Justiça

O exemplo da Justiça

Publicado em 28/09/2016, às 07h07   Rodrigo Daniel Silva*


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Não é um mal do nosso tempo a troca de farpas entre políticos. Todavia, é um mal do nosso tempo a massiva judicialização dessas trocas de insultos. Se já não bastassem os n processos que chegam à Justiça todos os dias, os magistrados têm agora que solucionar as “picuinhas” dos senhores gestores e parlamentares. Foi-se o tempo em que, na política, até a raiva era combinada, não é Ulysses Guimarães?
Em recentes decisões, o Judiciário brasileiro se mostrou complacente com os chumbos trocados, que nada contribuem para o debate público. Pelo contrário, tão-somente desvia o foco da discussão. Quem acompanha de perto o noticiário político já deve ter notado o que estou falando.
É só estourar uma denúncia sobre uma obra inacabada do governo, por exemplo, que logo aparece o pelotão de frente da oposição para atacar e ofender, sem fundamento nenhum, os situacionistas. Em seguida, os governistas reagem e rebatem os argumentos com outros insultos. E a denúncia acabou-se, quem leu arregalou-se, quem não leu suicidou-se.
Em muitos casos, e cada vez mais, a troca de farpas termina na Justiça, com o ofendido acusando o ofensor de difamação, calúnia e injúria. E o que têm dito os juízes, quando são provocados a se manifestar? Têm dito que os “insultos” estão abrangidos pela imunidade parlamentar. Têm dito que as declarações são do jogo político e que o homem público aceita a inevitável ampliação da exposição de sua vida e de sua personalidade aos comentários e à valoração do público, em particular de seus adversários. Assim sendo, o agressor acaba levando a melhor, pois é absolvido e “de quebra” sai do octógono tendo acertado um cruzado em seu rival.
Resta saber se isto é bom ou se isto é ruim. Será que essas decisões em favor do ofensor não incentivam as trocas de farpas? Será que não empobrece o debate público, uma vez que se desvia o foco da discussão? Por outro lado, será que decisões desfavoráveis ao agressor não podem intimidar que atos ilícitos sejam denunciados e novas perspectivas de escândalos surjam? É bom lembrar que o tempo do “falou, tá falado, não tem discussão” ficou para trás.
É importar relevar também, em letras garrafais, que, embora o Código Penal preveja pena privativa de liberdade para os crimes de difamação, calúnia e injúria, esta não parece ser a melhor medida para curar a doença das ofensas. Isto se configura um atentado à liberdade de expressão, e defender este tipo de punição é uma insanidade, em um país com alta taxa de encarceramento. Penitenciar com multa, como também está previsto na legislação, pode ser uma alternativa.
Mas este artigo não pretende exaurir a discussão, mas sim levantar a questão: que exemplo a Justiça deve dar?
*Rodrigo Daniel é jornalista diplomado pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Iniciou sua trajetória na Secretaria de Comunicação da Câmara Municipal de Salvador. Em 2014, passou pelo jornal Correio da Bahia, colaborando com a coluna Satélite - Os Bastidores da Política Baiana, do jornalista Jairo Costa Júnior´. Também fez parte do quadro de jornalistas de política na Tribuna da Bahia. Ele é autor de artigos publicados no Observatório da Imprensa e na revista Consultor Jurídico, e recentemente lançou uma coletânea de entrevistas intitulada “Conversas Jurídicas”.

Classificação Indicativa: Livre

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