Economia & Mercado

Desindustrialização e doença holandesa no Brasil

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Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 15/12/2020, às 17h03   Yuri Dantas


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O setor industrial é considerado mais importante dentre os outros setores econômicos por apresentar maior potencial para economias de escala estáticas e dinâmicas na produção de bens com maior valor adicionado, a elasticidade-renda mais alta da demanda por bens manufaturados e o alto potencial para processos de catching-up, indispensável para a superação das falhas estruturas na cadeia produtiva. Portanto, a perda da participação da indústria na economia, tanto no Produto Interno Bruto (PIB) quanto no emprego total – entendido como desindustrialização, é motivo de preocupação para o desenvolvimento e superação das falhas estruturais da cadeia produtiva. 

A definição clássica do processo de desindustrialização foi concebida por Rowthorn e Ramaswany (1999) como sendo a perda contínua e prolongada da participação do emprego no setor industrial no emprego total de um país ou região. Posteriormente, Tragenna (2009) ampliou o significado acrescentando a queda da participação do valor adicionado da indústria no PIB geral como um indicador para a desindustrialização. Assim, um país não se desindustrializa quando a produção física industrial se encontra estagnada ou em queda, mas sim quando a indústria perde o fôlego na geração de emprego e valor adicionado. Destarte, o crescimento da produção industrial somente não pode ser indício suficiente para descaracterizar a desindustrialização sofrida em uma economia (OREIRO, FEIJÓ, 2010).

De acordo com Oreiro e Feijó (2010), a desindustrialização pode ser classificada como positiva e negativa. A positiva acontece quando a perda da participação da indústria no emprego e no valor adicionado se dá pela transferência das atividades manufatureiras mais intensivas em trabalho e com menor valor agregado para o exterior. Não havendo, nesse caso, perda da participação de produtos com maior conteúdo tecnológico na pauta exportadora. Contudo, a desindustrialização é classificada como negativa quando, além da perda na participação da geração de emprego e no PIB, a economia presencia uma reprimarização – especialização da pauta exportadora para commodities, produtos intensivos em recursos naturais, de baixo valor agregado e de baixo conteúdo tecnológico. 

O fator externo acaba apresentando papel importante na desindustrialização de uma economia, sendo imprescindível analisar a inserção do país na Cadeia Global de Valor (CGV) para entender a sua cadeia produtiva e o seu papel na estrutura global de produção. De acordo com Hiratuka e Sarti (2017), empresas transnacionais se beneficiam da fragmentação e desverticalização possibilitada pela CGV para angariar redução de custos e buscar escopo e escala nas economias internacionais. Ademais, a separação das atividades acompanhadas por uma intensa transferência internacional de etapas produtivas viabilizou a ampliação dos mercados e a gestão coordenada de atividades geograficamente dispersas, integrando diferentes países em uma rede internacional.

A interconectividade possibilitou a atração específica da cadeia de valor, tornando possível internalizar atividades manufatureiras por meio da inserção em etapas da cadeia de valor. Isto é, ao invés de um país necessitar criar internamente todas as etapas da atividade manufatureira para possibilitar sua atividade, ele simplesmente pode fracionar o processo de produção e focar sua atenção em uma etapa específica, buscando nos demais países as estruturas intermediárias para a produção. Dessa forma, países centrais, que apresentam um parque industrial mais sofisticado, se inserem na CGV nas etapas finais, as quais exigem maior estrutura tecnológica, com maior complexidade no bem produzido. 

É preciso, portanto, levar em consideração a etapa em que o país está inserido na cadeia de valor. Ao mesmo tempo em que a incorporação de atividades manufatureiras se tornou mais fácil, a etapa internalizada pelo país terá maior peso na magnitude dos efeitos de encadeamentos, do processo de aprendizado e dos transbordamentos, podendo essa inserção na cadeia de valor possibilitar a criação de capacidade manufatureira, mas sem necessariamente estimular a industrialização. No caso brasileiro, sua inserção na CGV se dá de maneira desvantajosa ao se especializar na exportação e fornecimento majoritariamente de commodities, produtos intensivos em recursos naturais e produtos de baixa complexidade. Esse quadro acaba tornando o país pouco diversificado e vulnerável a choques adversos do mercado externo, além de distanciá-lo da fronteira tecnológica.

A desindustrialização está intimamente ligada às condições externas de mercado, e essa pode ser ocasionada por um processo denominado de “doença holandesa”. Bresser-Pereira (2008) define o termo como uma crônica sobreapreciação da taxa de câmbio de um país causada pela exploração de abundantes e baratos recursos naturais usados na produção de commodities, a qual é incompatível com uma taxa de câmbio média que abriria espaço para setores econômicos comercializáveis no setor externo. Dito de outra forma, a inserção no mercado mundial de uma economia por meio da comercialização de recursos naturais mais baratos e volumosos acaba apreciando a taxa de câmbio a um patamar incompatível com a competitividade dos produtos manufaturados do país em questão. Assim, a doença holandesa ou “maldição dos recursos naturais” é uma falha de mercado que afeta a maioria dos países em desenvolvimento e pode se tornar um empecilho para a industrialização, uma vez que o mercado converge para o equilíbrio de longo prazo da taxa de câmbio que é causada pela doença (BRESSER-PEREIRA, 2008, p. 51).

Oreiro e Feijó (2010) afirmam que países da América Latina começaram a presenciar um forte processo de desindustrialização a partir da década de 1990, que coincide com o período de implantação das políticas liberalizantes associadas ao “consenso de Washington”. Seguindo essa linha, Palma (2005) acrescenta que a nova “doença holandesa” que assolou o Brasil teria como precursor a drástica mudança do velho regime de substituição de importações por um que, a partir de 1990, combinou liberalização comercial e financeira com profundas mudanças institucionais. Consequentemente, não só houve perda da participação da indústria no PIB e na geração do emprego como também a especialização produtiva baseada em bens intensivos em recursos naturais e a reprimarização da pauta exportadora. 

A desindustrialização e reprimarização do Brasil, que possui características de doença holandesa, teve como um dos fatores causadores a adoção de políticas macroeconômicas liberalizantes sem nenhum planejamento estratégico de proteção à indústria nascente e em consonância com os interesses da esfera financeira internacional e nacional. O processo inibiu uma mudança estrutural positiva na economia que foi reforçado pelas instituições brasileiras ao promover a produção e exportação de commodities agrícola e mineral e não como produtor de bens de maior complexidade. Portanto, é preciso que haja intervenção estatal com o intuito de redirecionar o atual padrão de desenvolvimento para um que promova a inserção positiva na economia mundial com inversão em P&D e inclusão social.

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