Justiça

Para evitar nova tensão entre Poderes, STF atrasa discussão sobre foro especial

Agência Brasil
Novo julgamento poderia preencher lacunas sobre atuação de juízes de 1º grau, mas risco de revés para o Congresso e filho de Bolsonaro emperra debate  |   Bnews - Divulgação Agência Brasil

Publicado em 19/08/2020, às 06h07   Folhapress


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A ala do STF (Supremo Tribunal Federal) que defende um novo julgamento do foro especial para delimitar o poder de juízes de primeira instância em investigações contra parlamentares recuou para evitar um revés para o Congresso e uma nova tensão entre Poderes.

Decisões recentes dos ministros Marco Aurélio e Rosa Weber indicaram cenário desfavorável à classe política em uma eventual rediscussão do tema.

O Legislativo tem pressionado o Supremo a preencher lacunas sobre as novas regras do foro decididas em 2018, quando a corte restringiu o tratamento diferenciado a delitos cometidos durante o mandato e em função do cargo.

Na visão de ministros do STF, três aspectos centrais precisam ser esclarecidos para dar mais segurança jurídica à atuação do magistrado de primeiro grau nessas situações.

A primeira diz respeito à consequência de uma ação da Justiça para a atividade legislativa; a segunda é sobre a extensão do foro ao local de trabalho, no caso, o Congresso; e a terceira trata do chamado "mandato continuado" —um exemplo é Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que de deputado estadual passou a senador.

Em relação às duas primeiras, o STF tem dado decisões conflitantes.

O presidente da corte, Dias Toffoli, suspendeu mandados de busca e apreensão no Congresso em 21 de julho, mas Marco Aurélio e Rosa Weber tomaram decisões opostas dias depois.

Diante dos despachos conflitantes sobre o limite dos poderes de juízes de primeira instância ao investigar autoridades, aumentou a pressão para o Supremo rediscutir o assunto.

A decisão da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de conceder foro a Flávio fora das regras do STF e 17 ações apresentadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) sobre o tema também contribuíram para o assunto voltar a ganhar força nos bastidores do Supremo.

Uma ala do STF tem defendido a necessidade de o tribunal delimitar melhor a atuação do juiz de primeiro grau para determinar diligências que possam, por exemplo, afetar o exercício do mandato de congressistas investigados.

Integrantes do Supremo dizem acreditar que a decisão que restringiu o foro fixou uma tese genérica e que é preciso se debruçar sobre o assunto mais uma vez.

Toffoli é um dos entusiastas da ideia. Em julho, o ministro suspendeu decisão de primeiro grau que havia autorizado operação de busca e apreensão no gabinete do senador José Serra (PSDB-SP).

A Câmara e o Senado aproveitaram a oportunidade para reforçar ao STF o pedido para que a corte limite os poderes de magistrados de primeira instância de mandar a polícia entrar no Congresso.

Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do Supremo se alinharam para impor restrições à atuação dos juízes em apurações contra políticos com mandato.

A ofensiva, porém, não sensibilizou a maioria do Supremo. Com o cenário desfavorável ao Congresso e ao filho do presidente Jair Bolsonaro, Toffoli decidiu não levar ao plenário o julgamento de recursos que poderiam aperfeiçoar o instituto e evitar decisões conflitantes no Supremo.

Ao negar reclamação da Câmara contra busca e apreensão no gabinete do deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), Marco Aurélio foi claro ao afirmar que o foro especial é concedido à autoridade, não ao local em que trabalha.

O ministro também se antecipou e rejeitou solução aventada nos bastidores de submeter as decisões de primeiro grau que afetem a sede do Legislativo à decisão do STF.

Segundo Marco Aurélio, é "impróprio cogitar" a possibilidade de dar ao Supremo o "papel avalizador" dos despachos de instâncias inferiores.

Ao suspender as buscas no gabinete de Serra, no entanto, Toffoli disse que a operação policial poderia apreender documentos e equipamentos essenciais ao exercício do mandato.

Na semana seguinte, a Justiça do Piauí determinou operação contra o governador do estado, Wellington Dias (PT), e a primeira-dama e deputada federal Rejane Dias (PT-PI).

Como precaução, o magistrado pediu autorização do STF para realizar operação na Câmara.

Rosa Weber, porém, afirmou que a solicitação não era necessária e disse que a atual jurisprudência do Supremo não exige crivo da corte para atuação dos juízes na investigação de congressistas.

A ministra ressaltou que a competência da corte só ocorre nos casos definidos, em 2018, pelo STF: em delitos cometidos durante o mandato e em razão dele.

Os ministros Celso de Mello e Luís Roberto Barroso também já deram decisões em que declararam que o foro é da autoridade, e não do local.

Apesar das críticas sobre lacunas na decisão do STF, os ministros concordam que, no geral, a restrição do foro foi positiva para o tribunal. Isso porque a decisão retirou o peso político da corte de conduzir todas as investigações contra congressistas, além de ter aliviado a sobrecarga processual nos gabinetes.

Flávio, investigado por suposta "rachadinha" em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio quando era deputado estadual, enquadra-se no chamado "mandato continuado". O caso tem como relator no STF o ministro Gilmar Mendes e deve ser julgado pela 2ª Turma da corte, mas ainda não tem data definida.

O TJ-RJ entendeu que o filho do presidente tem foro porque ele saiu da Assembleia do Rio e foi para o Senado e não ficou sem mandato por nenhum dia. Assim, o caso foi para a segunda instância.

Em tese, no entanto, o processo não segue os dois requisitos estabelecidos pelo STF. A suposta prática da "rachadinha", pela qual ele é investigado, teria ocorrido quando era deputado estadual, não no mandato atual de senador.

O advogado constitucionalista Saul Tourinho Leal afirma que, quando há decisões conflitantes dentro do STF que resultem em tratamento diferenciado para pessoas em situações similares, o ideal é o tema ser discutido no plenário.

"Sempre que a gente percebe uma variação jurisprudencial que tira do tema a seguranca jurídica necessária para todo Judiciário definir a questão de maneira uniforme, o ideal é que o tribunal, de maneira colegiada, se pronuncie a fim de pacificar o entendimento do tribunal a respeito."

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