Justiça

Quatro anos depois, processo sobre incêndio de lancha avaliada em mais de R$ 7 milhões segue sem desfecho

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Top Engenharia atribui responsabilidade de incêndio de lancha a funcionário do empresário Nelson Taboada. Defesa de Taboada, por sua vez, afirma defende que veículo não pertencia mais a ele quando o sinistro ocorreu  |   Bnews - Divulgação Reprodução / Galiti Yatchs

Publicado em 16/10/2021, às 11h30   Redação BNews


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Próximo a completar quatro anos, o incêndio da lancha Athena, avaliada em RS 7.170.000 milhões, segue pendente de um desfecho na Justiça. O sinistro aconteceu no estaleiro Corema, localizado no bairro da Ribeira, por volta das 18h50 do dia 16 de novembro de 2017 - uma quinta-feira. 

De acordo com os autos do processo, aos quais a reportagem teve acesso, a única pessoa na embarcação no momento do sinistro era o marinheiro Eloilson de Souza dos Santos, o Buiú. À época ele era funcionário do dono do veículo, o empresário Nelson Taboada.

Dias antes do incêndio, Taboada, por meio de sua empresa, a Terra Norte Empreendimentos Rurais e Comerciais, havia firmado um acordo com a Top Engenharia, outra organização, representada por Alexandre da Cunha, para realizar a venda da lancha.

A partir do laudo produzido pelos peritos da Polícia Civil, o inquérito produzido pela 3ª DP - Bonfim concluiu, em maio de 2018, que o incêndio havia sido culposo - sem intenção - e atribuído a Jaqueson de Jesus e Altamirando dos Santos.

A dupla, contratada pela Top Engenharia LTDA, trabalhou na embarcação, na tarde anterior ao incêndio, utilizando, entre outras ferramentas, uma  "politriz" - objeto elétrico usado para realizar polimentos na lancha. O delegado Carlos Henrique de Oliveira Luiz encaminhou material ao Juizado Especial Criminal (Jecrim) e descreveu o crime como sendo de "pequeno potencial ofensivo". 

"[...] Os signatários destacam que a causa mais associada ao incêndio foi o superaquecimento provocado por folga ou soltura dos cabos da extensão que faziam a ligação da tomada localizada em terra, ao transformador que alimentava a 'politriz'", conclui o laudo produzido por peritos da Polícia Civil ao longo de um trabalho de três dias - 17, 21 e 19 de novembro de 2017.

A metodologia de produção do documento incluiu, segundo o próprio laudo, a realização de exames no local, coleta de relatos de testemunhas e consulta em literatura técnicas. Assim, foi concluído que o incêndio teve início no lado esquerdo da área do convés, próximo à proa do barco - parte dianteira de uma embarcação. 

O trabalho pericial, entregue pouco mais de cinco meses após o incêndio, também concluiu que foram identificadas deficiências nas instalações elétricas do estaleiro, com "nível exagerado de oxidação" de disjuntores e tomadas.

Em outro despacho da 3ª delegacia territorial, de 14 de maio de 2018, é dito que a pena para o delito é de seis meses a dois anos. O processo foi encaminhado para a 6ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais Criminais de Salvador. 

Contudo, após pedidos da defesa dos acusados por novas perícias, a unidade declinou do processo, que acabou distribuído à 3ª Vara Criminal de Salvador. Atualmente, segundo a assessoria de comunicação do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), o feito tramita na unidade em segredo de justiça - informação refutada pela defesa dos trabalhadores. 

Acusações

Segundo o advogado Tiago Pugliese, que representa a Top Engenharia, bem como Jaqueson de Jesus e Altamirando dos Santos, o processo está agora com o Ministério Público da Bahia (MP-BA), vinculado à 3ª Vara Criminal, para que o órgão "ofereça denúncia de quem efetivamente possa ter cometido o crime".

Ele destaca que seus clientes não estavam no local no momento do incêndio, quando ele ocorreu. "Seria oferecer a denúncia em face do Eloilson, o Buiú, e colocando, inclusive, o Nelson Taboada como vítima. Ele é o proprietário registrado da embarcação", defendeu o advogado durante entrevista na manhã da última quinta-feira (14). 

Pugliese defende que havia o acordo de compra e venda da lancha não foi efetivado, e avalia que, mesmo que isso houvesse ocorrido, Taboada teria de ser responsabilizado na esfera civil, uma vez que Buiu sempre foi seu funcionário, e "o é até hoje". 

"Sem autorização de ninguém, o Eloilson permaneceu na embarcação para pernoitar. Imagine você em um lugar sem energia, sem nenhuma condição de uma pessoa pernoitar. Ele sai para comprar comida, volta, começa a cozinhar e o incêndio se inicia. Ele é a única pessoa que estava no barco", afirma o advogado.

Dois dias após a publicação original da reportagem, e dez dias após ser procurado pelo BNews - no último dia 8 de outubro - , o  Ministério Público da Bahia (MP-BA), por meio meio de sua acessoria de comunicação, informou, por nota, que Jaqueson de Jesus Santos e Altamirando Antônio foram denunciados na última sexta-feira (15) por terem culposamente causado o incêndio da embarcação. 

"Segundo a denúncia, Jaqueson de Jesus Santos e Altamirando Antônio dos Santos foram contratados para fazer o polimento geral na lancha. Durante o lixamento, Jaqueson Santos utilizou um equipamento de politriz movida a energia elétrica. Após encerrarem os trabalhos, eles saíram e deixaram o equipamento no "flyfridge" (área usada para lazer e pilotar a embarcação) conectado a energia elétrica externa, por meio de uma extensão", afirma a nota.

A reportagem perguntou a defesa de Nelson Taboada se o marinheiro Eloilson de Souza dos Santos, o Buiú, ainda hoje trabalha para o empresário. Também citamos que uma das testemunhas do processo disse que na época do incêndio Buiú estava vivendo dentro da embarcação, e questionamos o motivo disso ter acontecido, se ele tinha autorização de Taboada para permanecer na embarcação enquanto estava no estaleiro do Corema.

Contudo, em nota encaminhada à reportagem na noite da última quarta-feira (13), os advogados de Taboada preferiram não responder estas questões.

Depoimentos 

Em depoimento à 3ª DT - Bonfim, Jaqueson de Jesus disse que, no dia do incêndio, fez o lixamento na parte superior do convés - com uma lixa de água e mangueira de água - antes de usar a politriz por cerca de duas horas. Segundo ele, a ferramenta, movida à eletricidade, foi ligada ao quadro elétrico do Corema, localizado há 30 metros da embarcação. Jaqueson também disse que a extensão usada para realizar o serviço era dele, e havia sido adquirida oito meses antes do incêndio. 

Questionado se tinha nota fiscal do equipamento, o trabalhador respondeu que não, uma vez que havia adquirido o equipamento no Rio de Janeiro. Disse ainda que a máquina era emborrachada e que não houve nenhum aquecimento. Por fim, afirmou que por volta das 16h40 parou os serviços e passou a recolher os equipamentos. Posteriormente, segundo ele, Altamirando foi quem enrolou e guardou a extensão. 

Jaqueson garantiu que desligou o quadro do Corema ao final do processo. Em seu depoimento, Altamirando dos Santos confirmou que, ao final do expediente, foi Jaqueson quem desligou o cabo de energia no painel do estaleiro, enquanto coube a ele próprio enrolar o cabo. O ajudante acrescentou que os materiais utilizados no serviço foram guardados na parte superior da embarcação, em um lugar para guardar ferramentas.

O trabalhador descreveu ainda que Jaquenson desligou a extensão no painel do estaleiro que foi guardado com a politriz e outros equipamentos na lancha. Altamirando acrescentou que chegou a pegar na ferramenta de polimento, e a mesma não estava quente. Outros depoimentos colhidos corroboram a tese destacada pela defesa dos trabalhadores de que os disjuntores do estaleiro Corema eram desligados após às 17h. 

Em 2018, durante seus respectivos depoimentos, quatro testemunhas - Fernando Santos Mata Virgem, responsável pelo estaleiro Corema; Crisvaldo Pereira de Jesus, o eletricista do local, e responsável pela manutenção elétrica; e os Vigias do estaleiro na noite do incêndio, Antonio Faria e Gilberto Marques - deram declarações no sentido de que não havia abastecimento elétrico no local no horário do incêndio.

Mata Virgem disse à polícia que o estaleiro estava fora do expediente na hora do sinistro , com as fontes de energia desligadas a partir das 17h - como de costume. Ele explicou que somente refletores e luzes do prédio de vigilância estavam funcionando. Já o eletricista do Corema disse que antes de deixar o local, após o final de seus expediente, às 17h, verificou o disjuntor e constatou que este estava desligado. Por fim, os vigias também disseram que fontes de energia estavam desligadas na hora do incidente. 

Com base nisso, a defesa de Jaqueson e Altamirando- paga pela Top Engenharia - argumenta que qualquer conclusão de que a causa do incêndio teria sido um curto-circuito por alimentação de energia seria “improvável”. Em resposta a Depom, em junho de 2020, a Coelba informou que conforme dados de medição extraídos do sistema Hemera, no dia 16/11/2017, o cliente iniciou o consumo de energia aproximadamente às 17h e interrompeu o consumo às 7h do dia seguinte, mantendo a carga constante, consumindo 36,59 KWh".

Os advogados, que também representam os interesses da Top Engenharia, acusam Nelson Taboada, e a empresa que ele representa, de ter interesses de que a responsabilidade do incêndio recaia nos trabalhadores, contratados pela organização. Os advogados citam ainda a existência de uma ação indenizatória "de cifra milionária" para que Taboada e a empresa possam "enriquecer ilicitamente às custas" da Top Engenharia. 

"Trata-se de litígio em que, de maneira leviana e temerária, a Terra Nova imputa a responsabilidade do incêndio e consequentes danos da lancha 'Athena' à Top, alegando, a princípio, que todas as condições contratuais já teriam ocorrido, de modo que a posse da Lancha já teria sido transferida à Top", avaliam os representantes da empresa ao MInistério Público da Bahia (MP-BA) em 21 de novembro de 2018.

A defesa de Taboada, por sua vez, defendeu que na época do incêndio, a Top Engenharia Ltda já assumira a propriedade da embarcação, e que as circunstâncias postas afastam a tese de que o empresário teria interesse em "enriquecer ilicitamente" com o incêndio da lancha Athena .

Dúvidas

Na comunicação à 6ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais, em 10 de agosto de 2018, os advogados da Top Engenharia também informam que a empresa havia providenciado um Parecer Técnico Pericial, realizado pelo ex-perito da Polícia Civil de São Paulo, Eduardo Zocchi, no qual este afirma que não havia nenhuma plausibilidade de se apontar como causa do incêndio uma fonte de energia elétrica externa.

"Cabe ressaltar que o próprio laudo do DPT solicitou novas diligências, que não foram atendidas na fase de inquérito policial", alegou à época. Após a mudança de unidade judicial, em 13 de fevereiro de 2020, a 3ª Vara criminal de Salvador solicitou exames periciais complementares e realizou algumas perguntas que foram respondidas pelos peritos criminais. O primeiro questionamento feito era se havia evidências de que a politriz estivesse ligada por uma extensão à fonte de energia externa durante o incêndio.

Quase um mês depois, em 14 de março de 2020, os peritos explicaram que sim, que ainda haveria materiais queimados da tomada que fazia a ligação da extensão que alimentava a politriz. Destacaram ainda que, durante a realização da perícia, foi feita uma “varredura minuciosa” nos diversos setores da embarcação e não foi detectado a presença da extensão - ou de parte dela. 

“Esse fato não significa que a citada extensão não tenha sido usada antes e deixada instalada ou retirada do local na condição pós incêndio. Nas condições verificadas teria sido normal que a equipe de perícia encontrasse pelo menos parte da extensão, pois as chamas não seriam capazes de destruí-la totalmente”, acrescentou. 

"Acaso a politriz usada com superaquecimento provado por folga ou soltura dos cabos da extensão que faziam a ligação da tomada localizada em terra, ao transformador que a alimentava tivesse sido desligada às 17h, é possível afirmar que ainda assim seria uma fonte de ignição do incêndio ocorrido por volta das 18h50h?”, perguntou em seguida.

Os peritos, por sua vez, responderam que a hipótese seria “plenamente possível”, e observaram que o ato de desligar o equipamento não significa que não exista energia no circuito que a alimenta. 

“Segundo informações do marinheiro, sr Eloilson, a ligação da extensão ao transformador tinha sido feita desencapando os fios, em seguida introduzindo os condutores dentro dos artifícios do transformador fixando-os por fitas isolantes. Esta é uma condição insegura configurando uma irregularidade. Diante das informações, existia a possibilidade de que a ligação da extensão ao transformador estivesse folgada ou mesmo ter se soltado”, disse.

“A folga de condutores em ligações ou contatos entre eles seja entre cabos ou mesmo ligados a dispositivos como tomadas, transformadores, dentre outros, causam pontos quentes ou até mesmo curto circuito. [...] Ainda cumpre esclarecer que os dispositivos de proteção tais como disjuntores e fusíveis não operam em um evento como este”, continuam.

Os peritos também responderam que o incêndio não poderia ser provocado por superaquecimento da politriz ou por um alto grau de oxidação visível no armário dos disjuntores e na caixa de tomadas das instalações do estaleiro. 

Acareação 

Em uma das perguntas respondidas por Jaqueson de Jesus, durante uma acareação realizada em dezembro de 2020, ele explicou que a corrente de energia elétrica disponibilizada pela Corema é de "380 V para cima", bastante elevada em relação a politriz usada nos reparos do barco - de 110 V. 

"Em razão disso, os próprios funcionários da Corema os quais o acareado não sabem dizer quais são em descrevê-los fizeram a conversão da corrente do disjuntor da Corema de 380V para 220V, deixando a partir do disjuntor da Corema um fio com um plug no seu final ao qual deveria ser conectado um transformador, que o transformador converteria a corrente de 220V para 110 V e no final desse transformador seria conectado uma extensão de fio, que por sua vez seria conectado a politriz; que o acareado apenas conectou o transformador 220/110 no fio deixado pelos funcionários do Corema, que estava conectado ao disjuntor e por sua vez contou sua extensão ao transformador 220/110 e a politriz", narra.

O trecho anterior foi tirado do termo da acareação ao qual a reportagem teve acesso.

Na ocasião, Jaqueson também disse que desconectou o transformador 220/110 do fio deixado no disjuntor, mas não mexeu no fio ligado ao disjuntor instalado pelos funcionários da Corema. Afirmou também que o transformador 220/110 pertencia a embarcação, ao passo que reafirmou que a extensão que ligava o transformador a politriz era sua. 

Após a realização do serviço, o material usado, segundo ele, foi recolhido, e o “transformador 220/110 do fio ligado ao disjuntor” desligado. Ele ainda contou que não desligou o disjuntor do estaleiro. O transformador foi carregado até a embarcação, onde foi guardado juntamente com a extensão, a politriz, a lixadeira e a massa de polir - no compartimento localizado abaixo da escada que dá acesso ao flybridge.

A extensão, segundo ele, foi desconectada da politriz. Jaqueson reforçou ainda que quem guardou o material foi Altamirando.  Ele também rebateu Buiú, "sustentando veementemente que nada lhe disse sobre deixar o material passando pelo guarda-mancebo para continuar o serviço no dia seguinte". 

Também negou a afirmação do marinheiro sobre o local no qual guardava os equipamentos, e disse que não viu Eloilson realizar nenhuma inspeção na lancha no dia do incêndio. Buiú, por sua vez, disse que não viu como foi feita a ligação da politriz a uma fonte de energia, não sabendo dizer se a sequência descrita por Jaqueson era a que efetivamente estava no local. Também disse que não viu Jaqueson desconectar os fios e o transformador. 

Disse, contudo, que Jaqueson informou ao funcionário que iria deixar o transformador e politriz dentro do paiol da proa e a extensão passando pelo sobre o guarda-mancebo até terra firme porque no dia seguinte chegaria mais cedo que os funcionários da Corema e já adiantaria o seu serviço.

O marinheiro também afirmou, “com certeza”, ter visto dentro do paiol de proa, localizado a bombordo e na proa da embarcação, tanto o transformador 220/110 quanto a politriz ligados a extensão. Afirmou que havia visualizado o equipamento já por volta das 17h20, quando Jaqueson já havia deixado o local.

Eloilson diz que viu, cerca de 20 minutos após o início do incêndio, dois homens se aproximando do disjuntor para desligá-lo. Um deles branco, 1,60,  aproximadamente 100 kg, sem barba, cabelo preto pintado e idade entre 50 e 60 anos; o outro magro, branco, aproximadamente 1,70, cabelos lisos e pretos, de aparentemente 20 anos. 

O mais velho, de acordo com o relato, teria se aproximado e dito para ele se acalmar. Ele seria um funcionário do estaleiro, pois ele já havia o visto no local em outras situações. Depois disso a dupla foi embora.Os policiais lhe mostraram a foto de uma pessoa para que ele respondesse se aquela era a pessoa que ele havia citado, mas Buiú não o reconheceu como a pessoa que teria desligado o disjuntor.

O vigia Gilberto Marques, por sua vez, disse que não viu se o disjuntor estava ou não desligado, pois estava na portaria do estaleiro. Também disse que não viu pessoas como as descritas por Eloilson no local em momento algum. Já Antonio Faria, o outro vigia noturno que estava no estaleiro e ajudou a socorrer Buiú, disse que notou que os disjuntores estavam desligados apenas no momento em que tentou ligar a bomba de uma máquina do tipo lava jato - que tentou usar para apagar o incêndio enquanto ele ainda acontecia. 

Segundo ele, de fato, existe apenas um disjuntor grande no local, que liga a carreira de alimentação de energia da vaga onde estava o barco. O vigia disse ainda que só se atentou para verificar o disjuntor quando a lancha já estava pegando fogo. Também disse que não viu as pessoas descritas por Buiú. 

Procedimento

Também em agosto de 2018, os advogados da Top Engenharia apontaram, a 6ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais, que havia um procedimento de apuração pendente de conclusão no Departamento de Polícia Metropolitana (Depom), vinculado ao inquérito policial que instituiu o feito, e que precisava ser concluído antes do processo criminal.

Neste procedimento, a Top Engenharia pedia a investigação, pela corregedoria do Depom, sobre “interferência de policial de outra delegacia no inquérito". Os advogados se referiam a José Nogueira, à época lotado na 26ªDT-Abrantes. De acordo com informações da assessoria de comunicação da Polícia Civil, a investigação a respeito da conduta de Nogueira - hoje aposentado - foi concluída em 2019, com sugestão de arquivamento. "Não houve indícios de que o servidor tenha praticado infração funcional", destacou por nota.

Em depoimento de 2018, Sylvia Ferreira Mendonça Mata Virgem, também responsável pelo estaleiro, e esposa Fernando Santos Mata Virgem, citou que havia conhecido Nogueira quando esteve na 3ª DT-Bonfim para registrar o boletim de ocorrência sobre o incêndio. Na ocasião, segundo a descrição do depoimento, ela escutou do esposo que o policial estava lá “a mando” de Taboada.

Disse que ele também esteve no estaleiro durante o trabalho de produção do laudo pericial, mas que manteve distância do local onde os peritos realizavam seus trabalhos. De acordo com o termo de declaração à Corregedoria da Polícia Civil, referente ao depoimento de Nogueira, o policial aposentado afirmou que Taboada havia solicitado que ele desse apoio a Fernando na noite do incêndio. 

Também segundo ele, o responsável por administrar o local, por sua vez, solicitou que ele fosse ao encontro de sua esposa, Sylvia, que estava na delegacia. Segundo o policial aposentado, quando chegou ao local, ela já havia registrado o boletim de ocorrência. Disse ainda, que, “salvo engano”, no “dia seguinte ou dois dias após o incêndio”, Taboada havia solicitado que ele levasse Buiú até o Corema, pois os peritos precisavam do apoio do marinheiro que conhecia a embarcação para realizar a perícia.

Em acareação realizada em dezembro de 2020, com Eloilson de Souza (o Buiú) e Alexandre Cunha (da Top Engenharia), Taboada foi questionado sobre qual tipo de relacionamento tinha com Nogueira. O empresário disse que era amigo do policial, e que havia conhecido ele através de amigos em comum. À época, os processos administrativos sobre a conduta de Nogueira já haviam sido arquivados.   

"Não temos conhecimento dessa decisão. Não fomos notificados dela", informou Pugliese à reportagem na manhã da última quinta-feira (14). A defesa segue argumentando que o inquérito não transcorreu da forma devida.

Acordo

O instrumento particular de venda da lancha assinado em 10 de novembro de 2017,  previa que Taboada levasse a Athena ao estaleiro até 13 de novembro daquele ano para "docagem e inspeção do casco a seco" - algo que seria feito pela Top Engenharia. Se a empresa interessada em adquirir a embarcação se desse por satisfeita, pagaria R$ 3.970 milhões mediante TED à Terra Norte Empreendimentos Rurais e Comerciais. 

Caso os resultados fossem considerados insatisfatórios, poderia desistir do negócio até 14 de novembro sem qualquer ônus. As despesas com a descida e subida da embarcação seriam partilhadas, e a lancha retornaria à Marina. Ainda nesta hipótese, a Top escolheria uma empresa para avaliar os motores da Athena através de inspeção, checagem eletrônica e teste de mar até 25 de novembro daquele ano. 

A lancha seria conduzida por um marinheiro de Taboada - Buiú . Caso fosse identificado algum defeito, falha ou anormalidade, ele arcaria com os reparos. Assim, a posse e propriedade da embarcação só seria transferida a Top após o pagamento integral do valor anteriormente citado. Os advogados de Alexandre da Cunha - da Top Engenharia -, contudo, alegam na Justiça que o negócio não foi efetivado.

Em documento encaminhado à 6ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais Criminais de Salvador - onde o processo do incêndio teve suas primeiras movimentações -, em 10 de agosto de 2018, os defensores narram que Cunha ficou surpreso ao ser citado como vítima no sinistro da embarcação, e defendem que embora houvesse o interesse da Top Engenharia de adquirir a "Athena" - o instrumento particular de venda não se "aperfeiçoou".

Assim, a lancha seguiria pertencendo a Taboada. Em 25 de junho de 2020, a Capitania dos Portos afirmou à Depom que, em seus arquivos, constava associada ao Nelson Almeida Taboada a lancha Athena - vinculada desde 17 de dezembro de 2013. "Por fim, participo que a Capitania dos Portos está impossibilitada de informar qual era o marinheiro responsável pela embarcação na data de 16 de novembro de 2017", concluiu o documento assinado pelo chefe de departamento de segurança do tráfego aquaviário. 

Por meio de nota enviada ao BNews, a defesa de Nelson Taboada afirma que no dia do incêndio, a Top Engenharia Ltda. realizou, por meio de TED, a transferência do valor de R$ 3.970.000 milhões, mas o sistema de pagamentos registrou a devolução da indigitada TED por motivo de erro do remetente na identificação correta da conta corrente beneficiária do crédito. A defesa da Top Engenharia confirma que isso realmente ocorreu. 

"O fato do incêndio que destruiu a embarcação “Athena” no dia 16/11/2017 não afasta a responsabilidade contratual de pagamento assumida pela Top Engenharia Ltda., mormente porque o perecimento do bem se deu após a sua aceitação e enquanto a embarcação estava em sua posse direta, docada sob sua exclusiva responsabilidade no estaleiro COREMA – àquela altura completamente fora das previsões contratuais que não previam a manutenção da docagem para realização de benfeitorias voluptuárias contratadas pela Top Engenharia Ltda, de polimento, raspagem do casco, aplicação de tinta venenosa entre outros", avalia os advogados de Taboada. 

"Isso só evidencia, a não mais poder, que àquela altura a Top Engenharia Ltda já assumira a propriedade da embarcação, posto que não investiria na realização de benfeitorias de alto custo na lancha “Athena” se não tivesse convicção da concretização do negócio. Pensar o contrário seria admitir que a Top Engenharia Ltda estaria realizando serviços sem previsão contratual para beneficiar gratuitamente o Sr. Nelson Taboada, o que não se pode admitir. O que afasta de uma vez por todas a ardil acusação de que o Sr. Nelson Taboada teria interesse em "enriquecer ilicitamente" com o incêndio da lancha 'Athena'", acrescenta.

*Texto editado às 11h50, de 18 de outubro de 2021, para adição de informações encaminhadas pelo MP-BA no final da mesma manhã

Classificação Indicativa: Livre

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