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Os resultados do IDEB, a Educação Integral e o investimento na Educação

Arquivo Pessoal
Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 17/09/2020, às 15h43   Penildon Silva Filho*


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Os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) referentes ao ano de 2019, divulgados no dia 15 de setembro, permitem uma avaliação sobre a política pública da Educação nessas duas primeiras décadas do século XXI. Nessa avaliação, fica muito patente as características e iniciativas que contribuem para o avanço que ocorreu em todos os níveis, assim como fica um alerta às políticas de austeridade fiscal que provocarão um retrocesso e a volta a patamares sofríveis na Educação.

O IDEB é o resultado da aplicação das provas de Português e Matemática nos diferentes níveis de ensino, anos iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e Ensino Médio, e esse resultado é ponderado pela taxa de avanço dos alunos no sistema. As escolas e redes de Educação que apresentam um percentual significativo de evasão e retenção dos alunos têm suas notas rebaixadas, mesmo que os alunos que tenham passado para uma nova fase tenham feito boas provas. Isso se dá pelo interesse de avaliar o resultado das provas, mas também se o sistema de ensino tem apresentado progressos na inclusão dos alunos, na sua permanência na escola e no seu progresso acadêmico. Se uma rede de ensino reprova metade dos alunos, mesmo que a metade que passou venha a tirar nota média 7 em Português e Matemática, essa nota no IDEB ficará sendo de 3,5. Parece-nos importante ter essa ponderação, pois compreende-se Educação hoje não como instrumento de manutenção social, reprodução das classes sociais e das desigualdades sociais e hierarquização da sociedade para reproduzir assimetrias e manter privilégios. A Educação deve servir a todos, de forma pública, gratuita, laica, integral, com qualidade e equidade.

A Educação deve ser um instrumento de libertação do ser humano, garantindo-lhe o amplo desenvolvimento social, acadêmico, intelectual, emocional, artístico e corporal, e isso deve se dar de forma universal para que todos tenham acesso a todos os níveis de ensino, até a Universidade, com a mesma qualidade e tendo como princípio a equidade, o tratamento diferenciado dos indivíduos de acordo com suas condições de vida, garantindo condições aos que estão em maior vulnerabilidade para se manter na escola, se alimentar, se desenvolver e avançar nos estudos. O apoio às famílias dos alunos também é um elemento importante para garantir a inclusão social na Educação.

Os resultados do IDEB indicam de forma inequívoca que nos três níveis avaliados da Educação Básica tivemos avanços, sendo que nos anos iniciais do Ensino Fundamental a maior parte dos estados superou a meta estabelecida pelo MEC. Os Estados que ficaram abaixo da meta nesse nível foram: AP, DF, RJ; os que atingiram foram a meta: ES, MG, RO; e os que ultrapassaram a meta foram: AC, AL, AM, BA, CE, GO, MA, MS, MT, PA, PB, PR, PE, PI, RN, RS, RR, SC, SE, SP, TO. No resultado dos anos finais do Ensino Fundamental, apenas 4 Estados ficaram acima da média (AL, AM, CE, PE, PI), dois atingiram a média e os demais ficaram abaixo. No Ensino Médio os resultados também não atingiram as metas do MEC Por outro lado houve um avanço significativo na avaliação de 2019 em relação a 2017 nesse nível de ensino, inclusive na Bahia.

O primeiro aspecto que devemos analisar no IDEB é que é um instrumento parcial de avaliação, pois estuda apenas os resultados em provas de Português e Matemática, não abrange as diferentes áreas do conhecimento e nem avalia o cotidiano da escola e as relações sociais e culturais que possam influenciar a vida escolar. Entretanto, os conhecimentos em Português e Matemática são importantes para as Ciências Naturais, as Ciências Humanas, a Literatura e demais linguagens, e se os resultados dessa avaliação forem aproveitados como informações para orientar a tomada de decisões dos gestores, eles podem se tornar ferramentas poderosas para o planejamento da Educação. Um planejamento para melhorar o ensino, formar os professores em determinadas áreas, avaliar como está o currículo de uma escola ou grupo de escolas, indicar os objetivos de aprendizagem a serem alcançados; e nunca como instrumento para punição ou premiação dos docentes.

Um segundo aspecto é que embora seja uma avaliação pontual em Português de Matemática, é possível estabelecer correlações desses resultados com outras variáveis na Educação, e esses resultados fortalecem a compreensão de que a Educação, para ser bem sucedida, precisa de investimento financeiro na infraestrutura, valorização dos profissionais, uma concepção de Educação Integral e cuidado com a gestão do sistema. Não tratamos aqui da Educação Integral como sinônimo de Escola de tempo integral, mas como algo mais amplo e que ultrapasse a mera divisão entre aulas em um turno e atividades extracurriculares em outro, com o desenvolvimento integral das dimensões intelectual, afetiva, corporal, social, estética-artística e política das crianças e jovens Educação Integral compreende que a formação não é apenas nem prioritariamente para lançar “mão de obra no mercado de trabalho”. Educação Integral deve ser para formar as pessoas para compreender, interpretar, analisar e pesquisar nas Ciências Naturais, nas Ciências Humanas, nas Linguagens e preparar para os estudos superiores. A formação profissional pode vir acompanhando essa concepção, mas não implica que o aluno vai procurar um trabalho e abdicar da sua entrada na Universidade, e os nossos Institutos Federais de Educação demonstram que se pode formar num ensino médio integrado com educação profissional, ter as melhores notas no Enem e conseguir aprovar seus alunos para a entrada nas universidades majoritariamente.

Além da expansão do ensino integral estar associada à melhoria do resultado do IDEB e de compreendermos esse ensino integral como uma mudança de currículo e não somente uma acúmulo de informações e atividades sem concatenação ou relevância científica e social para aumentar o tempo na escola; outras variáveis impactam positivamente os resultados do Índice. Essas outras variáveis que estão associadas a um melhor resultado no IDEB são currículos que desenvolvem o lado emocional (o que também se refere à Educação Integral), a escolha de gestores escolares por processo seletivo, não por nomeação política, a integração entre as políticas públicas e os projetos para os ensinos fundamental e médio e uma gestão pedagógica sistêmica envolvendo todas as etapas, o que se consubstancia na efetivação do Regime de Colaboração previsto na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação(LDB). Mas também ações fundamentais para impactar positivamente foram investimentos em infraestrutura e equidade no desenvolvimento dos municípios. 

A estabilidade dos docentes, que devem ser concursados e com carreira que valorize a formação e a dedicação ao trabalho além do tempo de trabalho é tão importante como o processo de escolha dos dirigentes escolares. A Bahia é um Estado que desde 2007 tem um sistema em que apenas professores da rede podem ser nomeados, mas eles devem fazer um curso de formação em gestão antes para se submeter às eleições nas comunidades escolares, contribuindo para proteger as unidades escolares de intervenções estranhas à sua natureza e dinâmica.
Uma terceira observação é que os resultados na Educação não mudam abruptamente, eles são produto de um acúmulo de políticas públicas ao longo dos primeiros anos do século XXI, e se não tomarmos cuidado para evitar o desmonte iniciado em 2016 com a aprovação da emenda constitucional 95 e a redução dos orçamentos desde então (com o agravamento nos anos de 2019 e 2020), teremos retrocessos.

Políticas implantadas nesse período foram fundamentais para o avanço nos resultados, como a criação do Fundo de Manutenção da Educação Básica (FUNDEB), que ampliou o escopo do financiamento da Educação em relação ao FUNDEF, este último apenas garantia financiamento para o Ensino fundamental. O FUNDEB significou uma revolução na Educação no Brasil com um aporte suplementar de recursos do governo federal inédito na História, ao lado de outras iniciativas Também foi aprovada a emenda constitucional 59/2009, que ampliou a obrigatoriedade da Educação para ser dos 4 aos 17 anos; anteriormente a obrigatoriedade era apenas dos 7 aos 14 anos. O piso salarial nacional dos professores promoveu um avanço significativo na remuneração desses profissionais e o Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014 a 2024 apresentou metas ousadas em todos os níveis e modalidades de ensino e uma fonte de financiamento estável para a ampliação do orçamento da Educação a partir dos royalties do petróleo do Pré-Sal, explorado pelo regime de partilha. O regime de colaboração na Educação foi muito fortalecido com programas e projetos que dividiram responsabilidades e estabeleciam cooperação entre as redes, especialmente a partir da criação da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE) do MEC.

Entretanto, esses avanços que observamos na Educação correm sério risco pela política de austeridade fiscal, ineficiente e danosa aos interesses nacionais, implementada com o governo de Michel Temer e dada continuidade pelo governo Bolsonaro. A supracitada emenda constitucional 95, que congelou os valores reais de investimento em políticas públicas por vinte anos não tem paralelo no planeta. Nenhum país, por mais neoliberal que tenha sido sua orientação, implementou essa política. 

Sabe-se desde 1929 que a única maneira de reativar uma economia em crise é pela ação do Estado, com fortes investimentos públicos em obras de infraestrutura, geração de empregos, estímulo ao consumo e ao financiamento das pequenas, médias e grandes empresas. Esse aprendizado, muito proporcionado pelo New Deal de John Maynard Keynes, foi seguido pelos países que hoje conseguem se desenvolver de forma mais rápidas e consistente. Países que adentraram no receituário de diminuição do Estado, privatizações de empresas públicas, corte de direitos sociais, como os previdenciários, os trabalhistas e os direitos à Educação e à Saúde, amargaram uma recessão sem fim ou uma estagnação perene. Foi o caso da América Latina nas décadas de 1980 e 1990, dos Estados Unidos que não conseguiu se recuperar de suas crises ( a última foi em 2007) e de países europeus que insistiram na centralidade da ação do mercado como motor e articulador da Economia, como os países da União Europeia, à exceção de Portugal nos últimos 5 anos. 

O período de crescimento econômico e melhoria das condições sociais com ampliação de políticas públicas sociais na América Latina ocorreu até a desestabilização e o impeachment contra Dilma em 2016, que foi um golpe contra a presidente no Brasil. Isso correu ao lado de outras avanços neoliberais nos países da região. Enquanto isso, a China, o Vietnam e outros seguiram a trilha de uma presença forte do Estado, apresentaram taxas de crescimento bem elevadas e tendem a ser hegemônicas na Economia mundial.

O orçamento apresentado pelo Governo Federal ao Congresso para o ano de 2021, caso seja aprovado pelos deputados, implicará em imensas dificuldades para a continuidade das ações das universidades e institutos federais. Desde 2017 o orçamento das universidades e institutos federais tem diminuído e um novo corte em 2021 tornará as instituições mais frágeis e com dificuldades para cumprir suas missões. Nesse sentido é que precisamos aprender as lições do Ideb, que se voltam para a necessidade de um investimento maior em Educação e na necessidade de cumprimento do PNE 2014-2024.

*Penildon Silva Filho é professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e doutor em Educação
E-mail: [email protected] 

Classificação Indicativa: Livre

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