Economia & Mercado

Indústria 4.0 como janela de oportunidade

Arquivo Pessoal
Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 30/04/2021, às 20h09   Yuri Dantas


FacebookTwitterWhatsApp

Os estudos econômicos tradicionais sobre o desenvolvimento buscam um fator universal que, independente dos níveis de renda e diferenças estruturais, conduzam o desenvolvimento econômico propriamente dito. Contudo, a procura pelo denominador comum simplifica em demasia os vários elementos circunscritos no processo de desenvolvimento. O campo assume uma função de produção simples, com trabalho e capital como fatores principais e suas respectivas elasticidades, e as tecnologias associadas são assumidas como iguais ao redor das diferentes nações (LEE, 2019, p. 23). Esse antigo modelo acaba interpretando o processo de catching up de um país retardatário como um episódio de rápida acumulação de capital sem levar em consideração todo o sistema de acumulação de conhecimento, absorção de tecnologia e formação de um sistema nacional de inovação (ibidem).

A superação desse antigo modelo simplificador é imprescindível para situar a importância da Indústria 4.0 ou Quarta Revolução Industrial (4RI) como uma chance para o desenvolvimento dos países emergentes. Com a chegada da 4RI, a organização industrial está se transformando de modo que os insumos, o produto, o processo de produção, a estrutura de mercado e a dinâmica de geração e apropriação de valor sejam modificados e repensados (PRIMI, TOSELLI, 2020, p. 8). Ademais, o modelo existente de catching up encontra desafios específicos na nova realidade, uma vez que a disrupção produtiva e a transformação organizacional proporcionada estão reescrevendo as leis da manufatura (LEE, 2020, p. 21). Primeiro, como a automação está cada vez mais acessível, a mão de obra barata passa a ser uma estratégia pouco eficiente para atrair investimentos. Segundo, a 4RI possivelmente incentivará a volta das filiais industriais para o país desenvolvido de origem. Por conseguinte, em terceiro lugar, espera-se que a cadeia global de valor se torne mais regional ou nacional para diminuir o tempo de entrega e deixar a manufatura mais adaptável às preferências locais. (ibidem). 

Contudo, apesar da reescrita das leis, a automatização da indústria 4.0 não invalida o papel tradicional da indústria como propulsora do desenvolvimento estratégico principalmente nos países de baixa renda (UNCTAD, 2017, p. 50). O que acontece é uma dificuldade em se angariar melhorias no setor industrial nessas economias que acabam limitando o escopo para uma industrialização baseada na mão de obra barata e em atividades manufatureiras menos dinâmicas, o que prejudica a produtividade, o catch up e o crescimento da renda per capita (ibidem). Destarte, é necessário superar a produção baseada na exportação como estratégia para o desenvolvimento e direcionar os esforços para políticas industriais que visem, além do catching up tecnológico, uma inserção competitiva no mercado internacional e a qualificação da mão de obra para a realidade da 4RI.

Nesse sentido, o novo paradigma tecno-econômico proporcionado pela Indústria 4.0 pode ajudar os países retardatários a saltarem no estágio de desenvolvimento (LEE, 2020, p. 21). Isso porque os países emergentes seriam capazes de ocasionalmente pular (leapfrog) certos estágios e alcançar ou até mesmo ultrapassar líderes anteriores desde que possuam o novo conhecimento e habilidades relevantes para tal (PEREZ, SOETE, 1988, p. 477; LEE, 2020, p. 1). E, o momento mais propício, que pode ser entendido como uma janela de oportunidade temporária, para os países atrasados dominarem as tecnologias emergentes e conquistarem o rápido crescimento é o de mudança de paradigma (PEREZ, SOETE, 1988, p. 477), como com a chegada da 4RI. Desse modo, há possibilidades e tempo suficiente para se pensar estrategicamente na 4RI como propulsora do salto de estágio, promovendo o leapfrogging da produção em massa (2RI) para a automação (3RI) e fábricas inteligentes (4RI) (LEE, 2020, p. 22). Para tal, os países devem prestar atenção no caráter dinâmico da 4RI e antecipar os impactos para tomar medidas proativas que modelem positivamente suas respectivas economias (LEE, MALERBA, PRIMI, 2020, p. 2).

Contudo, de acordo com Primi e Toselli (2020) e Lee, Malerba e Primi (2020), apesar das novas tecnologias abrirem oportunidades de leapfrog para as economias emergentes, a 4RI surgiu em um contexto em que as nações desenvolvidas estão determinadas em implementar ações que as mantenham na liderança mundial; estão explorando novos locais de produção em outras economias com baixo salário além da China; e um grande número de companhias estão trazendo de volta as filias  para os países desenvolvidos de origem. Nesse aspecto, ressalta-se que as novas tecnologias tendem a ser aplicadas nessas economias avançadas como uma resposta ao catching up das economias recém-desenvolvidas, em particular as do Leste Asiático. Dessa forma, os desenvolvidos e os em desenvolvimento nunca estarão no mesmo ponto de partida, sendo de interesse dos primeiros manterem essa vantagem nessa nova mudança de paradigma (LEE, 2020, p. 21).

Ademais, a desvantagem na “largada” já começa nas falhas estruturais das economias em desenvolvimento que tendem a se especializar e produzir commoditties para a exportação. Por conta disso, apresentam falta de desenvoltura tecnológica, pouco investimento em P&D e conhecimento base limitado (LEE, MALERBA, PRIMI, 2020, p. 2). Além disso, o setor privado é avesso ao risco e contribuem pouco para a inovação nacional. Dado esse cenário, a participação na cadeia global de valor não ativa processos de aprendizado e os prende numa posição dependente (ibidem). Entretanto, segundo Primi e Toselli (2020), as mudanças de paradigma alteram a dinâmica e organização global, o que abre oportunidade para novos padrões de catch up, e essas novas trajetórias dificilmente são lineares, envolvendo um complexo processo de aprendizado.

Portanto, para que realmente haja o leapfrog no período de mudança de paradigma, é preciso que o país em desenvolvimento reaja prontamente e aproveite a janela de oportunidade que surgiu antes que ela se feche. Assim como as vantagens de localização e infraestrutura não caem do céu, a dotação de pessoal e habilidades científicas e técnicas de um determinado país também não caem (PEREZ, SOETE, 1988, p. 477), dependendo de fatores como o planejamento de uma política industrial condizente com o momento, a preparação da mão de obra com o nível educacional e alfabetização digital necessárias, o tamanho do mercado doméstico e a posição da economia na cadeia global de valor (LEE ET AL, 2019, p. 17). Desse modo, antes de tudo, de acordo com Perez e Soete (1988), necessita-se que haja o reconhecimento da oportunidade que está surgindo além da competência e imaginação para planejar estratégias adequadas e de condições sociais e vontade política para aproveitá-la.


Yuri Dantas - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da UFBA. Mestrando em Economia pelo Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE/UFBA). Graduado em Economia pela UFBA.

Classificação Indicativa: Livre

FacebookTwitterWhatsApp