Meio Ambiente

Brasil não avançou em fiscalização de barragens, dizem especialistas

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O problema das barragens de mineradoras começa ainda na construção  |   Bnews - Divulgação Futura Press/Folhapress

Publicado em 26/01/2019, às 05h29   Folhapress



Mais de três anos após o maior desastre ambiental do Brasil, o rompimento da barragem de Mariana (MG) em novembro de 2015, o país pouco avançou no monitoramento e fiscalização desse tipo de construção, segundo especialistas ouvidos pela reportagem. Na manhã de sexta-feira (25), uma barragem da mineradora Vale se rompeu e ao menos uma outra transbordou em Brumadinho, cidade da Grande Belo Horizonte. Os rejeitos atingiram uma área administrativa da empresa, onde havia funcionários, além da comunidade Vila Ferteco. Ao menos sete pessoas morreram e cerca de 150 ainda estão desaparecidas.

Para o professor de engenharia hidráulica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Carlos Barreira Martinez, o país tem centenas de barragens mal cuidadas. "Lamentavelmente ficou tudo do mesmo jeito, tanto que o resultado é o mesmo. E esse é só mais um, ano que vem vamos ter outro e vão morrer mais pessoas. As mineradoras continuam fazendo o que bem entendem", afirma ele.

Martinez diz que falta investimento em monitoramento, por parte das empresas, e em fiscalização, por parte do Estado. "O monitoramento é primitivo, continua sendo feito com peças do século 19 e se espantam depois com o resultado. E há um excesso de leniência do Estado com as empresas", afirma.

Ele cita o exemplo de Mariana, em que as mineradoras criaram a Fundação Renova para implementar projetos de reparação ambiental e socioeconômica após a tragédia. "Existe uma indenização de R$ 20 bilhões, mas é a própria empresa que vai aplicar na recuperação. Isso não tem cabimento, quem tem que fazer isso é o Estado brasileiro", diz.

No caso da barragem de Brumadinho, a estabilidade tinha sido garantida por um auditor - o sistema de gestão implementado exige que um auditor externo avalie a estrutura das barragens. Essa avaliação é feita anualmente e é baseada num check-list.

Como essas estruturas são de grandes dimensões, o estudo de risco de ruptura é feito por análise amostral, explica o geólogo Jehovah Nogueira Júnior. São definidos alguns setores da barragem para fazer o levantamento de informações. "É comum estudar algumas seções, mas pode ter uma crítica que não foi escolhida. É um sistema que ajuda a prever riscos, mas não resolve", diz Nogueira, que é consultor de barragens. Como a de Brumadinho, a barragem de Fundão, da Samarco, tinha estabilidade garantida.

O método de análise funciona para evitar uma ruptura por deslizamentos, mas pode falhar em detectar infiltrações. "A infiltração só vai ser detectada muito tarde, ela costuma ser negligenciada. Quando vem uma chuva muito forte, o nível da barragem aumenta muito rápido e pressiona a infiltração. Com isso, a barragem pode romper", diz.

O professor de Engenharia de Minas da UFMG Evandro Moraes da Gama acredita que a supervisão das barragens aumentou depois da tragédia de Mariana, mas ainda é fraca. "Não foi suficiente porque aconteceu outro acidente, com a mesma empresa, mesmo tipo de minério e rejeito. E não houve um alerta que permitiria uma evacuação, por exemplo", afirma. 

Especialistas dizem que a lei federal sobre a Política Nacional de Segurança de Barragens, de 2010, ainda precisa ser implementada. Além disso, Martinez defende que o Brasil adote um modelo similar ao dos Estados Unidos, onde, segundo ele, o corpo de engenheiros do exército fiscaliza as barragens e cobra das empresas as adaptações necessárias. "É um órgão perene, que tem pessoal competente no país todo", diz ele, sobre o exército brasileiro.

O problema das barragens de mineradoras começa ainda na construção, segundo Jehovah Nogueira. "O processo é muito menos rigoroso do que o de hidrelétricas, por exemplo. Não se vê dique desse tipo rompendo toda hora", diz.

Técnicos da área concordam que a barragem dá sinais de falha, mas a pressão pela produção pode interferir nas medidas de segurança. "A estrutura apresenta inconformidades, mas isso pode ser interpretado de forma otimista demais. Uma empresa como a Vale tem contratos fechados com antecedência e precisa entregar o produto. Então alguém responsável pela operação diz: 'não pode parar, vai tocando'", afirma o professor de Engenharia Geotécnica da Coppe/UFRJ, Maurício Ehrlich.

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