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Sites apócrifos contra Bolsonaro avançam sob risco de ferir legislação eleitoral

Estevam Costa/PR
São grupos de ativistas que já espalharam cartazes apócrifos e criaram intervenções urbanas por meio de projeções, caminhões e painéis eletrônicos  |   Bnews - Divulgação Estevam Costa/PR

Publicado em 31/08/2022, às 17h39   Joelmir Tavares e Fernanda Mena/Folhapress


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Protestos políticos feitos sob anonimato acompanharam o mandato de Jair Bolsonaro (PL) e se ampliaram com o início da campanha eleitoral, em especial nos meios digitais.

São grupos de ativistas que já espalharam cartazes apócrifos e criaram intervenções urbanas por meio de projeções, caminhões e painéis eletrônicos, mas que agora surgem com força nas plataformas virtuais, com risco de ferirem a lei eleitoral.

Nas últimas semanas, pelo menos três novos sites foram ao ar com guias para virar votos e evitar a reeleição do presidente, informações negativas sobre a gestão atual, ilustrações satíricas ao bolsonarismo e vídeos de pronunciamentos.

O próprio domínio bolsonaro.com.br, antes utilizado para divulgar ações do presidente e do governo, teve a titulação alterada em 11 de agosto e agora reúne críticas a Bolsonaro, tratado como ameaça ao Brasil por questões como corrupção, alinhamento com militares e tentativas de corrosão das eleições.

Procurada, a Presidência da República não se manifestou até a publicação deste texto.
Segundo advogados especialistas em direito eleitoral ouvidos pela Folha de S.Paulo, a resolução 23.610 do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que disciplina a propaganda eleitoral, dá ampla liberdade de manifestação para o cidadão, mas veda a divulgação de conteúdo inverídico ou ofensivo à honra.

O conteúdo também não pode ser financiado por partidos.

Aquilo totalmente anônimo, portanto, fica mais sujeito a questionamentos, ainda que o TSE já tenha considerado que esse tipo de conteúdo só é passível de remoção caso seja injurioso ou inverídico.

Conforme relatos colhidos pela reportagem, alguns ativistas consultam advogados especialistas em direito eleitoral para adaptarem suas estratégias à legislação.

Outro novo domínio que surfa na onda digital antibolsonarista, o "Mulheres com Bolsonaro", emula um endereço de apoiadoras do presidente para criticá-lo.

O site compila "os episódios mais marcantes" da visão dele sobre mulheres ao longo de sua trajetória e anuncia trazer apenas "notícias verificadas".

Já o "Tira Voto do Jair", que se anuncia como "um guia prático para derrotar Bolsonaro", usa memes para expor problemas do governo e servir de instrumento de contrapropaganda. Os autores não se identificam.

A página informa apenas que quem fez a cartilha "é um grupo de ativistas que tem trabalhado há mais de dois anos para enfraquecer o Jair".

Em resposta a perguntas enviadas pela Folha de S.Paulo para o email fornecido na página, o coletivo diz ser formado por "pesquisadores, designers, videomakers e comunicadores", moradores de diferentes estados, e nega relação direta com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder da corrida eleitoral.

A campanha do PT diz não ter conexão com a iniciativa. Consultados pela Folha de S.Paulo, outros grupos de ativistas e militantes que têm feito manifestações anônimas de denúncia do governo também negaram qualquer relação com os responsáveis pelo novo site.

Isso sugere a existência de um ecossistema de frentes independentes que optam por esse tipo de atuação por medo de ameaças num cenário de radicalização política.

O grupo do "Tira Voto do Jair", no entanto, não negou nem confirmou vinculação com a página "Bolsoflix", trocadilho com Netflix. Essa plataforma oferece vídeos sobre a atuação do governo na pandemia de Covid-19 e as suspeitas que recaem sobre a família Bolsonaro.
"Bolsoflix" foi ao ar em 2021, quando seus criadores responderam à Folha de S.Paulo por email que buscavam criar canais próprios de distribuição de conteúdos, à moda do que bolsonaristas faziam.

Como parte da estratégia de manter tudo oculto, o site foi hospedado nos Estados Unidos.
No caso do "Tira Voto do Jair", a página é registrada em um servidor também nos EUA, "por motivos de segurança", segundo os ativistas, que não dão pistas sobre suas origens ou localizações.

A cartilha utiliza linguagem inspirada e cheia de trocadilhos. Uma dica apresentada para a conversão de um eleitor de Bolsonaro é: "Foque os mais-ou-minions. Não perca tempo tentando convencer o gado".

O manual considera um erro chamar "de burro ou de fascista" um desses eleitores que "não gostam de política e fogem da 'polarização'", mas admitem apoiar o atual mandatário. Diz que isso só irrita o ouvinte e o faz "voltar para os braços do Jair".

O grupo, que também abriu canais no WhatsApp e no Telegram, avalia a disseminação de coletivos anônimos como algo natural num cenário que descreve como de perseguição a críticos do governo.

A omissão da identidade também é marca de perfis em redes sociais que frequentemente viralizam com críticas ácidas ao presidente. Os autores se valem até da distorção da voz.

Uma das contas é a "Bolsoregrets - Bolsominions Arrependidos". A responsável disse à Folha de S.Paulo que faz o possível para se manter incógnita, embora não recorra à "voz de pato". Ela afirma que não tem medo por si, já que vive nos Estados Unidos e não faz segredo disso, mas que teme por sua família no Brasil.

A lógica é a mesma de perfis como "Tesoureiros do Jair" e "Jairmearrependi", com presença no Facebook, no Twitter, no Instagram, no TikTok e em outras redes.

Segundo a advogada especialista em direito eleitoral Paula Bernardelli, as páginas podem ser alvo de contestação à luz da legislação eleitoral, que estabelece como "livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores".

A norma geral é a de que os autores de propaganda, positiva ou negativa, precisam ser identificáveis e rastreáveis, conforme a advogada. Pelas regras, todo conteúdo eleitoral oficial deve ser "hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no país".

"Por outro lado, a crítica a atos do governo pode ser entendida como uma pauta cívica, que não é vedada pela legislação. Se o discurso tem esse viés, mesmo que seja durante o período de campanha, não pode ser caracterizado como propaganda eleitoral, e aí não pode sofrer sanções", diz Bernardelli, que integra a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.

"Não é porque um governante vira candidato que ele se torna imune a críticas."
De acordo com o advogado eleitoralista Marcelo Andrade, a resolução do TSE sobre o tema dá liberdade ao cidadão, desde que não espalhe conteúdo inverídico ou ofensivo à honra.

"E o entendimento é de que quem se lança na vida pública ou participa dos processos eleitorais fica mais sujeito a críticas e, portanto, a honra deixa de ter o mesmo grau de proteção do cidadão comum.

Quando a crítica passa do tom e vira ataque, cabe ação no âmbito penal."
Antes do período oficial de campanha, o governo também foi alvo de protestos apócrifos fora dos ambientes virtuais.

As ações incluíram desde o caso de um manifestante que jogou uma lata de tinta vermelha na rampa do Palácio do Planalto, em Brasília, até mutirões de um grupo de designers e comunicadores que espalhou cartazes contra Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, em ruas de São Paulo.

A avenida Faria Lima, coração financeiro da capital paulista, já recebeu um painel com a expressão "NaufraGuedes". A ação foi de um pequeno grupo de designers e comunicadores que se preserva por razões de segurança e assumiu ter feito outras intervenções na cidade desde 2021.

Outro protesto mirou Bolsonaro em Los Angeles (EUA), durante a Cúpula das Américas. Mensagens em inglês e espanhol foram exibidas em telas de LED fixadas em um caminhão. Os responsáveis foram organizações brasileiras e internacionais, que omitiram seus nomes alegando motivos de segurança.

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