Entrevista

Dom Sérgio defende vacinação contra o coronavírus: "É a expressão de amor ao próximo"

Victor Pinto
Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Dom Sérgio da Rocha se disse a favor da vacinação e da ciência  |   Bnews - Divulgação Victor Pinto

Publicado em 24/12/2021, às 07h00   Victor Pinto e Lucas Pacheco


FacebookTwitterWhatsApp

Às vésperas dos festejos de Natal e Ano Novo, o arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, Cardeal Dom Sérgio da Rocha, conversou com o BNews sobre os desafios enfrentados pela Igreja Católica durante a pandemia, a vacinação, o retorno gradual das atividades religiosas presenciais, os significados do Natal e sobre a atuação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no campo político.

O cardeal ressaltou o verdadeiro significado do Natal e o papel da CNBB no incentivo aos católicos para participarem da vida política do país.

Confira abaixo a entrevista completa:

BNews:Dom Sérgio, a gente vai completar agora um ano do Natal com a pandemia. Um Natal, ano passado, muito restritivo na presença do público na igreja, das famílias até não se unirem como de costume e esse ano a gente começa ter uma abertura maior, apesar de estarmos ainda com essa variante da pandemia, a questão agora do surto de gripe. Mas eu acho que o povo está com saudade de está junto. O senhor acha que a marca desse Natal, Dom Sérgio, é justamente essa, do reencontro das pessoas?

Dom Sérgio: Sem dúvida que nós sentimos necessidade de estarmos juntos nas ocasiões especiais e o Natal, apesar de todas as transformações que já sofreu a festa do Natal, contexto cultural vai mudando, mas o Natal continua a ser ainda uma festa familiar. Tem esse apelo, ainda que não se consiga de maneira ideal, mas observe que, o Natal, a tendência é celebrar em família, comemorar em família, ainda que seja limitadamente. O Ano Novo, um pouco diferente, ele já é mais aberto, as pessoas são mais de comemorar fora de casa do que dentro de casa. De qualquer modo, há esse anseio, esse desejo que acompanha cada pessoa humana o tempo todo. Mas, sem dúvida que nesse tempo de pandemia, com as restrições por causa da saúde, de evitar contágios, essas restrições aguçaram ainda mais esse desejo de estar novamente juntos. Isso é muito bom, é bom perceber que a pessoa humana traz no seu coração esse desejo de fraternidade, de conviver fraternamente, de não estar isolado, de ter a experiência de conviver de maneira fraterna, pacífica. É muito bom perceber que isto permanece no coração. A pandemia de um lado ela trouxe muitas dificuldades e de outro também fez surgir ou ressurgir isto que é típico da pessoa humana, é um dom do criador numa perspectiva de fé. Deus que coloca no coração humano esse desejo de amar, de se aproximar, de conviver fraternalmente. Então isso é muito bom. Agora, é preciso continuar a cuidar da vida e da saúde. Por quê? Se nós amamos as pessoas, nós precisamos continuar com esse esforço de evitar contágio. Então, tem que haver um equilíbrio, tem que haver, naturalmente, nesse momento, essa atitude ainda de cuidado, de cautela. É muito bom perceber esta abertura para uma convivência, para uma proximidade maior, por estar juntos. Mas, ao mesmo tempo, nós temos que ter presente que a pandemia não terminou e por isso nós não estamos dispensados das medidas de saúde pública. Então, aglomerar gente, mesmo que seja de uma família maior ou de um grupo de amigos, não é conveniente, porque nós podemos estar correndo risco de transmitir aos outros. Seja a Covid, seja agora a gripe que está aí que é preocupante também. Então, nós queremos ver as pessoas felizes, nós desejamos um feliz Natal. Para um feliz Natal inclui esta saúde, que não é só corporal, é saúde mental, emocional, espiritual. Mas se nós desejamos isso, portanto, nós temos que preservar a vida e a saúde. Então, é muito bom perceber nesse Natal esse desejo de conviver fraternalmente, de estar junto, de estar em família. Bendito seja Deus por isso! Mas, ao mesmo tempo, não podemos descuidar porque a pandemia continua a exigir medidas sérias no campo da saúde pública, a começar do âmbito mais próximo. O que tem ocorrido é que com a melhoria das condições da pandemia, graças a Deus que, ao menos aqui no Brasil, temos percebido uma melhoria dessas condições, as pessoas ficam sentindo-se mais a vontade e muitas vezes dispensadas de observar o que é necessário. Então, eu creio que esse Natal, pra ser feliz, ele deve ser vivido, sem dúvida, com essa proximidade familiar, fraterna, mas ao mesmo tempo precisa ser um Natal a ser vivido com a responsabilidade no campo da vida e da saúde.

BNews: E as celebrações da arquidiocese vão seguir essas instruções?

Dom Sérgio: Nós temos feito um esforço muito grande desde o início da pandemia de contribuir pra superar a pandemia, de contribuir pra evitar contágios. Por isso, fizemos e termos feito sacrifícios. Não tem sido fácil. Mas nós temos oferecido, generosamente, a nossa contribuição com seriedade. Creio que, de um modo geral, a igreja ou as igrejas, posso aqui falar até no plural, mas de modo especial Igreja Católica, tem dado a sua contribuição pra evitar contágio, pra superar a pandemia. Agora, nós corremos o risco de ir cansando, né? Isto é, as pessoas passam um tempo, nós não somos, o nosso estilo, enquanto brasileiros, não é de pensar muito ou viver muito a longo prazo, né? Nós, quando alguma coisa se estende por muito tempo, as pessoas vão se cansando, mas nós não podemos não. Precisamos continuar ter esses cuidados. Portanto, como a arquidiocese, nós temos recomendado que se continue a observar as medidas de saúde pública. Não somos nós bispos e padres quem determinamos o que deve ser feito nesse campo. Nós levamos a sério as orientações científicas, orientações das autoridades no campo da saúde e procuramos pôr em prática. Então, agora, por ocasião, seja do Natal ou da passagem do ano, a recomendação que tem sido feita pela igreja, particularmente por mim como arcebispo, é de que se tenha o máximo de cuidados, de não se favorecer aglomeração e, sobretudo, duas coisas fundamentais: o uso de máscara, que também aos poucos as pessoas podem correr o risco de achar que não precisa ou então que estão num ambiente mais tranquilo e então se sente dispensado. E a vacina, a vacinação. Nós temos incentivado a vacinação na igreja. Já desde o início nós temos defendido essas medidas de saúde pública, ainda que elas tragam sacrifício, e temos também incentivado a vacinação. Não só a primeira dose. Nós sabemos que é um grupo significativo que não completou a vacinação. E agora também a dose de reforço. Então, a igreja ela quer promover a vida, a vida em abundância, vida em plenitude. É claro que olhamos de modo especial pra vida espiritual, olhamos de modo especial pra saúde emocional e espiritual, mas a pessoa humana é um todo, não dá pra pensar num aspecto sem pensar no todo. Então, nós continuamos nesse Natal a insistir que se observem as medidas que forem determinadas. Nesse momento, as que estão em vigor. Particularmente o uso de máscara, vou evitar aglomeração de pessoas e o incentivo à vacina, a vacinação. Que é muito importante. Graças a Deus que, de modo geral no Brasil, a população tem acolhido aí a vacina, a vacinação.

BNews: Então o senhor é a favor da vacina?

Dom Sérgio: Sou a favor e muito. Não só eu. De um modo geral, nós na igreja, pelo menos é a posição da igreja, não só no Brasil, mas do próprio Papa, na própria igreja, no mundo, a de incentivar ao máximo a vacina. E nós, graças a Deus temos visto no Brasil, de um modo geral, uma resposta generosa do povo. Veja que, de um modo geral, as pessoas estavam buscando a vacina até com bastante esforço, às vezes enfrentando filas e tudo mais. Mas, corremos o risco de, com o tempo, também diminuir esta busca, porque já que as pessoas tomaram a primeira dose, vão tomando a segunda, nem sempre vão continuando com esse mesmo esforço. Aí eu não sei avaliar como é que anda isso hoje no campo da saúde pública. O que eu quero dizer é que a igreja ela quer promover não só a saúde espiritual, saúde da alma. Considerando que a pessoa humana é um todo, com várias dimensões, nós queremos favorecer a saúde também nesse campo da superação da pandemia e sobretudo de evitar contágios. Não queremos que glorificar a Deus só nas orações, só na celebração. Queremos glorificar a Deus com a vida e defender a vida, a saúde, as medidas necessárias, ainda que com restrições e sacrifício, a vacina, tudo isso também compõe um grande louvor a Deus. E atos de amor, nós temos dito isso. Que esses esforços que temos feito, as restrições que temos assumido são sacrifícios que se faz com gestos de amor, é um ato de amor ao próximo. Olha, o que é que está no coração do cristianismo e, de um modo geral, nas tradições religiosa? Está justamente o amor ao próximo. Expressão de amor ao próximo. Se eu gosto de alguém, se eu tenho amor por alguém, preservar de uma enfermidade como essa, né? De uma situação tão difícil como essa. E, então, agora no Natal nós queremos redobrar esse esforço e não dispensar ninguém desse esforço, de cuidar da saúde, de evitar contágios.


Foto: Victor Pinto / BNews

BNews: Nesses anos de 2020 e 2021 acompanhei de perto as ações tomadas pela arquidiocese. A igreja católica foi uma das primeiras a cumprir, de fato, o decreto, a suspender a presença dos fiéis nas missas e começou a utilizar mais também das redes sociais, os meios de comunicação pra chegar a população. Mas, ao mesmo tempo, começamos ver essa reabertura, essa presença dos fiéis aos poucos e eu ouço muito dos padres e de alguns leigos que houve uma fuga dos fiéis que não estão retornando para a igreja, apesar de estarem vacinados, apesar de poder ter o distanciamento. O senhor acredita que o Natal pode ser esse momento, Dom Sérgio, de retomada da ida dos fiéis, da volta pra igreja, o templo?

Dom Sérgio: Bem, a sensação que eu tenho e que muita gente compartilha comigo é de que aos poucos as pessoas estão retornando a participar da vida da igreja. Por quê? Porque elas sentem a necessidade de estar juntas, de rezar não só em casa, mas de rezar na igreja . Tem muito sentido rezar em casa e é muito bom que as pessoas tenha momentos de oração em casa e quando não é possível estar na igreja por razões de saúde ou outras limitações justas, é claro que uma celebração acompanhada através das redes sociais tem um valor muito grande. Nós aprendemos nesse período da pandemia a lidar mais com os meios de comunicação, com as redes sociais, a Pastoral da Comunicação tem dado uma contribuição muito grande, não só em nível de arquidiocese, mas também nas paróquias através da transmissão das celebrações. Então, tem sentido rezar em casa, participar em casa, sobretudo quando não é possível estar na igreja como ocorria com as restrições maiores, com a limitação do número de pessoas que era maior do que agora. Mas, sem dúvida que o ideal é estar na comunidade. E eu percebo, eu posso dizer, nós vamos percebendo que as pessoas sentem necessidade, sentem vontade de estar novamente na igreja, sobretudo aquelas que já participavam. O que parece que está ocorrendo é que quem já não ia ou ia uma vez ou outra, então, diminuiu mais esse ritmo. É a sensação que se tem. Nós não temos dados, não fizemos ainda um estudo, eu desconheço na igreja do Brasil uma pesquisa que verifique isto. Oportunamente será interessante. Mas qual é a tendência? Qual é a sensação que se tem? É de que aquelas pessoas que não iam frequentemente, essas, sem dúvida parece que diminuiu ainda mais ainda. Agora, aqueles que já participavam, que já se sentiam membros da comunidade, não viu a hora de voltar a se encontrar, a estar dentro da igreja, estar nas celebrações em outras atividades pastorais. Nas missas a sensação que temos é que está crescendo cada vez mais o número de pessoas que participam. Voltam a participar. Agora o desafio nosso hoje está nas outras atividades pastorais. Veja que a igreja não vive só de missa ou de celebrações dos sacramentos. São importantes, sem dúvida, não podemos deixar de ter como ponto alto, como fonte, cume da vida e da missão, da comunidade, a eucaristia. Mas temos as outras ocasiões de evangelização, de missão da igreja. A igreja ela também tem as atividades pastorais, vários campos da vida, não só catequese, a família, juventude, liturgia, mas temos também as pastorais sociais, temos atividade missionária da igreja ao encontro das pessoas, visita as famílias. Temos a Pastoral da Saúde que vai até os enfermos, a Pastoral da Esperança que lida com as famílias enlutadas. Isto é, a igreja aos poucos também vai retomando as suas atividades pastorais que pressupõe proximidade, que pressupõe estar mais perto, mais junto de quem sofre. Só que ainda nós temos dúvidas até onde podemos ir. Em que sentido? Nós queremos continuar, cuidar, evitar transmitir, seja Covid, seja agora o vírus da gripe ou qualquer outra enfermidade. Então, nós estamos ainda continuando com a cautela devida que acaba limitando essas atividades. Nós não temos tido mais os encontros na mesma proporção que nós tínhamos antes. Agora são menores, com uma participação mais limitada das pessoas. Agora nós estamos na expectativa de continuar a melhorar as condições da pandemia pra poder voltar a ter atividades pastorais maiores. Então, não significa que apenas participar das missas. Nas missas, como eu dizia, o que tudo indica é que as pessoas que já eram participantes, atuantes, elas estão voltando cada vez mais, salvo aquelas que, por razão de enfermidade mais séria, não tem como estar ou muito fragilizadas em termos de idade, não pode estar ou não convém esteve. Mas tem crescido. Agora, qual é o nosso grande desafio? Não é só a retomada das atividades pastorais, dos encontros, dos momentos de evangelização que estão recomeçando, mas ainda limitadamente. Nosso grande desafio não é que seja inteiramente novo, ele já existia antes, que é ir até esses irmãos, irmãs, essas pessoas que não participam da igreja. Nós temos ainda, infelizmente, um grande número de católicos que não participam da vida da comunidade, não participam da vida da igreja, a não ser ocasiões muito especiais. Uma situação ou outra de família, como quando alguém vai se casar ou vai batizar ou então o falecimento de alguém. Temos aí, talvez, um dia ou outro de festa maior. Mas, infelizmente, nós temos ainda um número significativo de católicos que não participam da vida da igreja normalmente. Então, o desafio já existia antes da pandemia, porque esse dado dos chamados católicos não praticantes já existia antes. Agora nós temos, sem dúvida, esse desafio ainda maior porque, com a pandemia, sem dúvida que esses que já não participavam, a tendência, aparentemente, é que continuem a não participar ou ainda pior. Mas, é aí que se chama atividade missionária da igreja, dimensão missionária da igreja, sua igreja em saída que o Papa Francisco tem falado. A igreja não pode ficar a espera passiva das pessoas no templo, tem que sair, tem que ir ao encontro de tudo. E quem é a igreja? Não é só o padre. A igreja também são as pessoas que participa ali no seu dia a dia. Seriam todos os batizados membros da igreja, mas ao menos aqueles mais atuantes. A tendência nossa é ter uma atuação mais interna na comunidade do que externa e precisa atuar externamente. Está nas escolas, universidades, hospitais, no mundo do trabalho, da cultura, da política, da economia, enfim, católicos cristãos de modo geral. E cristãos católicos devem atuar também na sociedade, devem ser sal da terra e luz do mundo. Então, nós temos esse desafio dos católicos, além de voltarem a ter uma participação grande dentro da igreja nas atividades pastorais, terem também fora no dia a dia da sociedade. E de chegar até aqueles que, infelizmente, pelas mais diferentes razões não tiveram oportunidade e não se dispuseram a participar da comunidade.

O Natal ele tem que ser o Natal de Jesus pra que tudo aquilo que se faz tenha esse sentido maior, só seja em vista de Jesus, em vista do nascimento de Jesus"

BNews: Ainda sobre o Natal, qual opinião de Dom Sérgio a respeito dessa disputa simbólica: de um lado a figura de Jesus Cristo e do outro lado a figura do Papai Noel...

Dom Sérgio: Olha, eu vejo assim: Primeiramente, sem dúvida que Natal, palavra Natal, muita gente até se esquece do seu sentido original, significa nascimento. Natal é Natal de Jesus, é o nascimento de Jesus que motiva o Natal, que motivou o longo dos séculos, que motiva hoje. Mas, infelizmente, muita gente se esquece desse sentido genuíno do Natal, que o Natal é um Natal de Jesus, independente de Papai Noel, independente de qualquer outra coisa. Muita gente pode até não ter consideração com Papai Noel, mas também não tem com o menino de Jesus. Isto é, nós precisamos hoje resgatar esse sentido genuinamente cristão do Natal ou verdadeiro do Natal que é o nascimento de Jesus, Natal de Jesus, nascimento dele. Não teria sentido você fazer uma grande festa de o nascimento de alguém sem este que nasce ser considerado efetivamente. Agora, o Papai Noel, representando, podemos dizer, presentes, ou o lado festivo, mais humano, ou em alguns lugares até distorcido no seu sentido também de fraternidade, ele, os presentes, né, se não é o Papai Noel como tal, eles não podem de maneira alguma, o próprio Papai Noel ou os presentes, não podem ofuscar, não podem diminuir esse significado. Se for em vista dele, eu posso dar o presente pra alguém aproveitando, ó, nós estamos comemorando o nascimento de Jesus, esse nascimento de Jesus é motivo de alegria, nós vamos fazer festa, sem exageros, por quê? Jesus nasce na manjedoura de Belém, nasce pobre, de maneira muito simples, muito humilde. Então, não tem sentido, se o Natal é de Jesus, nós não podemos ter festa de Natal com gastos excessivos, seja com presente, seja com comidas ou bebidas. Precisamos ter o Natal de maneira cristã, se o Natal é de Jesus. Agora, tem lugar sim pra presente, desde que não haja esses exageros. Primeiro exagero: esquecer de Jesus, colocar o Papai Noel ou os presente acima de Jesus, ou no lugar de Jesus. Então, não pode ocupar o lugar de Jesus. Seja o Papai Noel, seja quem for. Né? E os presentes não podem ofuscar, não podem diminuir a importância do grande presente que é Jesus que nasce e não custa nada. Os maiores presentes de Natal você não compra em loja. Você doa gratuitamente que é o amor, amizade, que é compreensão, o perdão, enfim, a solidariedade, a paz. São presentes que você recebe de graça de Deus e oferece de graça. Então, o Natal ele tem que ser o Natal de Jesus pra que tudo aquilo que se faz tenha esse sentido maior, só seja em vista de Jesus, em vista do nascimento de Jesus.

BNews: Há um ano, nós fizemos uma entrevista, o senhor tinha chegado em junho e já tinha uns seis meses aqui, e falava que ia sentir falta de poder andar nas paróquias, nos lugares, pra poder conhecer, de verdade, olho no olho das pessoas. Mas, eu queria saber de Dom Sérgio, passado essa entrevista, passado essa expectativa do olho no olho, qual balanço desse pouco mais de um ano a frente da Arquidiocese de Salvador?

Dom Sérgio: Olha, em termos de participar da vida do nosso povo, da nossa arquidiocese, de estar presente nas comunidades, tenho que agradecer a Deus porque tenho tido a oportunidade de, pelo menos, celebrar nas comunidades, encontrar o povo especialmente nas principais ocasiões, nas ocasiões mais festivas. O que está faltando ainda e eu sinto falta é o abraço, né? Por enquanto o abraço está sendo espiritual e ele já é importante, né, abraçar espiritualmente e querer bem as pessoas, querer estar juntos, é muito bonito. Eu tenho sido acolhido com um verdadeiro abraço, porque eu vejo o carinho, a bondade, a abertura de coração do nosso povo querido aqui de Salvador e de toda a Bahia. Me sinto cada vez mais acolhido carinhosamente, generosamente, mais do que eu poderia esperar ou merecer. Mas, sem dúvida que eu, assim como muita gente, estamos à espera do momento em que a pandemia vai nos permitir novamente estar mais próximo ainda do que já estamos. É bom estar mais próximo das igrejas, sentir mais a presença do povo nas igrejas, ainda que não tenha retornado ao normal de antes, se é que se pode falar normal. Mas nós, sem dúvida, que queremos, né, esperamos poder dar esse abraço mais direto, que é típico do nosso povo, né, poder estar ainda mais próximo, sentir o outro irmão, uma irmã serem amados, a serem valorizadas, serem respeitadas. As pessoas tem necessidade desse afeto que se expressa como sinal do amor cristão, sinal da caridade. E nós precisamos dar uma atenção maior aos mais pobres, aos enfermos, já temos procurado. Graças a Deus a assistência aos doentes tem crescido novamente, ela estava com uma limitação grande no período mais crítico da pandemia e aos poucos temos dado mais atenção aos doentes, os pobres, t as famílias mais pobres, graças a Deus, tem sido atendidas, não na medida ideal, porque temos muito a fazer, mas tem havido muitas iniciativas de partilha e solidariedade. Mas está faltando ainda, sem dúvida, esse momento do abraço afetuoso que por enquanto vai continuando através da oração, através de outros gestos de acolhida, de gratidão que vamos encontrando nas nossas comunidades. Nosso desafio maior está nas celebrações maiores. Como sabemos aqui em Salvador a vida do nosso povo é marcado por grandes expressões de piedade popular, sobretudo por alguns momentos mais fortes de peregrinação, de romaria. Temos agora nesse período as grandes festas. Infelizmente, não é possível realizá-las na maneira como nós temos feito,de maneira tradicional. Não deve ser com menos fervor, com menos ânimo, com menos fé. Pelo contrário, queremos celebrar mais uma vez as várias festas grandes, como já fizemos com Nossa Senhora da Conceição da Praia, padroeira da Bahia, como já fizemos com Santa Luzia que é muito venerada. Nós queremos também que as próximas festas do Senhor Bom Jesus dos Navegantes, Nossa Senhora da Boa Viagem e do Senhor do Bonfim, que também sejam momentos em que nós celebramos com fervor, com piedade, com ânimo, mas com os devidos cuidados. Por isso não será possível ainda realizar essas celebrações como de costume, com as procissões esperadas, com as romarias ou peregrinações que se deseja. Vamos ainda mais uma vez fazer esse sacrifício, de renunciar a ter as celebrações ou os eventos tradicionais. Não vamos deixar de ter as missas dentro das igrejas, com menos gente, naturalmente, mas não é possível fazer como gostamos, como queremos, né, procissões que tem sido sempre uma das marcas da piedade popular no Brasil, praticamente aqui em Salvador. Então, não vamos deixar de celebrar, mas não podemos celebrar no ritmo anterior como se não estivéssemos ainda passando pela pandemia. E com esse momento em que estamos tentando entender melhor essa nova, né, digo nós aí, as autoridades, os cientistas, procurando entender melhor o que é que está se passando, pra ver o que é possível fazer. E nós temos visto várias medidas restritivas de parte das autoridades pra outros eventos da sociedade civil. Então, nós não podemos, como igreja, descuidar. Se poder público está pondo restrições em outras celebrações festivas, nós na igreja, que temos a ver com vida e salvação, mais razão ainda para querermos preservar a vida. Queremos que todos sejam salvos, salvos também dessa pandemia, dessa epidemia de gripe e assim vai.

Nós [Igreja Católica] não temos posição político-partidária, não temos partido político, não temos candidatos"

BNews:O senhor veio de Brasília, que é uma cidade que pulsa política 24 horas por dia, e veio aqui para Salvador que é uma cidade também em que a Igreja Católica tem uma relação muito forte com a política. Como está hoje essa relação da arquidiocese com as autoridades, com a Prefeitura, com o Governo do Estado, o senhor foi recebido, tem tido um bom diálogo com as autoridades políticas do Estado?

Dom Sérgio: Olha, de um modo geral, o relacionamento da igreja, não só aqui em Salvador, mas o que se propõe é sempre um diálogo, respeitoso, preservando as especificidades de ambos. Aquilo que é próprio da igreja, da missão da igreja, aquilo que é próprio do poder público, nos campos da política, enfim, da vida pública. Aqui, graças a Deus, tem havido sim um esforço pra diálogo e naquilo que é possível pra cooperação. Colocando acima de tudo o bem do povo, o bem dos mais pobres como critério fundamental. Por isso, por exemplo, nesse período houve uma aproximação significativa pra tratar da situação da pandemia. Várias vezes, não só a igreja católica, eu sei das várias igrejas, mas eu falo aqui como igreja católica, nós tivemos sim oportunidade de diálogo e isso tem sido muito importante. Então, nós queremos continuar ter essa postura. Esta Igreja Católica não tem opção político-partidária como instituição. Os católicos podem e devem ter a sua opção político-partidária de maneira coerente com a sua fé. Porém, nós não temos posição político-partidária, não temos partido político, não temos candidatos. O ano que vem é um ano eleitoral, há sempre essa confusão que às vezes se faz, né? Agora, nós incentivamos sim, a igreja tem incentivado os leigos e leigas católicos, porque o clero não participa da vida político-partidária, os leigos e leigas a participarem da vida política, darem a sua contribuição, como cristãos e como cristãos católicos, sua contribuição para a vida política. Nós precisamos de cristãos atuantes na política, que sejam coerentes com a fé professada.

BNews: Quando o senhor fala de vida política me vem na cabeça a CNBB, que o senhor já foi presidente, que sempre toma posições bem assertivas, na minha opinião, olhando de uma maneira as políticas públicas e a política que a gente conhece no dia a dia, um projeto de lei, da tramitação, de assuntos pertinentes ns poderes Executivo e Legislativo. Recentemente a CNBB lançou uma nota de combate a corrupção, principalmente a corrupção diante desse período de pandemia que a gente está vivendo e ao mesmo tempo ela foi muito criticada por ter tomado posições. Como é que o senhor tem enxergado isso, essa escalada, vamos colocar assim, de um discurso de ódio principalmente contra instituições religiosas ou figuras religiosas que buscam combater a corrupção ou combater qualquer tipo de desvio ético na política?

Dom Sérgio: Olha, eu acho que tem duas questões, né? Uma é a atuação da CNBB, independente de qualquer outro contexto. Se você for olhar a história da CNBB, nos seus pronunciamentos, nas suas posições, realmente ela não tem uma opção partidária, ela não se pronuncia, eu fui presidente da CNBB, não há nenhum pronunciamento sobre governantes ou governos, diretamente falando. O que há é sobre a vida política, vida social. O que nós fazemos? Nós recordamos ou repropomos aqueles critérios ou princípios que norteiam a vida social que estão na doutrina social da igreja. Primeiro, a doutrina social da igreja não é coisa de um grupo. Nós temos documento dos vários papas, dos últimos, São João Paulo II, Bento, agora o Papa Francisco. A doutrina social da igreja ela é traz um conjunto de orientações, de princípios e critérios pra os vários campos da vida social. E contemplando os vários problemas sociais. A CNBB ela se baseia, se fundamenta nesse corpo doutrinal chamado a doutrina social da igreja, que muita gente às vezes desconhece. Agora, o que acontece é que alguém pode, num contexto conflitivo, num contexto mais difícil de vida política social, alguém pode correr o risco de interpretar aquela posição a partir de um partido ou outro. Então, mas não é que haja explicitamente ou a intenção de propor a posição de um partido ou outro. Alguém pode ver numa posição ou outra, algum aspecto que possa atribuir a um partido ou outro. Mas, na verdade, não há essa opção partidária. Agora, cuidado porque se atribui a CNBB muita coisa que não é da CNBB. A CNBB como tal ela é formada pelos bispos do Brasil. Quem são os membros da CNBB? Os membros da CNBB são todos os bispos do Brasil. E tem a presidência da CNBB. Mas, depois existem muitas instituições, muitos organismos da Igreja Católica que também tem a sua atuação, se pronunciam, e muita gente atribui a CNBB posições de um grupo ou outro. Sem entrar agora no mérito, porque não vou aqui exemplificar. Mas, nós temos que ter esse cuidado. Que muitas vezes se atribui a conferência episcopal aquilo que, na verdade, é de um grupo ou outro dentro da própria igreja, mas não propriamente do episcopado. Então, a CNBB, de um modo geral, ela se pronuncia em assembleia geral, ultimamente tem sido mais restritiva, e a CNBB se pronuncia através dos seus organismos. Tem a presidência, o conselho permanente, conselho pastoral. E depois tem, na Igreja Católica ,uma gama grande de organizações, de entidades, e uma vez ou outra, uma outra dessas entidades se expressa e se atribui a CNBB aquilo que eles estão dizendo. Agora, outra questão que vai além da CNBB, porque eu vejo um problema hoje no contexto sociocultural, sociopolítico, que nós estamos vivendo, é infelizmente essa tendência, a agressividade que tem sido muito forte, né, nas redes sociais, já há tempos se alerta pra superar essa agressividade, para uma convivência mais respeitosa, mais pacífica, pra respeitar mais o outro, né, pra dialogar mais. Nós estamos precisando hoje de cultivar sempre mais o respeito, o diálogo, o relacionamento fraterno, a convivência pacífica. Nós temos que dizer um não à violência, à agressividade, seja nas redes sociais, seja nas ruas, seja nas casas, onde quer que seja. Então, esse clima e infelizmente acaba trazendo sofrimento ou envolvendo indevidamente muita coisa, como pode ocorrer com um pronunciamento, uma atitude da CNBB. Mas não é algo que é dirigido simplesmente a CNBB. Essa é problemática, ela é muito mais ampla e não se pode olhar apenas os outros. Eu acho que nós estamos agora no Natal, na passagem pro novo ano, tempo de refletir sobre as posturas que cada um de nós tem tido, se o nosso jeito de ser, de tratar os outro, de atuar nas redes sociais, se promove ou não a paz, se promove ou não o amor fraterno, o respeito, etc. Ou se destrói É, nós não podemos fazer das redes sociais um espaço de linchamento moral, ainda que haja situações pra serem denunciadas. Mas a maneira como se faz isso não pode ser baseada na agressividade, na violência verbal ou menos ainda física. Então, seja a violência, agressividade, verbal, moral, física, nós temos que superar isso, nós queremos criar um mundo onde a paz esteja presente, a paz que é dom de Deus. Agora no Natal nós acolhemos essa paz, mas paz que é tarefa que cada um de nós tem que fazer sua parte pra poder caminhar em paz.

O Papa fala muito de construir pontes ao invés de muros. Então, nós estamos precisando hoje de gente que acredite no valor das pontes e não tanto dos muros"

BNews: E, pra encerrar, como o senhor tem visto a atuação do papa Francisco, que completou agora 85 anos, a frente da igreja?

Dom Sérgio: Papa Francisco tem trazido uma contribuição imensa para a igreja e para a humanidade. Para a humanidade porque é uma das lideranças no mundo e que não fala apenas daquilo que se passa na igreja ou em vista da igreja, mas com uma preocupação humanitária, imensa. O papa preocupado com os destinos da humanidade, com os destinos da casa comum que é a terra, né? E não apenas voltado pra interesses internos da igreja. Claro que o Papa cuida da igreja, dentro dela há muita tarefa, há muito desafio. Mas é Papa nos faz olhar pra fora, o olhar para a humanidade como sendo uma grande família da qual nós fazemos parte e olhar para o mundo como uma casa sem fronteiras. A pandemia fez isso, né? Ela derrubou fronteiras entre os países porque ela ultrapassou fronteira, mas nós somos muito mais difundir a solidariedade pra além das fronteiras. O Papa fala muito de construir pontes ao invés de muros. Então, nós estamos precisando hoje de gente que acredite no valor das pontes e não tanto dos muros, né? Que acredite que vale a pena construir pontes através do diálogo, do respeito, da tolerância, da compreensão. Não significa renúncia a própria identidade, nem a própria maneira de pensar. Pelo contrário, nós não estamos falando aqui de dissolução de identidade quando falamos de diálogo. Aliás, diálogo só pode existir quando existe, na verdade, identidade, contribuição própria. Como é que eu vou dar uma contribuição própria se não for respeitado o que é de cada um? Mas, cada um tem a oferecer e nós temos muito a aprender com o outro que pensa diferente, desde que a atitude seja essa, de respeito, de diálogo. Caso contrário nós vamos tendo um mundo cada vez mais violento e sofrido, Pelo contrário, o Natal traz uma mensagem de paz, nós esperamos superar isso. E o Papa tem dado uma contribuição imensa. De um modo especial, para a própria igreja, a simplicidade, a misericórdia, a solidariedade, a esperança. Mas, para a humanidade, a mensagem de paz. O Papa tem sido um peregrino da paz, promovendo sempre a reconciliação, promovendo sempre a paz onde ele vai. Querendo ver a humanidade caminhando e iluminada aí por esse desejo sincero de vivência da paz, né? Então, nós esperamos agora que no início do novo ano os apelos do Papa, reconciliação e a paz, aconteçam sempre mais entre nós, afim de que também aqui entre nós possamos fazer essa experiência do mundo, marcado pelo esforço de aproximação fraterna de solidariedade, de respeito e de diálogo.

Siga o BNews no Google Notícias e receba as principais notícias do dia em primeira mão!

Classificação Indicativa: Livre

FacebookTwitterWhatsApp