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Motoristas são multados após carreatas contra Bolsonaro

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Autuações por infrações como obstrução do trânsito chegam a R$ 5,8 mil  |   Bnews - Divulgação Reprodução/Agência Pública

Publicado em 15/03/2021, às 06h27   Folhapress


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Mais de cem motoristas foram multados depois de terem participado de carreatas contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nos últimos dois meses em diversas capitais brasileiras. As multas foram de R$ 88,38 a até R$ 5.869,40.

Apenas em Porto Alegre (RS), a reportagem encontrou mais de 46 autuações. Motoristas se dizem surpresos após receber em casa multas por motivos como “passageiro sem cinto de segurança”, “buzina por tempo prolongado”, “utilizar o pisca alerta” e “obstrução do trânsito”. Em comparação, segundo dados do Detran-RS, os protestos de apoio ao presidente não registraram nenhuma ocorrência.

Relatos de motoristas apontam também mais de 20 multas em carreatas contra Bolsonaro em Florianópolis. A reportagem encontrou também casos em São Paulo e Brasília.

Após ter participado da manifestação no largo da Epatur, na capital gaúcha, no dia 23 de janeiro, uma servidora pública, que preferiu não se identificar, recebeu em casa uma multa no valor de R$ 195,23 por transitar sem cinto, fato que garante não ter ocorrido.

“Como a população vai ficar à vontade para protestar se a retaliação vem assim, como uma forma de silenciamento?”, afirma a servidora, que vai recorrer judicialmente.

No mesmo dia e local, a sindicalista Elisia Mara Rodrigues aparece em uma foto que circulou na imprensa e redes sociais usando cinto de segurança no banco do carona. Ela estava com a família na carreata do dia 23, sentada ao lado do marido, que foi autuado.

Presidente do movimento Mães e Pais pela Democracia, Aline Kerber foi uma das organizadoras da manifestação, junto a demais entidades sindicais e organizações políticas de esquerda. Ela garante ter informado os órgãos competentes através de formulário eletrônico sobre o trajeto e horário das carreatas.

A presidente da entidade estima que a primeira carreata, em 23 de janeiro, contou com mais de 2.000 carros, mas a logística e a organização do trânsito fizeram com que o fluxo dos veículos ficasse lento.

“A Brigada travou a saída, e, enquanto alguns veículos conseguiam andar, buzinando e agitando suas bandeiras nas janelas, outros ficaram parados na sinaleira. De repente, fomos desviados para um trajeto diferente do planejado, e a carreata transformou-se em congestionamento na volta da quadra, ficando impossível continuar. Os carros começaram a dispersar nos primeiros 15 minutos. Fizemos um evento pacífico e o entendimento da polícia foi outro, nos repreendendo com censura.”

Representando o grupo de pessoas que se sentiram lesadas pelas multas, Aline registrou o caso em um ofício enviado para o Comando-Geral da Brigada Militar, acionando a Corregedoria.

Pelo site da Transparência RS, a reportagem consultou o número de autuações para uso prolongado da buzina e ausência de cinto de segurança nas datas das carreatas pró e contra Bolsonaro em Porto Alegre.

No entorno do largo da Epatur, na Cidade Baixa, onde ocorreu a carreata no dia 23 de janeiro, foram registradas 15 autuações por buzina e 31 por ausência de cinto entre passageiro e motorista. Na avenida Goethe, onde ocorrem manifestações em favor da abertura do comércio (pró-Bolsonaro), não foram registradas multas nos dias 15 de março e 21 de junho de 2020. Em locais próximos, a pesquisa apontou três multas nessas datas.

Em Florianópolis, manifestações contra o presidente também acarretaram multas, em valores ainda mais altos. Na capital catarinense, foram autuados ao menos 20 manifestantes pelos mesmos motivos que em Porto Alegre. Uma dos casos envolve a ex-senadora Ideli Salvatti (PT-SC), que estava com o marido na manifestação. O casal teve o veículo autuado por obstrução de trânsito, uma multa no valor de R$ 5.869,40.

Segundo Leandro Moraes Vidal, integrante da direção estadual da Central Intersindical de Florianópolis, mais de 20 pessoas levaram essa multa gravíssima. “Não fizemos a notificação da carreata. Mas foi muito grande a adesão e isso gerou bastante tumulto. No dia do evento, fomos abordados pela Polícia Militar e eles se colocaram à disposição para organizar o trânsito. Tudo ocorreu normal. Tinha alguns policiais filmando. Dias após, começaram a surgir multas”, relata.

A Polícia Militar de Santa Catarina e a Guarda Municipal de Florianópolis informaram que não detêm informações sobre multas expedidas, sendo que elas são enviadas para o Detran-SC. O Detran não retornou à solicitação nem atendeu os telefonemas.

Além do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, motoristas que participaram de carreatas em São Paulo e no Distrito Federal contra o presidente Bolsonaro foram multados.

Na capital paulista, a manifestação aconteceu longe de hospitais, mas, mesmo assim, resultou em manifestantes autuados por diversos motivos, conforme mostrou o jornal Brasil de Fato. Em Brasília, de 100 carros presentes na Praça dos Três Poderes, 55 foram autuados, mostrou o Jornal Metrópoles.

A reportagem acionou a Secretaria de Transporte de São Paulo e o Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran-SP), que responderam que o assunto não era de sua competência. A Polícia Militar, por sua vez, não respondeu.

Por meio da assessoria de imprensa, o Detran-DF informou que, nos dias de manifestação popular, o controle de trânsito na Esplanada dos Ministérios fica a cargo da Polícia Militar. A Polícia Militar, por sua vez, disse que o assunto era competência do Detran.

Segundo o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o uso da buzina de forma exagerada e sem motivo configura infração leve de trânsito, podendo gerar penalidade de multa para o condutor.

No entanto, num contexto de manifestação, o advogado e coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RS Roque Soares Reckziegel defende que é um direito da população e repreendê-lo pode ser considerado excesso de autoridade. “Parece ter havido excesso por parte das autoridades. Em final de campeonato de futebol, esse buzinaço ocorre de forma muito mais intensa e não há multa. Parece envolver uma questão ideológica”, afirma.

Advogada especialista em direito de trânsito Rochane Ponzi discorda. Para ela, autuar manifestantes que possam estar irregulares faz parte do papel da polícia. “Ter uma autorização para uma manifestação de trânsito não é um salvo-conduto para transgredir a lei”, afirma. Ainda assim, ela orienta que as pessoas que se sentiram lesadas a partir da notificação devem exercer seu direito de defesa.

Diretor-presidente da EPTC, Paulo Ramires explica que em uma carreata o papel do ente público é garantir a segurança de todos que circulam no local e fazer cumprir a lei. Segundo ele, também é papel da Brigada Militar reduzir impactos, fazer fluir o trânsito e fiscalizar os condutores.

Questionado sobre a manifestação do dia 23 e sobre por que as multas não foram aplicadas também nas carreatas pró-Bolsonaro, ele afirma que os agentes são autônomos para registrar as infrações.

O diretor menciona procissão dos motoqueiros de cunho religioso em que as autoridades lavraram mais de 900 autos de infração em 2018 por motivos como o uso prolongado da buzina.

Subcomandante do 9º Batalhão da Polícia Militar, área onde ocorreu a maior parte dos protestos da capital gaúcha, o major Tales Américo Osório nega a existência de qualquer tipo de orientação para repressão política ou ideológica nas carreatas.​

Classificação Indicativa: Livre

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