das mensalidades escolares enquanto durar o isolamento social imposto por causa do coronavírus. Segundo o deputado, a ideia é que as instituições baianas de ensino que fazem parte da rede privada diminuam a cobrança em pelo menos 50% durante o período de emergência da saúde pública. A medida valeria para as unidades que oferecem educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.     

Nas redes sociais o assunto tem rendido bastante. “Pela quarentena estamos em casa com redução de salário, isolados e dívidas se acumulando. Como fica as mensalidades das faculdades privadas integrais, as mensalidades se nós estudantes, pais e mães de família recebermos metade do salário? Precisamos sim de descontos!”, disse uma seguidora do BNews no Facebook. 

Para outra seguidora, não justifica o pagamento do valor integral da mensalidade. “Acho a proposta muita válida, tenho filho na creche, pago caro por isso, e estou aqui em casa tendo que cuidar dele. Não justifica pagar o valor integral. Cabe as escolas negociarem aluguel se houver, esperar para ver a proposta que o governo está projetando para auxiliar com um financiamento para pagamento de salário com juros baixos e pagamento em 3 anos. Todos precisam se ajustar, porque caso contrário todos ficaram sem salário. Porque se eu não puder pagar e muitos também. Ai não teremos só demissão, teremos a extinção da creche”, postou.

Dificuldade na negociação

O BNews conversou com duas mães – que pediram para não se identificar – com filhos matriculados em uma escola localizada na Avenida Pinto de Aguiar, bairro de Patamares, na Orla de Salvador. Elas afirmam que a unidade educacional mandou cartas para os pais informando que a mensalidade do mês de abril deveria ser paga de forma integral, o que gerou grande indignação. A escola cobra mensalidade no valor de R$ 2.300 para alunos do grupo três.

“A comunidade de pais se chateou bastante, a gente teve discussões exaustivas falando a respeito de estar cobrando por algo que a gente não está usando, aí a escola mandou a segunda carta que foi pior que a primeira. Os pais começaram a se revoltar falando que não iam realmente pagar, falando que era rescisão contratual. A escola deu uma recuada e agora a gente está observando que está começando a ter concessões de descontos de até 50%”, disse uma delas. 

A outra mãe afirmou que a escola chegou a utilizar uma nota técnica do Ministério da Justiça, para justificar a cobrança integral da mensalidade, mas segundo ela, a instituição editou a nota e omitiu justamente a parte onde constava que era possível aplicar o abatimento no valor do boleto. “Em uma segunda carta eles citaram como fundamento para cobrança uma nota técnica do Ministério da Justiça só que eles omitiram o número da nota para dificultar que a gente localizasse, e também editaram, porque na nota existem duas possibilidades que o ministério recomenda para esse caso. Uma seria manter a cobrança integral sendo possível a compensação nas condições previstas no contrato, e a outra quando não fosse possível que houvesse o abatimento, e eles excluíram”. 

O BNews também teve acesso a um documento elaborado pelo pai de um aluno matriculado em uma escola localizada na Avenida Cardeal da Silva, Federação. Na carta ele diz que recebeu com espanto o comunicado feito pela escola, e que os alunos da educação infantil não podem ser tratados como alunos do ensino fundamental. Ele critica ainda no documento a aplicação de aulas on-line através de plataformas oferecidas pela instituição.

“Sabemos que se trata de um negócio, mas em momento algum esperávamos ter que conduzir a discussão nesses termos, principalmente por acreditarmos que a escola seria capaz de pensar de forma sistêmica, e por jamais esperar que a instituição buscaria tirar alguma vantagem da situação. Os alunos da educação infantil não podem ser tratados como os alunos do ensino fundamental, como, inclusive, a escola sempre defendeu”, disse o pai, que desembolsa por mês, R$ 3.400 de mensalidade para o filho de um ano e três meses de idade. “É óbvio que o aproveitamento de aulas on-line para a educação infantil é infinitamente inferior à educação presencial, principalmente se considerarmos que estão sendo conduzidas em casa, em sua maioria, por pessoas inaptas”, completa.

Ainda de acordo com o pai, cabe a “escola sugerir alternativa adequada para a idade, o que até o momento não foi feito”, e que a ausência de aulas presenciais reduz consideravelmente os custos da escola que tem todas as despesas reduzidas. “Não é correto, portanto, que tais custos sejam repassados aos contratantes, uma vez que não se trataria de lucro de uma empresa privada, mas de enriquecimento sem justa causa da escola em desfavor dos pais que a contrataram em total e irrestrita boa fé”, destaca o pai, que pede a readequação do valor da mensalidade.

Despesas que vão além das contas de água e luz

A diretora da Escola Natureza, Rita de Cássia Oliveira Soares, conversou com nossa reportagem. Para ela, o projeto de lei apresentado na Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA) trata-se de uma atitude “inconsequente” do deputado, já que as escolas tem uma série de despesas que vão além das contas de água, luz e custos com o transporte de funcionários. 

“Tomei conhecimento desse projeto, essa redução de 50% no valor das mensalidades, haja vista a redução dos custos das escolas nesse período. O que ele fala de custos, água, luz, alimentação e transporte de funcionários, se todos os encargos das escolas fossem esses, tranquilo, mas os funcionários estão em casa e os salários estão sendo mantidos. A água talvez tenha até uma redução, mas a luz, para a escola continuar funcionando todos os seus computadores estão acionados, estamos trabalhando remotamente, em menos de duas semanas tivemos que resolver toda uma questão gerada pela interrupção do ensino”, disse.

De acordo com a diretora, durante esse período de pandemia, as escolas tiveram que adquirir plataformas digitais com preços “surreais”, justamente pela alta procura das instituições. “Os pais estão recebendo em casa aulas em plataforma de educação a distância que é reconhecida pelos departamentos de educação”. 

Rita ressalta que boa parte dos alunos estão veiculados a programas que concedem bolsas de estudos. “Eu acho que tentar resolver uma situação gerando novos problemas e novas situações não seria o caminho. Que tal então se reduzisse os encargos sociais paralelo ao que vai ser reduzido dos 50% das mensalidades? E as escolas que trabalham com bolsas de estudos, com programas de estudos que os pais já tem 50% de desconto, como são os casos de pequenas escolas como a nossa? Esses pais vão deixar de pagar a escola? E como nós vamos manter o nosso quadro de funcionários, os prestadores de serviços que as escolas tem?”, questiona.

“Ele [o deputado] não tem noção da realidade, do que é manter uma escola. E porque atingir diretamente o setor da educação? Vamos propor [reduzir] os salários dos deputados, vamos reduzir os salários dos ministros, vamos reduzir os luxos. Eu acho que é uma atitude inconsequente. As escolas estão acéfalas, estão à deriva, não temos nenhum tipo de informação, simplesmente recebemos o decreto ‘fecha as escolas’ e dai em diante é cada um se virando por sí”.

Ainda segundo a diretora, com a redução de 50% no recebimento, as pequenas escolas não vão ter como se manter, não vão ter como manter o gasto com pessoal, nem muito menos honrar com seus compromissos. “É um ato impensado, é querer fazer política num momento em que deveremos sentar e conversar na questão social”, completou.

Projeto

Jurailton é vice-presidente da Comissão de Educação na AL-BA, e lembra que as instituições de ensino estão com diversas despesas reduzidas, como água, energia, alimentação e locomoção de seus funcionários e alunos. “É justo que os estudantes e seus responsáveis financeiros, que também tiveram seus rendimentos afetados, tenham a sua mensalidade reduzida, até porque não é para sempre, e as escolas devem nesse momento, adotar uma postura justa nessa situação atípica", destacou o parlamentar.

O PL ainda aponta que, se houver mensalidades em atraso, isto não desobriga a unidade de ensino a conceder o desconto. Para quem descumprir a medida, haverá a aplicação de multas, aplicadas pelos órgãos responsáveis, como a Superintendência de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-BA).

"Esse Projeto visa equilibrar as relações consumeristas, de forma que não onere sobremaneira os consumidores dos serviços escolares, mas que também possibilite as Instituições de Ensino continuarem suas atividades, pagando seus funcionários, e cumprindo com os seus demais compromissos, já que essas são  despesas que não se alteram, mesmo com a suspensão das aulas", acrescentou o deputado.

Classificação Indicativa: Livre

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