Coronavírus

Paralisado, setor de entretenimento ainda não tem previsão de retomada após um ano de pandemia

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Com o novo crescimento nos casos de Covid-19, novos decretos foram estabelecidos e proibição de eventos segue   |   Bnews - Divulgação Ilustrativa

Publicado em 07/03/2021, às 05h30   Tiago Di Araujo


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Ninguém esperava um dia ver o mundo praticamente parar. Mas, isso aconteceu com a chegada da pandemia de coronavírus, que suspendeu todos os tipos de atividades. Falando da realidade enfrentada no Brasil, diante de todo caos vivido a cada dia, um setor se viu completamente de mãos atadas, o de entretenimento e eventos.

Trazendo para realidade regional, no dia 14 de março, o então prefeito de Salvador, ACM Neto, anunciou a proibição de qualquer evento ou atividade com mais de 500 pessoas, o que também estava sendo aplicado na Bahia e praticamente em todo o país. Sendo assim, de lá pra cá, os profissionais de entretenimento tiveram o cancelamento de shows durante um ano inteiro, que incluiu também a não realização de tradicionais festas como São João, Réveillon e Carnaval.

Reinvenção do entretenimento
Diante de uma realidade jamais vivida, muitos do setor buscaram alternativas para driblar o momento que já impactava financeiramente, de forma direta, a todos envolvidos. Sem poder aglomerar em shows e grandes eventos, o jeito encontrado pelos artistas foi se apresentar virtualmente. Cantores e bandas montaram uma agenda de shows online, cada dia com mais estrutura, inicialmente em prol de ajudar famílias que não tinham renda por causa da pandemia, mas depois para alimentar o próprio bolso, já que as apresentações presenciais pareciam cada vez mais distantes.

Como o setor se reinventou em 2020

Com o cansaço das lives e sem plano de retomada por parte das autoridades, o jeito foi se adaptar. Com isso, um antigo modelo de shows presenciais voltou à tona em 2020, os drive-ins. Brasil afora, e também em algumas cidades do mundo, a modalidade de se apresentar "para carros" virou uma alternativa adotada pelos artistas para voltar a faturar.

Cancelamento do São João
Após três meses de pandemia, com o cenário cada vez mais catastrófico, veio o primeiro golpe de maior impacto ao setor de entretenimento: o cancelamento do São João. As festas juninas, muito tradicionais no Nordeste e em boa parte do país, não aconteceram. O impacto para o setor foi reconhecido até mesmo pelas entidades governamentais responsáveis por realizar os eventos da época.

Diogo Medrado, que preside a Bahiatursa – órgão que promove celebrações juninas em praticamente todas as cidades baianas, admite os efeitos negativos do cancelamento do São João e analisa a necessidade de “compensar”, de certa forma, as consequências causadas. “É lamentável, no entanto responsável, que tenhamos uma festa como o São João cancelada. Além de ser um festejo da família, que leva a população as suas cidades de origem, ainda é um dos eventos que mais movimenta a cadeia produtiva cultural. Toda cidade tem seu trio nordestino. Estamos sensíveis a dificuldade que o cancelamento da festa causou economicamente nestas pessoas. Esperamos que esta realidade mude e que possamos de alguma forma reverter o impacto deste momento sensível que estamos passando”.

Auxílio emergencial para setor da cultura
Em agosto, como forma de auxiliar o setor, o Congresso aprovou a Lei Aldir Blanc, que previu repasse de R$ 3 bilhões de recursos federais destinados a ações emergenciais no setor cultural. O pagamento foi destinado em três parcelas de um auxílio emergencial de R$ 600 mensais para os trabalhadores da área cultural, além de subsídio para manutenção de espaços artísticos e culturais, microempresas e pequenas empresas culturais, cooperativas e organizações comunitárias. As estratégias de distribuição dos recursos ficaram a cargo dos estados, a exemplo da Bahia que utilizou o Cadastro Estadual dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Cultura para pagamento a mais de 2 mil profissionais, que teve início em novembro.

Ato dos profissionais de entretenimento
Antes disso, os trabalhadores cobraram dos governantes um plano de retomada, que não chegou a ser discutido de imediato. Não vendo perspectiva de melhora, artistas, empresários, roadies e músicos realizaram em Salvador, o primeiro ato para pressionar pela volta das atividades. Reunidos em frente à igreja do Senhor do Bonfim, eles colocaram cases utilizados para guardar instrumentos musicais em shows, na praça do Bonfim e participou da tradicional missa na igreja.

Shows, ensaios de verão e réveillon cancelados
O ato, apesar de espaço midiático, continuou sem gerar efeitos reais benéficos para cadeia produtiva. Prova disso é que os eventos continuaram sendo cancelados e proibidos pelas autoridades, a exemplo dos tradicionais ensaios de verão. Os shows, que anualmente se estendem pelos meses que antecipam o Carnaval, e praticamente por todos os dias da semana, não puderam ser realizados e se transformou em mais uma grande perda para o setor.

Conforme dados da Associação Brasileira dos Produtores de Eventos, a paralisação das atividades do setor atingiu diretamente mais de 640 mil empresas em toda cadeia de eventos e turismo, o que abrange cerca de 3,5 milhões de empregos. A estatística inclui o cancelamento também do Réveillon, que não teve a realização de festas em todo país, como eventos em cidades que já se tornaram mundialmente conhecidos, a exemplo de Rio de Janeiro, São Paulo, entre outras.

Em Salvador, o tradicional Festival Virada até chegou a ser anunciado, em um formato virtual, que teria como Ivete Sangalo e Gusttavo Lima como atrações, com transmissão em rede nacional de televisão. Dias depois de anunciar a festa, o então prefeito ACM Neto, voltou atrás e decidiu cancelar, mantendo apenas a queima de fogos em pontos da cidade para que a chegada do novo ano pudesse ser celebra de alguma forma pelos soteropolitanos, que assim como em todo país, foram orientados a ficar em casa e evitar aglomerações.

Carnaval 2021
Mesmo com cenário muito claro, o cancelamento do Carnaval ainda foi tratado com muito cuidado pelos governantes, no entanto, foi inevitável, o que se tornou o golpe mais duro para o setor de eventos. Em novembro, a decisão de que a maior festa de rua do mundo, e que mais movimenta a economia baiana, não iria aconteceria em 2021, foi confirmada com a esperança de uma possível data posterior, que logo perdeu força por agravamento da situação da pandemia.

Para o presidente do Conselho Municipal do Carnaval e Outras Festas Populares (Comcar), Jairo da Mata, o cancelamento gerou dificuldades gigantescas para todos os envolvidos. “O cancelamento do Carnaval de Salvador, embora necessário, deixa um lastro de grandes dificuldades para toda cadeia do entretenimento carnavalesco. O Carnaval de Salvador é o ápice da temporada de verão em nosso estado, com ênfase para nossa cidade, gerando um forte aquecimento na economia local e com reflexo direto e importante em toda cadeia produtiva do setor hoteleiro, gastronômico e de serviços”. E continua. “Eu saliento ainda o forte impacto na economia informal, cujo a festa tem um alto de índice de alcance na camada mais pobre da nossa cidade, que vive dos serviços do mercado informal, a exemplo dos ambulantes, barraqueiros, cordeiros, garçons e etc”.

Reconhecendo a necessidade momentânea para que a festa não fosse realizada, ele não esconde o sentimento de tristeza e de incertezas para o próximo. “Outro aspecto negativo e relevante é acerca dos atores envolvidos com a festa, a exemplo dos artistas, músicos, blocos, trios elétricos. É um momento de tristeza pela perda econômica, igualmente pela perda momentânea de um bem cultural que todos nós amamos. O Carnaval refrigera a nossa alma, mesmo diante de muitas incertezas. Esperamos que em 2022, tenham juízo e consigam a vacina para que nós possamos realizar com muito galhardia a nossa festa”, conclui.

Buscando ajuda do governo
Como forma de auxiliar a retomada dos profissionais, a Associação Brasileira dos Produtores de Eventos (Abrape) bbuscou no Congresso Nacional, a aprovação do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE). O plano nacional busca regulamentar as atividades onde as variáveis epidemiológicas permitam a realização com protocolos, evitando que a demanda seja atendida por eventos ilegais e clandestinos, que já vem sendo amplamente denunciados pela imprensa; e conquistar condições econômicas de sobrevivência para o segmento até que seja iniciada a campanha de vacinação.

Empresário musical e produtor de eventos na Bahia, Wagner Miau, chama atenção para necessidade do programa. "Em Brasília, o Congresso colocou em pauta uma emenda parlamentar, aonde o Governo isentaria a gente por um determinado tempo, dos impostos federais, e daria um crédito federal para as empresas do trade de eventos. Acredito eu que não vai conseguir abranger a todos no país. Estamos falando aí de 3 milhões de profissionais de eventos".

No entanto, Miau acredita que uma alternativa, falando da esfera estadual e municipal, é a intervenção do Governo e da Prefeitura. "Eu acho que além do governo federal, a gente precisava muito do apoio do nosso Desenbahia, do governo do estado da Bahia, que poderia entrar com essa linha de crédito estadual, e a prefeitura de Salvador, onde se destina os impostos de eventos, poderia também nos isentar, por um determinado tempo para a gente poder recomeçar. O governo do estado daria o incentivo financeiro, e a prefeitura de Salvador o incentivo de isenção dos impostos na retomada de evento, acho que era um caminho saudável", acredita.

Para o presidente nacional da Abrape, Doreni Caramori Júnior, a aprovação do plano é uma forma de evitar eventos clandestinos, que colocam a saúde pública em risco. “As festas ilegais no final de ano, como mostrado pela imprensa, revelaram que há uma demanda, que tende a se manter com as férias. O ideal é haja uma regulamentação para que os locais que apresentem condições epidemiológicas permitam a realização de eventos legais, seguindo corretamente os protocolos: de outro modo o Estado estará empurrando toda a demanda para a ilegalidade, como temos visto. É o melhor caminho para se evitar a clandestinidade e os riscos à saúde pública”, alerta.

O empresário destaca que entre todas os setores paralisados, o de eventos e entretenimento foi totalmente sacrificado nesse período. “O setor de eventos é o mais sacrificado nesta pandemia do novo coronavírus. Cerca de 97% das atividades estão completamente paralisadas e mais de 450 mil postos de trabalhos formais, entre diretos e indiretos, já foram exterminados”.

Entre as medidas que o projeto abrange estão:

– Obrigar as instituições financeiras federais a disponibilizar especificamente para as empresas do setor de eventos: linhas de crédito específicas para o fomento de atividades, capital de giro e para a aquisição de equipamentos; condições especiais para renegociação de débitos que eventualmente essas empresas tenham junto a essas instituições, mesmo se forem optantes do Simples Nacional.

– A extensão das condições da Lei Nº 14.046, sobre o adiamento e o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e de cultura em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da Covid-19.

– A Extensão das condições da Lei 14.020 para manter a suspensão e redução dos contratos de trabalho do setor, uma vez que as atividades do setor não voltaram e não há condições de reintegrar os trabalhadores antes disso.

“A aprovação do PERSE é essencial para promover crédito, preservação dos empregos, manutenção do capital de giro das empresas, financiamento de tributos e desoneração fiscal. Somente dessa forma, será possível evitar o colapso total do setor”, reforça Doreni.

Nesta quarta-feira (3), o Perse foi aprovado na Câmara dos Deputados e a matéria será enviada ao Senado. O texto aprovado é um substitutivo da relatora, deputada Renata Abreu (Pode-SP). Já o projeto é de autoria do deputado Felipe Carreras (PSB-PE) e de outros sete deputados.

Passeata de protesto dos profissionais do trade
Sem perspectivas para o futuro, profissionais do setor realizaram em Salvador, uma manifestação para cobrar respostas das autoridades. No último dia 11, trabalhadores das atividades de entretenimento e eventos paralisaram a capital baiana em busca de chamar atenção para a situação que enfrentam há um ano.

Músicos, produtores, roadies, técnicos de som, luz e led, seguranças, dançarinos, carregadores, motoristas, garçons, cozinheiros, barmans, cordeiros, empresários, artistas e toda a categoria do entretenimento foram convocados para a manifestação pelo grupo SOS Entretenimento. Sem trabalhar, por causa da pandemia, eles alegam que precisam ser ouvidos pelo poder público.

Crescimento dos casos de coronavírus
Um ano após os primeiros casos de covid-19, o que transformou o país, os números da doença voltaram a crescer em diversos estados do Brasil, o que impacta diretamente na retomada de eventos. A chamada "segunda onda" de coronavírus, fez com que toques de recolher fossem instalados em inúmeras cidades, e colocou qualquer avanço no setor de eventos de volta à estaca zero.

Com alta ocupação das UTIs na Bahia, por exemplo, novos decretos estaduais e municipais foram instaurados, mantendo a proibição da realização de eventos com grande número de pessoas. O Governo do Estado proíbe a realização de eventos e atividades, em todo o território do Estado da Bahia, independentemente do número de participantes, ainda que previamente autorizados, que envolvam aglomeração de pessoas, tais como: eventos desportivos coletivos e amadores, cerimônias de casamento, eventos recreativos em logradouros públicos ou privados, circos, eventos científicos, solenidades de formatura, passeatas e afins, bem como aulas em academias de dança e ginástica no período de 03 de março a 1º de abril.

Classificação Indicativa: Livre

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