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Jequié: Advogado ingressa com ação popular para afastamento do prefeito Sérgio da Gameleira

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Ação argumenta que Sérgio da Gameleira causou danos ao erário público  |   Bnews - Divulgação Reprodução

Publicado em 14/07/2020, às 16h15   Marcio Smith



Um advogado de Jequié ingressou com uma Ação Popular pedindo o afastamento do prefeito da cidade, Sérgio da Gameleira (PSB), por conta de um suposto ato de improbidade administrativa praticado pelo prefeito juntamente com uma empresa de construção.

O advogado argumenta que a atitude de Gameleira em contratar a empresa para reforma de 82 escolas visava "enriquecimento ilícito e lesão ao erário". Em 2 de julho, a Polícia Federal (PF) juntamente com a Controladoria Geral da União (CGU) deflagrou uma operação que apura fraudes em licitações e desvio de verbas públicas em Jequié, nomeada de Operação Old School. 

Vale lembrar que Gameleira já foi afastado da prefeitura pelos vereadores, mas retornou ao cargo. Em 16 de junho, os vereadores aprovaram o afastamento do prefeito, após ter sido denunciado à Câmara de Vereadores de Jequié por ter que pagar multas por não repassar ao INSS os valores descontados nos contracheques dos servidores municipais. Além disso, foram apontadas supostas fraudes em dispensa de licitação e o atraso, em mais de dois meses, no pagamento dos trabalhadores da prefeitura.

O pessebista retornou ao cargo após uma determinação da Justiça em 19 de junho. Em sua decisão, o juiz afirma que "analisando os autos em epígrafe, constata-se que a votação pelo Plenário da Câmara de Vereadores de Jequié fora de 10 (votos) a 06 (seis) pelo recebimento da denúncia e afastamento provisório, por 90 (noventa) dias, do chefe do executivo, ora impetrante, o que, mesmo pelo princípio da simetria padece de vício, visto que não observou o quórum qualificado de 2/3 (dois terços)".

Na Ação Popular, o advogado baseia-se no relatório da CGU para defender a existência de "evidências claras de fraudes e grande prejuízo ao erário público municipal".  

"Saliente-se que ficou constatado nos pareceres técnicos nítido direcionamento à empresa vencedora do certame, inclusive com exigências descabidas com o precípuo fim de que essa saísse vencedora. Por outro lado, há inúmeras irregularidades também após o início da execução da obra contratada, como superfaturamento, medição inferior à realidade, o que gerou um prejuízo sem precedentes aos cofres do município", argumenta.

Veja irregularidades apontadas na Ação:

Ausência de projeto básico:

"A ausência de projeto básico fora atestada pela própria administração local da data de 25 de marco de 2019, conforme o parecer da Controladoria-Geral da união – Regional Bahia", argumenta.

Além disso, a Ação defende que o projeto básico é fundamental na elaboração de obras públicas e que a ausência de projeto básico "gera a falta de idoneidade para uma adequada concretização das mesmas".

Orçamento sem embasamento e obras sem planilhas de preços por objeto:

"O orçamento é peça que está intimamente ligada ao projeto básico. Assim sendo, a falta deste gera vício que eiva de nulidade o procedimento licitatório", defende o advogado.

Além disso, o advogado aponta que num parecer técnico do Ministério Público da Bahia (MP-BA) indica que não existe quantidade e nem valores dos serviços realizados em cada escola. De acordo com o entendimento defendido pela Ação, a falta dos valores específicos para cada reforma denota-se "insuficientes e imprecisos, fugindo assim da razão da lei e aumentando os indícios de existência de fraude".

Licitação única, lote único, julgamento por preço e prazo de 90 dias:

O edital da prefeitura de Jequié determinou que apenas uma empresa seria responsável pela realização das reformas nas 82 escolas. O advogado defende que "uma grande tarefa que por óbvio não seria possível ser realizada apenas por uma única empresa, mormente, considerando a extensão territorial da cidade, bem como as localidades das escolas distritais que também têm expressivas distâncias entre uma e outra".

"A forma que fora contratada (lote único e prazo de 90 noventa dias) revela as dificuldades previsíveis que NITIDAMENTE FORAM DESOCONSIDERADAS PELO GESTOR PÚBLICO MUNICIPAL e completamente contrárias aos princípios basilares da administração pública, principalmente no que concerne aos princípios da eficiência e moralidade administrativa", argumenta o advogado.

Dupla garantia e atestado de visita técnica:

O advogado defende que o edital conteve cláusulas que se revelaram restritivas como: A) exigência cumulativa de patrimônio líquido mínimo e garantia: "que configura se na comprovação de uma garantia de no mínimo 05% (cinco por cento) do valor das obras, a serem prestados em um lapso temporal de até 10 (dez dias), contados da assinatura do referido contrato, bem como exigiu uma comprovação de patrimônio no montante de 10% (dez por cento) no valor estimado do objeto" e 

B) exigência de atestado de visita ou declaração com firma reconhecida, de acordo com o advogado existe precedente demonstrando a ilegalidade [Acórdão 1301/2015].

Subcontratação de empresa de funcionária da prefeitura sem comprovação técnica:

Baseado no relatório realizado pela CGU,  o advogado apontou que a subcontratação da empresa de uma funcionária da prefeitura violaria o artigo nono da Lei  8.666/93 [veja print abaixo]. 

"De forma que, por si só, a referida contratação macula-se e denota mais uma vez ter finalidade contrária ao interesse público e aos princípios que regem à Administração Pública [...] como foi confirmado pelo relatório já mencionado, a empresa da funcionária não comprovou aptidão técnica, (muito ao revés, vez que sequer possui funcionários), tampouco consta autorização da Prefeitura para a subcontratação da forma que regula a lei", argumenta. 

Atraso nas obras:

O contrato teve início em 21 de agosto de 2017. O advogado aponta que em abril de 2018, "apenas 50 (cinquenta) escolas haviam sido iniciadas, um atraso de 08 (oito) meses após a celebração do contrato. Constatado o grande atraso o próprio Prefeito, por meio da portaria 275/2018 criou uma comissão de acompanhamento e fiscalização das obras e fora constatado no dia 27 de dezembro de 2018 que as unidades escolares da zona rural sequer tinham sido finalizadas, e as obras da sede estavam ainda mais atrasadas; nesse ínterim já haviam sem passado (16) dezesseis meses da celebração do contrato entre as demandadas".

Ainda segundo o advogado, o relatório da CGU demonstra que 31 escolas não tiveram reformas até janeiro de 2019 [1 ano e meio depois da contratação]. "Nota-se que os empreendimentos encontra-se com excedente atraso em sua execução, sendo que das 82 (oitenta e duas) obras contratadas em janeiro de 2017, apenas 23 (vinte e três) haviam sido entregues entre os meses de janeiro e fevereiro de 2019, após um ano e meio da data contratual", afirmou.

Superfaturamento na execução das obras:

De acordo com o advogado ficou comprovado no parecer do MP-BA o "superfaturamento por inexecução das obras". Assim ficaria comprovado os danos aos cofres públicos.

"Dessa forma, ficou comprovado pelo aludido relatório que 32% (trinta e dois por cento) do que já havia sido pago, não foi executado. Anexa-se a presente ação, parecer do Ministério Público do Estado da Bahia, detalhando a discrepância entre os quantitativos de serviços medidos pela empresa vencedora e os
aferidos pela análise técnica", afirmou. 

Inconsistência dos boletins de medição:

"Comparando em uma análise técnica in locu, com as medições apresentas pela demandada para autorização dos pagamentos, verificou os técnicos do Ministério Público Estadual a total inconsistência com a realidade da obra executada. Assim, diversos serviços medidos e atestados pelo fiscal da obra sequer foram iniciados", argumenta.

Além disso, o advogado indica que o MP-BA constatou inexecução das obras nas escolas superam 50% do relatado pela empresa nos boletins de medição.

Serviço prestado em desconformidade com especificações técnicas:

"Registrou-se que os serviços prestados pela empresa contratada não empregaram material de qualidade e constatou-se que houve inúmeras irregularidades decorrentes de falhas no processo executivo, tais como: caimento inadequado de pisos de sanitário, forros de PVC, e empoçamento d`água", afirmou.

Ausência de planejamento prévio do objeto licitado:

"Conforme já elencado fora constatado tanto pelo parecer fiscalizatório do Ministério Público do estado da Bahia, quanto no relatório de apuração da CGU que diante da ausência do planejamento prévio e somente uso da planilha apresentada houve danos ao erário público por não condizer a obra executada com a realidade das unidades escolares", defendeu.

Além disso, o advogado ressalta que os órgãos fiscalizadores (MP-BA e CGU) demonstraram desvio de conduta dos envolvidos.

Fuga do objeto licitado:

"Restou cristalino no parecer técnico – CEAT do Ministério Público do Estado da Bahia que nas escolas Boa Vista, Min. Simões Filho e Prof. Wilma Brito Sarmento foram identificadas obras diferentes da pactuadas, novas estruturas, restando inconclusas, e essas com problemas[..] Insta salientar que tais obras ainda encontram-se com problemas de subdimensionamento, (vide REFEITÓRIO DA ESCOLA WILMA BRITO SARMENTO); tal fato, além de demonstrar a fuga do objeto inicial do certame, qual seja, reforma das escolas, representam verdadeiro desvio do emprego dos recursos públicos", finaliza o advogado.

Relembre a Operação Old School

Em 2 de julho, a PF e a CGU deram início a uma operação que apura fraudes em licitações e desvio de verbas públicas em Jequié. Foram cumpridos 17 mandados de busca e apreensão, além de seis medidas cautelares de afastamento de função pública, inclusive do prefeito de Jequié, Sérgio da Gameleira, expedidos pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).

As investigações tiveram início no final de 2018, a partir de representação formulada por vereadores de Jequié. Os parlamentares desconfiaram da vitória constante da mesma empresa em diversas licitações do município, sendo que, em um dos procedimentos, para promover a reforma de 82 escolas nas zonas rural e urbana, os serviços estariam sendo executados de maneira manifestamente insatisfatória.

A partir daí, de acordo com a Polícia Federal, foi-se apurado que o município de Jequié celebrou com a empresa em questão um contrato de quase R$ 8,9 milhões, valor a ser pago com recursos do FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e da Valorização do Magistério), e que, de fato, os serviços nas escolas eram de qualidade ruim.

Ainda segundo a PF, foi constatado também que a licitação foi realizada na modalidade “Lote Único”, em contrariedade ao que determinam a Controladoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União, e ainda com o prazo de execução das reformas das 82 escolas em apenas três meses. 

As investigações agiram no sentido de apurar que na licitação não havia um Projeto Básico para as reformas, estipulando-se apenas o valor a ser gasto, o que acabou por deixar à escolha da empresa vencedora o que deveria ser feito em cada unidade escolar.

Além da Polícia Federal e da CGU, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) e o Conselho Municipal de Educação também realizaram vistorias nas obras das escolas, fundamentais para a caracterização das fraudes, sendo que em todas elas foram constatadas falhas graves na execução do serviço de reformas, com emprego de materiais de baixíssima qualidade, além da inexecução de vários serviços.

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