Justiça

Audiência de Custódia: promotor relaciona alto índice de solturas a impunidade

Publicado em 28/07/2017, às 05h20   Tony Silva


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Relatando um dos casos em que atuou, envolvendo um acusado julgado em duas audiências de custódia, o promotor de Justiça do núcleo do Júri do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Davi Gallo Barouh, criticou o resultado das audiências baianas, com mais de 61% do total das prisões em flagrante convertidas em liberdade provisória. Gallo também criticou a legislação penal e sugeriu endurecimento nas leis contra o crime. Essa entrevista dá continuidade a série de matérias produzidas pelo BNews após a divulgação do balanço nacional das audiências de custódia publicado no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O promotor ilustrou o que classifica como “ciclo vicioso da criminalidade” em um caso que ele atuou há seis meses. “Um indivíduo foi preso por assalto a ônibus e na audiência de custódia eu dei um parecer para a conversão do flagrante em prisão preventiva, mas a juíza não acolheu. Quando um servidor da central de flagrantes informou que o mesmo indivíduo foi preso sete dias antes por um crime semelhante e, posteriormente, solto em audiência de custódia. A partir daí, foi verificado nos registros que confirmaram a informação. O acusado era reincidente e havia recebido liberdade provisória na primeira audiência de custódia e teria a segunda liberdade, se não fosse o alerta do funcionário. Após isso, ele teve a preventiva”, relata o promotor.

Para Gallo, os acusados que recebem liberdade provisória através das audiências de custódia na Bahia têm a tranquilidade de voltar a cometer delitos. “61.89% das audiências terminaram em liberação de delinquentes com seus retornos às ruas para tranquilamente continuarem a cometer os mesmo crimes, que o levaram à primeira audiência de custódia”, comentou.

O promotor do MP-BA ressalta que as liberdades concedidas pelas audiências de custódia geram a falta de temor às leis e falou da existência de um ciclo vicioso, alimentado pela impunidade.

“É de bom alvitre ressaltar que, a grande maioria destes delinquentes que foram graciosamente liberados pelo Poder Judiciário, em alguns casos com a aquiescência do Ministério Público, ao retornarem para as ruas agirão criminosamente sem o temor de nada, pois sabem que nada lhes acontecerá, pois ao serem detidos novamente pela prática de outro crime terão a certeza de que será libertado, vindo a formar este círculo vicioso o qual é alimentado pela impunidade”.

O promotor atribui o aumento da criminalidade ao grande número liberdades provisórias. “É claro que este fato reflete de forma decisiva no aumento da criminalidade, pois o criminoso hoje no Brasil age na certeza de que não será punido, sendo a maior prova do que estou falando estes dados porcentuais fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça”.

Davi Gallo reforça sua posição contrária às audiências de custódia. “Sempre me coloquei em uma posição de desconfiança em relação às audiências de custódia. Hoje não tenho dúvida nenhuma de que elas existem, aliás como tudo no nosso país, como sendo mais uma forma de favorecer os criminosos”, desabafou.

Ainda de acordo com o promotor de Justiça, na medida em que ganham liberdades nas audiências de custódia, os acusados retornam às ruas muito mais tranquilos e “cônscios da impunidade e livres para cometerem todo tipo de crimes”. “Fato este que faz parte do cotidiano baiano e brasileiro. Com toda certeza, o resultado fornecido pelo CNJ sobre as audiências de custódia reflete de forma positiva para o criminoso em nosso Estado”, concluiu.

Promotor de Justiça pede leis mais rigorosas

Davi Gallo pediu “leis mais rigorosas no Brasil do que as que aí estão”. O promotor criticou a fragilidade das leis penais disparando contra um deputado federal.

“Esta semana tive o desprazer de ver uma entrevista dada por um deputado federal, em que ele relata que irá propor um projeto de lei que irá limitar o prazo da prisão preventiva. Claro que ele está legislando em causa própria, pois certamente está envolvido em algum caso de roubalheira da república, mas caso isso venha vingar, perderemos um dos poucos instrumentos legais, capazes de minimizar os altos índices de violência que estão assolando este País e, em especial, o nosso outrora ‘estado da alegria’, também chamado Bahia”.

Aprofundando as críticas, Davi Gallo destacou a contramão de Brasília na produção de leis de combate ao crime. “É incrível que, na medida em que aumenta a violência no Brasil, Brasília produz leis benevolentes ao criminoso, portanto, verdadeiro estímulo à violência”.

O investimento na segurança pública, desde unidades de policiamento até pessoal, não é a única solução para o problema. "Já venho falando há algum tempo que de nada adiante aumentar o número de policiais e de delegacias se as leis penais não forem mudadas. São muitos os benefícios para o criminoso. É saidinha disso, saidinha daquilo, tantas progressões no regime prisional que, depois que os juízes fazem as contas, o Estado é que está devendo dias para o criminoso", asseverou.

Davi Gallo ainda fez duras críticas à legislação penal. “Precisamos de uma Lei de Execução Penal de verdade, não essa piada de mau gosto que aí está. O marginal após ser preso e condenado, coisa rara no Brasil, passa a ter muito mais direitos que o cidadão de bem tem aqui fora”, afirma.

Segundo Gallo, antes das audiências de custódia, havia mais temor do acusado sobre expectativa da possibilidade da punição.

“O criminoso outrora, antes de cometer um crime, ainda tinha dúvida se seria apenado de alguma forma. Hoje, com as audiências de custódia, ele tem a certeza de que nada lhe acontecerá, pois o que se pretende é que ele não seja preso nem pague pelos erros que cometeu, pois sua prisão não interessa ao Estado. Neste caso a população que se lixe”, disparou o promotor, ao acrescentar uma afirmação preocupante: “infelizmente, somos o país da impunidade. Pior, impunidade patrocinada pelo estado brasileiro”.

O BNews solicitou ao Tribunal de Justiça da Bahia a atualização de dados sobre as audiências de custódia baianas, mas até o encerramento desta matéria não recebeu nenhuma resposta. A série "audiência de custódia" segue com mais análises críticas de especialistas e juristas nos próximos dias.

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