Educação

Enegrecer para Ver: Negros têm maior incidência de evasão escolar que brancos na capital mais negra fora da África; conheça histórias

Divulgação/ Marcello Casal jr/Agência Brasil
Salvador registrou 82,7% de adolescentes brancos, de 15 a 17 anos, no ensino médio, contra 64,5% de pretos e pardos da mesma faixa etária e no mesmo período escolar  |   Bnews - Divulgação Divulgação/ Marcello Casal jr/Agência Brasil

Publicado em 20/11/2019, às 16h15   Yasmim Barreto


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As paredes das escolas separam muito mais que salas de aula ou espaços de recreação, a cor da pele dos alunos é um ‘divisor de águas’ quando se trata da permanência desses corpos no ambiente acadêmico. Em 2018, a cidade mais negra fora do continente africano, Salvador, registrou 82,7% de adolescentes brancos, de 15 a 17 anos, no ensino médio, contra 64,5% de pretos e pardos da mesma faixa etária e no mesmo período escolar, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Como o racismo pode se materializar e causar e evasão de pessoas negras? Através de exclusão, fatores sociais, agressões verbais, físicas, ou tudo isso junto, como foi o caso da jovem negra, de 25 anos, Lais*, que está cursando o último ano do curso de Direito. 

“Meu apelido era ‘monstrenga’, ‘Ronaldinho’, dentre tantas outras paradas pejorativas. Meus colegas riam de mim, sempre tinha confusão com algum garoto querendo me bater, porque eu era ‘feia’, ‘parecia’ um homem”, disse.  

Na série - Enegrecer pra Ver -, o BNews apresenta o lado ‘B’ da educação e traz outra perspectiva do ambiente escolar, que deveria ser um lugar de aprendizado e interações humanas com respeito e igualdade. Para Lais, que sempre estudou em colégios de elite e, segundo ela, majoritariamente brancos, esse ideal de experiências escolares não aconteceu. Os colegas batiam, xingavam e isolavam a jovem, que na época deveria ter cerca de 11 anos. “Sempre houve uma tentativa de expurgo do meu corpo, por não estar no padrão”, contou. 

O preconceito contra pessoas negras pode assumir diversas formas de expressão, e no ambiente das escolas particulares o racismo é mais latente e “perverso”, analisou a professora de História, Jacira Maria, que leciona há 20 anos. Ainda conforme a professora, a administração da escola assume um papel mais ativo no combate a essas atitudes racistas, entretanto, com objetivo errôneo: formar o branco.  “A escola reage para formar o branco que está lá, mas não porque está preocupada com o negro, ninguém está preocupado com o negro”.  

O empurrão para fora da sala de aula

O ensino médio é a última fase do estudante no âmbito escolar e é um período de descobertas, namoros, vestibular, mas, também, foi o limite para Lais e Renan Dias, 29 anos, professor de arte digital e computação gráfica. Os dois não se conhecem, no entanto, possuem três coisas em comum: a cor da pele; o racismo; e a decisão de abandonar o colégio, nesse período, para cessar os processos de violência. Contudo, através do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi que Lais e Renan conseguiram concluir essa etapa. 

“No ensino médio eu meio que fui largando de mão, porque eu tava num momento bem f*da da vida. Nunca pensei em sair, porque eu não queria nada, simplesmente queria sair porque eu me via como uma pessoa invisível, que ninguém chegava perto. Em alguns dias eu ia para a escola e ficava perambulando pelos corredores ou encostava em algum canto para passar o tempo e depois ia embora”, contou Renan. 

Além disso, o jovem já sentiu o preconceito de quem hoje é colega de profissão.

“Eu tava na 3ª série e eu era um aluno absurdamente inteligente e aí, sem motivo algum, uma professora me disse que eu deveria melhorar minha letra, porque ‘era tão feia que até para ser gari, tem que ter o segundo grau completo’”. 

Apesar das violências, o trio conseguiu romper com as estruturas do racismo e se uniram a outras referências para seguir na luta. No caso de Lais, o movimento de mulheres negras atrelado a universidade pública foram essenciais para construir identidade e perceber suas potências. Para Renan, os amigos tiveram contribuição indireta, mas efetiva em sua vida.

“Eu sigo trabalhando diariamente para virar esse jogo, o que de fato  tem acontecido. Então de fato posso afirmar que tô realizado demais por ser quem eu sou hoje em dia”, disse o professor de computação gráfica.  

*Nome fictício para preservar a identidade da fonte 

Matéria postada originalmente às 5h59 do dia 16 de novembro
Conteúdo faz parte da série especial do BNews sobre o Novembro Negro

Classificação Indicativa: Livre

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