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Ajuda a estados supera em R$ 36,3 bilhões perda na arrecadação, diz economista

Agência Brasil
Resultado torna desnecessário novos aportes da União, defende  |   Bnews - Divulgação Agência Brasil

Publicado em 09/12/2020, às 06h02   Folhapress


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O pacote de ajuda para que os governos estaduais enfrentassem a pandemia superou em 54% o impacto sofrido por essas administrações, transferindo para a União não apenas o choque efetivamente sofrido, mas também um custo adicional que se reflete em elevados saldos de caixa em poder dos estados.

De acordo com levantamento do economista do Insper e colunista da Folha Marcos Mendes, o socorro já superou em R$ 36,3 bilhões a perda de arrecadação e o aumento de despesas nessas 27 unidades da Federação.

Segundo Mendes, apesar de a ajuda ter sido superdimensionada, o fato positivo é que o excesso de dinheiro praticamente não foi gasto pelos governadores e pode ajudá-los a enfrentar dificuldades que possam surgir em 2021, sem que seja necessário o socorro adicional que está em discussão em algumas propostas no Congresso. Ele calcula que haja uma reserva de pelo menos R$ 34,6 bilhões nos caixas estaduais.

As medidas de ajuda aos estados somavam R$ 68 bilhões até setembro, segundo o levantamento. As transferências de recursos representaram R$ 51,9 bilhões. A suspensão de pagamento de dívidas com União, BNDES e Banco do Brasil, outros R$ 16,1 bilhões.

A perda de arrecadação foi de R$ 10,5 bilhões até setembro. Houve ainda aumento de despesas de R$ 21,1 bilhões até agosto, embora nem todo esse gasto extra esteja relacionado à pandemia.

A diferença entre os dois números representa um ganho de R$ 36,3 bilhões para os estados. O valor deve subir até o final do ano, dado que ainda há valores a serem liberados e a suspensão da dívida terá impacto de pelo menos mais R$ 15 bilhões.

O levantamento mostra também que, no final de agosto de 2020, os estados tinham em caixa R$ 34,6 bilhões a mais do que na mesma data do ano passado. Ou seja, a maior parte desse dinheiro não foi gasta.

“Isso mostra que o governo federal suportou o impacto da crise, provendo aos estados liquidez além da necessária para passar a crise sem sacrifício fiscal”, diz o estudo.

Segundo o economista, tendo em vista a alta incerteza no momento em que a ajuda federal foi definida, é aceitável que se tenha errado para mais, pois havia previsão de queda intensa da arrecadação estadual, o que não se concretizou.

“Possivelmente um outro gasto excessivo do governo federal, no pagamento do auxílio emergencial, ajudou a manter a demanda (a despeito de ter agravado em muito a situação fiscal) e, com isso, sustentou a arrecadação.”

Para o pesquisador, a fórmula aprovada pelo Congresso era a mais segura para o Tesouro Nacional, apesar do resultado final superestimado.

Uma versão anterior do projeto de socorro previa que os estados e municípios seriam compensados na exata medida de sua perda de receita, mas essa fórmula trazia o risco de estimular a leniência na arrecadação estadual e municipal, com concessão de benefícios fiscais, por exemplo. Também permitiria a prorrogação indefinida do auxílio.

O que não faz sentido, segundo Mendes, é aprovar um novo pacote de ajuda aos governadores.

Ele cita um projeto de lei que está em tramitação no Congresso e que trata da finança dos estados, o PLP 101/2020. A versão atual do texto inclui a previsão de novo alívio fiscal, com a suspensão do pagamento de dívidas junto a organismos multilaterais, com garantia do Tesouro, para os estados com boa capacidade de pagamento (notas A e B pelo critério do próprio governo federal), por até três anos com custo de R$ 4,5 bilhões por ano para a União.

Nessa mesma linha, a Consultoria Legislativa do Senado afirmou em relatório que, em vez de contribuir para o equacionamento da crise fiscal que assola estados e municípios, a proposta poderá ser um veículo para simples flexibilizações das regras vigentes.

Outra proposta citada por Mendes é o PLP 247/2020, que prevê que os estados não voltem a pagar integralmente as dívidas com a União no próximo ano, estabelecendo uma retomada progressiva de janeiro de 2021 a julho de 2022 em razão da pandemia.

“Não parece fazer sentido socorro adicional em um contexto no qual a União está à beira de uma crise da dívida, e os estados, que ganharam grande alívio na crise, estão longe de fazer esforço para reformar a legislação de modo a garantir a sustentabilidade fiscal de médio e longo prazo”, diz o pesquisador.

“A discussão de um novo pacote para os estados precisa levar em conta os números aqui apresentados. Já houve socorro excessivo. Se nem isso foi suficiente, é porque já passou da hora de haver ajuste estrutural nas contas daqueles governos.”

Para Mendes, qualquer ajuda adicional, por menor que seja, deve ficar condicionada à aprovação de reforma da previdência no mínimo equivalente à da União.

Até o momento, 11 estados ainda não o fizeram. Também deve-se condicionar um novo pacote de ajuda à aprovação prévia de mudanças na Constituição que deem maior flexibilidade à gestão da política de pessoal, como a PEC Emergencial e a da reforma administrativa no Congresso, diz o pesquisador.

Segundo Mendes, esse aumento de disponibilidades e receita líquida dos estados em plena crise contrasta com o que se observou no caixa do Tesouro Nacional.

O saldo da Conta Única do Tesouro, que em dezembro de 2019 era de R$ 1,44 trilhão, estava, em julho de 2020, em R$ 791 bilhões, uma queda de 55%. Nesse caso, pesam todas as transferências feitas durante a pandemia para tentar sustentar a economia.

“O aumento do déficit federal foi tão elevado que não foi possível manter rolagem integral da dívida pública, sendo necessário lançar mão das reservas para situação de stress.”

Para ele, embora o pagamento de ajuda em excesso não seja uma boa notícia, o fato de boa parte desse excesso ter virado saldo de caixa não deixa de ser positivo.

“Isso indica que a maioria dos governadores evitou gastar o que recebeu a mais, optando por reforçar o caixa e ter mais munição para enfrentar as dificuldades e incertezas de 2021. Até porque terão que voltar a pagar a dívida com a União e os bancos federais, e não se sabe qual será o comportamento da receita em cenário de incerteza econômica”, afirma.

“Essa ajuda excessiva dá fôlego aos estados para que atravessem pelo menos um ano sem pedir novo socorro financeiro à União.”

O levantamento de Mendes também detalha o impacto em cada estado. Em termos percentuais, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso e Tocantins apresentaram aumento de caixa superior a 100%.

Em valores absolutos, destacam-se esses três, além de São Paulo, Santa Catarina e Pará, todos com mais de R$ 2 bilhões de ampliação no caixa.

Na outra ponta, apenas o Amapá teve redução de caixa no período. Não há dados disponíveis sobre Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro sobre o saldo de caixa líquido.

Reportagem da Folha de setembro já havia mostrado que o programa de socorro a estados e municípios para enfrentamento da pandemia apresentou resultados desiguais entre esses entes da Federação. Enquanto algumas administrações receberam recursos mesmo sem ter tido perda de arrecadação, outras não receberam dinheiro suficiente para compensar a queda nas receitas.

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