Entretenimento

Atriz da Globo reflete sobre racismo e afirma: "achei durante 40 anos da vida que eu era uma mulher branca"

Divulgação TV Globo
Atriz da Globo se reconheceu como mulher preta após trabalho no teatro  |   Bnews - Divulgação Divulgação TV Globo

Publicado em 15/09/2022, às 16h24   Redação BNews


FacebookTwitterWhatsApp

Atriz, que interpreta Zuleica em 'Pantanal', falou sobre reconhecimento de papel, que acredita ter conquistado apenas após se reconhecer uma mulher preta.

A atriz Aline Borges conquistou o reconhecimento profissional e a visibilidade como artista por meio de sua personagem Zuleica, de Pantanal, da Rede Globo.

Na primeira versão da novela, a amante de Tenório (Murilo Benício), que tem três filhos com ele, não era interpretada por uma atriz preta. Sua escolha para interpretá-la trouxe novas nuances para o papel e voltou a fazer a atriz refletir sobre racismo.

“A gente vive em um país extremamente racista onde a gente precisa lutar muito para ver pessoas pretas na televisão atuando ou ocupando espaço de poder em qualquer lugar na sociedade. Eu sou uma mulher preta que não tem uma pele retinta. Então, o meu prejuízo social nunca vai se comparar ao de uma mulher preta retinta. Sou uma mulher preta que representa várias outras mulheres pretas, mas as oportunidades para mim são maiores do que para uma mulher preta retina”, ressaltou.

A atriz, de 47 anos, explicou à Quem que por muitos anos não se entendia como uma mulher preta. “Só estou ocupando esse espaço agora porque eu me reconheci como mulher preta. Por não ter a pele escura, a gente se distancia da nossa negritude, a gente passa a acreditar que a gente não tem a pele preta. Muita gente vai falar, ‘você nem é preta, nem tem a pele escura assim’. Eu achei durante 40 anos da minha vida que eu era uma mulher branca e que teria o mesmo privilégio de uma pessoa branca. Só que não tive porque eu não sou branca. Eu ficava totalmente sem saber quem eu era, ficava distante da minha identidade e isso não me dava força”, explica.

A consciência veio após os 40 em um espetáculo de teatro que abordava o racismo: “Foi durante uma peça de teatro chamada Contos Negreiros do Brasil, do Marcelino Freire, que me entendi como uma mulher preta. Era uma peça que trazia números e estatísticas sobre a real situação dos pretos no Brasil. A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. A gente ouve, mas não se dá conta dessa dimensão e naturaliza isso. Quando eu fui chamada para fazer essa peça, pensei: ‘Como assim? Eu não sou eu sou preta’. Fiquei confusa na hora, mas fui e chegando lá, me identifiquei com todas aquelas pessoas. É como se eu tivesse voltado às minhas origens. Aquele era o meu lugar. Mas ainda estava confusa porque eu não me reconhecia como mulher preta. Comecei a fazer a leitura do texto e pediram para que cada ator escrevesse um monólogo sobre a própria vida do ponto de vista de uma mulher preta ou como um homem preto. Pensei: ‘Meu Deus, agora o que eu vou falar? Eu não sou preta’. Entrei no meu quarto, peguei uma caneta e um papel e comecei a escrever sobre a minha vida desde quando eu nasci”.

Durante esse processo de escrita, ela se lembrou de vários momentos em que o racismo teve um impacto grande em sua vida. Ela relembra situações que o irmão gêmeo passou por ter a pele mais escura.

.

“Desde que a gente nasceu, o racismo, mesmo que inconsciente, se faz presente nas falas, nas piadas… Quando uma familiar nos viu pela primeira vez, comentou: ‘A menina até que é bonitinha, mas o menino é bem feio, parece um carvãozinho. Um dia, quando a gente tinha nove anos, vi realmente uma cena de violência. A gente voltava da escola quando uns meninos começaram a bater no meu irmão, o chamando de negão. Eu não consegui fazer nada além de me encolher e pensar: ‘Ainda bem que eu não sou preta’”, relembra.

Aline conta que alisou por vezes o cabelo e até cogitou uma cirurgia no nariz para se afastar de sua negritude: “Quando você não se reconhece como mulher preta, você não tem amizade com o seu cabelo, quer operar o nariz… A sociedade diz que tudo o que vem da nossa cultura é ruim ou vale menos. A vida inteira me queimei tentando alisar o meu cabelo. Quase operei meu nariz. Para minha sorte, não tive coragem. Eu não sabia da minha potência. Quando você é ensinado a acreditar e a enxergar a tua luz, ninguém te segura”.

Atualmente, a atriz se alegra por ver mais atores pretos ocupando espaços na TV, mas ressalta que ainda há muito espaço a ser ocupado.

Sobre o atual momento da carreira, a artista comemora: "Estou vivendo um momento na minha carreira que é muito importante. Um momento de ascensão dentro de uma trajetória que vem de muito tempo. Eu tenho 27 anos de carreira. Nunca tinha tido a oportunidade que eu estou tendo agora com o Pantanal. Tem gente que está achando que eu estou começando agora. ‘Nossa, onde estava essa atriz?’. Estava no teatro. Estava plantando o meu caminho e fazendo muitas outras coisas. É a primeira vez que eu tenho, dentro desses 27 anos de carreira, uma oportunidade de mostrar o meu trabalho", celebra.

Siga o TikTok do BNews e fique por dentro das novidades.

Classificação Indicativa: Livre

FacebookTwitterWhatsApp