Salvador

Disputa por terreno na Estrada Velha do Aeroporto pode deixar 40 pessoas sem teto

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Advogados de defesa alegam que decisão judicial foi tomada com base em documento falsificado  |   Bnews - Divulgação Reprodução/WhatsApp

Publicado em 27/05/2019, às 13h57   Marcos Maia


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O juízo da 3ª vara cível deferiu um pedido de reintegração de posse para um terreno localizado depois do Bosque da Paz, na Estada Velha do Aeroporto. O aposentado Manuel Regis da Cruz, réu no processo, reside no local há 30 anos, e atualmente também abriga outras 40 pessoas. Essas pessoas podem ficar sem ter onde morar assim que a decisão for executada.

A defesa de Manuel, contudo, argumenta que a decisão é chancelada por uma lavratura de registro de imóvel falsificada, que fora apresentada pelos representantes da requerente da solicitação, Márcia Maria Soares Franciss. "O juiz está ignorando tudo e mandando demolir a toque de caixa", disse o advogado Antônio Silva ao BNews.

A disputa pelo terreno se estende na justiça desde o final de 2017. Em 17 de janeiro de 2018, o juízo da 5ª Vara Cível determinou a reintegração da posse em 15 dias. Ou seja, os ocupantes do imóvel deveriam deixar o local voluntariamente, sob pena de desocupação forçada e demolição das construções caso assim não o fizessem. O prazo não foi cumprido, e em 14 de março daquele ano, foi expedido um mandado de desocupação forçada.

Meses depois, no início de maio, a 5ª Vara suspendeu o cumprimento deste despacho que ordenava a retirada dos moradores e demolição das construções existentes no terreno. O magistrado do caso à época tomou a decisão por cautela, enquanto era decidido sobre a existência ou não de conexão com uma ação sobre o mesmo terreno que tramitava na 3ª Vara Cível – atual unidade responsável por julgar o processo.

Na sequência, os representantes de Márcia Maria foram à justiça de 2º grau contra a decisão. Na ocasião, a desembargadora Pilar Celia Tobio de Claro, da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, foi designada como relatora do agravo de instrumento impetrado.

Em julho de 2018, a relatora deferiu o efeito suspensivo da solicitação por entender que era justificável o pedido de suspensão feita pela agravante, com o objetivo de restituir a posse àquele que tem o título de domínio do terreno. Na ocasião, a desembargadora também ressaltou que o pedido de conexão não foi objeto da decisão recorrida.

Em seu entendimento, ainda que os processos fossem reunidos por conexão, os fatos alegados pela defesa de Manuel Regis ao requerer a união dos processos não impediam o direito de Márcia Maria a desocupação liminar do terreno. "Uma análise superficial dos documentos trazidos ao processo, não comprovou o terceiro ter justo título ou posse de boa-fé", escreveu.

Contradições

Na decisão, Pilar Celia também determinou que a parte agravada fosse intimada a apresentar contrarrazões ao recurso, dentro de um prazo legal. No voto da desembargadora consta um relato de Márcia Maria no qual ela diz que era a atual proprietária do imóvel objeto da ação - conforme uma certidão de ônus anexa aos autos - e que os ocupantes do terreno teriam tomado posse do local em meados de março de 2017, aproveitando a sua ausência.

"De forma irresponsável e absurda, os réus construíram pequenos barracos, sem qualquer alvará para edificação, turbando a posse e ocupando indevidamente parte da área de propriedade da autora", descreve. O voto da relatora também cita a existência de fotos anexadas ao processo principal que corroboravam este cenário. A agravante também argumentou que a invasão prejudicava tratativas para "utilização econômica da propriedade".

Contudo, uma vistoria realizada por um grupo de oficiais de justiça no terreno em 30 de agosto de 2018 constatou algo divergente ao relato. "Segundo informações da vizinhança, o Sr Manoel Regis é quem mais tempo tem nesse imóvel, uma média de 30 anos morando em um barraco", narrou o oficial de justiça avaliador, André Augusto de Freitas Maia. A vistoria in loco também constatou a existência de cinco barracos de madeira, onde cinco famílias viviam, na época, há mais de um ano.

No mês seguinte, em setembro de 2018, foi constatada a necessidade de unir a ação em trâmite na 5ª Vara com o processo em andamento na 3º Vara Cível. Com o fato, a desembargadora entendeu que não mais subsistia a suspensão do cumprimento do despacho que ela havia anteriormente determinado há dois meses.

Assim, em 19 de outubro do ano passado, foi determinada a remessa dos autos para a 3ª Vara Cível. Contudo, o juízo ainda teve de aguardar a decisão do agravo de instrumento. No último dia 20 de março, o efeito suspensivo do recurso foi negado, e no início de abril, as partes foram intimadas para que tomassem conhecimento da redistribuição do processo. Na última quarta-feira (15), o juiz da unidade, Erico Rodrigues Vieira, determinou que os mandatos anteriores fossem imediatamente cumpridos.

O magistrado entendeu que não fora verificando qualquer “fato ou prova” que apontasse a necessidade de revisar a ordem de reintegração pendente de efetivo cumprimento. No mesmo dia, a defesa pediu a reconsideração da decisão, questionando a decisão. "A autora junta de forma falaciosa e totalmente explícita nas fls. 08/10 dos autos a Escritura de Registro de Imóvel que consta escritura Pública de 20 de agosto de 1990, lavrada nas notas do tabelião do 1° Ofício desta Capital", acusa a defesa em petição encaminhada ao juiz.

O documento supostamente falso aponta que Raul Veloso Soares, pai de Márcia, adquiriu o imóvel por R$50 mil há quase 30 anos. Antônio Silva afirma que a parte realizou a lavratura no 2º Cartório de Registros de Imóveis da Capital com escrituras anteriormente falsificadas. “O juiz se nega a solicitar as escrituras do 1º tabelionato de notas de Salvador, onde a suposta herdeira diz ter as escrituras”, afirma o advogado de Manuel Regis.

Ele acrescenta que houve duas petições em outubro de 2018 solicitando que o juiz intimasse o Cartório do 1º Tabelionato com o objetivo de evidenciar a farsa, contudo nenhum dos pedidos foi acatado. Silva argumenta que o Documento de Arrecadação Judicial e Extrajudicial (Daje) para emissão da lavratura da escritura foi gerada horas após a morte de Raul.

Documentos apresentados pelo defensor, apontam que o Daje, no valor de R$ 42,32, para registrar o imóvel foi emitido via internet no dia 26 de outubro de 2014, às 6h30. No mesmo dia, trinta minutos depois, Raul Veloso morreu aos 83 anos - de acordo com atestado de óbito. O valor do documento de arrecadação fora pago no dia seguinte, dia 27. 

O documento teria sido chancelado por Marluce de Santana Menezes, então titular do 2º Cartório de Registros. "Ela é envolvida em várias fraudes, vários processos", acusa o advogado. O advogado ainda informa que a Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça da Bahia “visualizou que os documentos são falsos”, e afirma que já existe um processo administrativo sobre o fato.

Alegações
Em decisão do dia 17, o juiz da 3ª Vara Cível argumentou que seus entendimentos se basearam em “diversos elementos indiciários probatórios e não somente nas escrituras de propriedade sobre as quais irradiou-se imputações de falso”. Desta maneira, para o magistrado, as alegações não desconstituem os demais elementos que legitimam a reintegração de posse do terreno.

O juiz também afirmou em sua decisão que a defesa de Manuel Regis recorreu a “questões secundárias” para “tumultuar a própria prestação jurisdicional”, e acrescenta que o agravo da Primeira Câmara Cível chancelou a decisão liminar anterior da 5ª Vara Cível. Silva rebate este argumento, apontando que na época da decisão o juízo ainda não havia informações de que a documentação apresentada era falsa.

"Para todos os efeitos, até ali, todos os documentos eram verdadeiros. Quando se descobriu [a falsificação], o juiz da 5ª recuou", afirma. Agora, a defesa de Manuel Regis afirma que irá entrar com um recurso do agravo de instrumento, para que desembargadora Pilar Celia Tobio de Claro julgue o feito. “Ela proferiu a primeira sem ver os documentos. Estamos confiantes que agora, vendo os documentos falsos, ela derrube a liminar”, avaliou. O processo foi incluído na pauta da sessão de julgamento do próximo dia 3 de junho do Primeira Câmara Cível. 

Outro Lado

Através de nota solicitada à assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça pela reportagem, a 3ª Vara informou que os advogados de Manuel Regis foram recebidos por duas vezes pelo juiz Erico Rodrigues para que suas versões dos fatos fossem ouvidas. De acordo com a unidade, as "imputações de falso" serão apuradas durante o processo, em um momento próprio.

Contudo, foi ratificada a informação de que o elemento apontado pelos defensores não é suficiente para provocar a desconstituição da ordem de reintegração de posse liminar deferida. "Ademais, conforme consignado pelo programa que busca a apuração, a questão deve ser enfrentada, debatida e "rebatida" no âmbito do processo", conclui.

Em entrevista ao BNews, o juiz assessor da Corregedoria Geral de Justiça do TJBA, Moacir Reis Fernandes Filho, explicou que não há um processo administrativo formalmente instaurado contra Marluce de Santana Menezes, mas sim um procedimento administrativo em andamento para apurar o caso. Atualmente, este procedimento está na fase de resposta das alegações por parte da acusada.

"Não chega nem a se constituir em uma sindicância. Se houver elementos suficientes para a abertura de uma, nós indicaremos uma sindicância com finalidade de identificar a autoria da infração disciplinar - seja ela qual for- e a materialidade desta infração”, disse. A corregedoria é responsável por fiscalizar as atividades extrajudiciais, realizadas pelos cartórios.

O juiz ressalta que a acusada não é mais titular do 2º Cartório de Registros de Imóveis da Capital, e atualmente trabalha como assessora de um magistrado. Reis acrescenta que o prosseguimento do procedimento administrativo depende do julgador do feito atestar a legitimidade ou não do documento que a defesa de Manuel Regis aponta como falso . 

"Se os títulos são ou não inválidos, isso é o processo judicial que irá declarar, não o âmbito do processo administrativo. Se ela incorreu em imprudência ou negligência quando do ato registral, nós verificaremos", afirmou. Ele salienta que é fundamental que o poder judiciário, através de sua parte judicante, diga se os títulos eram ou não válidos. Só a partir daí que poderá ser analisado se a ex-delegatária atuou ou não nos termos da lei 6015, de 1973, quando realizou o registro. A norma dispõe a respeito a respeito de registros públicos.   

Leia a íntegra da nota encaminhada pela 3ª Vara Cível:

"Quanto à denúncia, objeto da informada apuração, cumpre esclarecer que tramita nesta 3ª Vara Cível a ação de reintegração de posse n.º 0571783-84.2017.8.05.0001, a qual fora inicialmente distribuída para a 5ª Vara Cível, cujo juiz titular deferiu a reintegração de posse liminar, o que, inclusive foi ratificado por decisão em sede de agravo de instrumento, vindo o feito, posteriormente, declinado para esta 3ª vara Cível em razão de conexão com outra ação possessória em trâmite nesta vara, envolvendo os mesmos supostos invasores, de forma que nesta 3ª vara deu-se efetivo cumprimento à reintegração que já havia sido validamente determinada. Cumpre informar que os advogados "denunciantes" foram recebidos por duas vezes por este juiz subscritor, ouvindo-se a versão dos mesmos, sendo que as imputações de "falso" serão objeto de apuração em momento próprio no processo, não se vislumbrando, todavia, elementos hábeis à desconstituição da ordem de reintegração de posse liminar que havia sido deferida, a qual, assim, teve seu cumprimento mantido. Ademais, conforme consignado pelo programa que busca a apuração, a questão deve ser enfrentada, debatida e "rebatida" no âmbito do processo."

Classificação Indicativa: Livre

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