Justiça

Advogadas baianas abordam desigualdades enfrentadas por mulheres em livro; saiba mais

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Livro promove debate a educação jurídico-feminista, e as desigualdades enfrentadas por mulheres na sociedade  |   Bnews - Divulgação Divulgação

Publicado em 25/02/2023, às 16h24   Por Natane Ramos


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Advogadas, escritoras e feministas, as baianas Carolina Dumet e Lize Borges lançam o livro “Teses Feministas no Direito das Famílias”, no próximo dia 01° de março. Na obra, elas discutem os desafios enfrentados pelas mulheres na sociedade do ponto de vista jurídico.

Em entrevista ao BNews, Carolina aborda os direitos das mulheres, desigualdade de gênero, maternidade e outros diversos temas do universo feminino. "Recentemente publicamos, em parceria com a advogada Andreza Santana, um artigo sobre o Caso da atriz Luana Piovani, trazendo vasta argumentação jurídica e dados estatísticos, e fomos acusadas de buscarmos "holofote e lacração”, vivermos num “mundo da fantasia” e termos uma visão “Feminazi, Nojenta, Ultrapassada e Perigosa”. Esse é só um dos exemplos do que enfrentamos todos os dias. Romper com o silenciamento de nós mulheres é doloroso", afirma.

Além disso, a jusrista também destacou a  importância de alertar a sociedade sobre direitos que, muitas vezes, são negados às mulheres. Confira a entrevista:

Qual foi a principal motivação para a produção deste livro?

A motivação maior foi a vontade de suprir a lacuna educacional das matrizes das universidades de Direito e da própria doutrina no estudo do Direito sob a perspectiva de gênero, tornando o(a/e) leitor(a/e) apto(a/e) a tratar de forma segura questões complexas que estão na ordem do dia do mundo: o direito das mulheres.

Como surgiu essa parceria entre vocês? O que motivou vocês a escreverem essa obra juntas?

Nós nos encontramos em um grupo de pesquisa sobre família e mulheres, Lize como orientadora e Carolina como pesquisadora, depois disso não nos separamos mais.

Estamos oficializando nossa sociedade de advocacia, mas sempre trabalhamos juntas e ver as violências sofridas no judiciário e na academia é muito chocante. Isso nos motivou a querer escrever sobre isso e orientar mulheres e advogados(as/es) a atuar na área.

Somado a isso, são poucos os livros técnicos em direito civil escritos por mulheres, com a perspectiva feminista menos ainda, então resolvemos escrever o livro que sempre quisemos ter como referência na faculdade.

Por que vocês decidiram falar sobre esse tema em específico em sua obra?

Na prática da advocacia estamos sempre desenvolvendo teses para defender o direito de nossas clientes. Por termos o viés acadêmico prezamos muito pelo conteúdo e pelo embasamento teórico. Com tantas teses elaboradas, pensamos “por que não dividir com outras advogadas, magistradas, servidoras, etc?”.

No sumário do livro, vocês trazem também a discussão da maternidade. Como vocês acham que a maternidade é encarada pela sociedade? A maternidade, em sua concepção, é algo que é imposto à mulher?

A maternidade é esperada da mulher. A sociedade entende que ter filhos é uma etapa que deve ser cumprida por nós e o direito brasileiro reforça isso. Há dificuldade no acesso a métodos contraceptivos, o aborto é algo criminalizado no país, recentemente houve alteração da resolução de reprodução assistida para determinar que embriões não implantados só sejam descartados com autorização judicial.

A maternidade, assim como a paternidade (ou a parentalidade neutra, em caso de pessoas não binárias), precisa ser uma escolha. Ela demanda cuidado, atenção e renúncia. É preciso garantir que, aquelas que não queiram viver-lá, tenham esse direito, assim como proteger quem quer, o que também não é garantia no Brasil, basta observar números alarmantes de violência obstétrica (em especial contra mulheres negras), dificuldade de adoção por casais homossexuais (apesar de já haver entendimento favorável do tribunal superior), atendimentos abusivos a casais transcentrados que querem gestar, a quantidade absurda de mães-solo e crianças sem pais registrados em seus documentos, etc.

Um dos temas abordados no livro é a mulher no mercado de trabalho. Como você percebe esse desfalque entre homens e mulheres, e qual seria a principal ação para combater essa visível desigualdade?

O desfalque é estrutural, quanto mais “à margem”, maior a desigualdade. Se o desfalque é grande para mulheres cis brancas, é ainda maior para mulheres pretas e pessoas trans e travestis (essas que muitas vezes recorrem a trabalhos informais, como a prostituição).

Precisamos começar na base, garantindo condições iguais de educação, moradia e saúde pública para todas as pessoas. Somado a isso, é necessário construir políticas empresariais de inclusão e respeito à diversidade.

Você acredita que o fato de ser uma mulher e trazer um livro com temas feministas, dificultou o processo de publicação de sua obra?

Com certeza. Recentemente publicamos, em parceria com a advogada Andreza Santana, um artigo sobre o Caso da Atriz Luana Piovani, trazendo vasta argumentação jurídica e dados estatísticos, e fomos acusadas de buscarmos "Holofote e lacração”, vivermos num “mundo da fantasia” e termos uma visão “Feminazi, Nojenta, Ultrapassada e Perigosa”. Esse é só um dos exemplos do que enfrentamos todos os dias, não só em nossa escrita, mas na defesa de pessoas vulnerabilizadas no judiciário. Romper com o silenciamento de nós mulheres é doloroso e desafiador, mas necessário.

Dia 8 de março é o dia da mulher, e acredito que seu livro seja um grande presente para todas as mulheres, e para a sociedade como um todo. Que mensagem você quer passar para essas mulheres que estão começando a exigir seus direitos?

Gostaríamos de dizer que é para elas, e para todas as pessoas que são vulnerabilizadas pela sociedade, que dedicamos esse livro. Que leiam atentamente e com cuidado, pois podem acabar descobrindo que muitos dos "incômodos" que vivem e suportam são, na verdade, violências.

Queremos mostrar, através do livro, que é possível, sim, lutar por uma sociedade mais justa e igualitária.

Falando sobre violência doméstica e a pressão que mulheres sofrem ao denunciar seus agressores. Você acredita que existe acolhimento e proteção suficientes para essas mulheres conseguirem denunciar esses casos? O que você acredita que seja o principal passo para incentivar essas mulheres a falarem?

Muitas mulheres não denunciam seus agressores por medo do parceiro, por dependência financeira e até por não terem conhecimento de que aquela conduta do parceiro consiste em uma violência. Precisamos contar com um judiciário instrumentalizado e com políticas públicas que visem a proteção, acolhimento e atendimento de mulheres vítimas de violência, principalmente em relação a mulheres negras, transexuais ou travestis.

Entendemos que o primeiro passo para incentivar mulheres a falarem é a capacitação dos profissionais que as escutam. Ninguém denuncia uma violência para ser revitimizado. Muitas de nossas clientes repensam processos de divórcio para não precisarem contar seu sofrimento e serem julgadas sobre isso repetidas vezes.

É preciso começar capacitando os profissionais, desde os que farão o primeiro atendimento, como é o caso das DEAM’s, aos magistrados, servidores e conciliadores do judiciário, e até profissionais de saúde que farão o atendimento de lesões sofridas.

O casamento é um vínculo que você enxerga, na sociedade atual, como um direito ou uma exigência que é feita às mulheres?

Antes de tudo é importante dizer que não é um direito positivado, quer dizer, escrito em lei, para todas as mulheres. Mulheres em relacionamentos homossexuais têm seu direito a casar garantido em decisão jurisprudencial que, a qualquer momento pode ser alterada, já que basta simples mudança de composição ou de opinião dos tribunais superiores para que percam seus direitos.

Feita essa consideração, entendemos que ainda existem certas tradições em nossa sociedade, uma delas é o casamento que mudou muito nos últimos anos, trazendo posição de igualdade de direitos para mulheres nas relações. Socialmente, podemos entender que o casamento é, sim, uma exigência, mas é preciso destacar que juridicamente ele não passa de uma opção que, se escolhida, torna-se um direito que surte efeitos a partir de sua celebração.

Sua obra é descrita como uma tese feminista. Como o movimento impactou na sua jornada como mulher e escritora?

Vivemos cercadas de diversas violências estruturais: machistas, racistas, transfóbicas, homofóbicas, elitistas, capacitistas, xenofóbicas, dentre outras. O feminismo, quando não excludente, nos auxilia a retirar as lentes da opressão para enxergar novos caminhos e a necessidade de buscar, ainda que de forma lenta, igualdade para todas as pessoas, afinal, o feminismo não trata só de mulheres, mas de toda a sociedade.

Isso reflete na nossa escrita, queremos escrever para todas, todos e todes. Nosso referencial teórico também muda, cada vez mais buscamos nos inspirar em diferentes formas de ver o mundo e o direito.

Passamos pelo carnaval, que é uma festa que tem muitas mulheres como alvo para diversas atrocidades. Por que a mulher está tão suscetível a esse tipo de violência durante essa época do ano? Quais medidas você acredita que seriam necessárias para proteger de forma mais eficiente essas mulheres?

Mulheres estão suscetíveis a violências em todas as épocas do ano, mas no carnaval parece haver um “pacto social” para naturalizar ou tolerar condutas como assédio sexual, estupro e desrespeito à integridade física e psicológica de nós mulheres.

Esse ano vimos muitas instituições se posicionarem em prol da conscientização da população e acreditamos que esse é um caminho para mudança. Mas não podemos contar só com organizações (apesar de seu trabalho ser essencial e muito impactante), é preciso haver políticas públicas, educação básica voltada para respeito de nossos corpos e mentes. Precisamos ser todas, todos e todes feministas.

Classificação Indicativa: Livre

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