Meio Ambiente

Mata atlântica tem crescimento histórico de desmatamento

Marcelo Camargo/Agência Brasil
A destruição na mata atlântica saltou 66% em 2020-2021, em comparação ao período anterior (2020-2019)  |   Bnews - Divulgação Marcelo Camargo/Agência Brasil

Publicado em 25/05/2022, às 05h40   Phillippe Watanabe/Folhapress


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A mata atlântica, o bioma brasileiro mais devastado, está vivendo um momento que parecia que não iria se repetir em sua história: um grande crescimento do desmatamento. A destruição na mata atlântica saltou 66% em 2020-2021, em comparação ao período anterior (2020-2019). É o maior aumento percentual registrado desde o início do monitoramento, em 1985 (até 2010 os dados eram divulgados e englobavam um período de cinco anos).

No período de 2020-2021, foram derrubados 21.642 hectares do bioma, que mantém somente pouco mais de 12% de sua cobertura original. É o maior valor desde 2015/2016, quando era de 29.075 hectares.

Os dados são de relatório da ONG SOS Mata Atlântica e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) lançado na noite desta terça-feira (24).

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"Estamos andando para trás", afirma Luis Fernando Guedes Pinto, diretor de conhecimento da SOS Mata Atlântica e coordenador do Atlas Mata Atlântica, o projeto que anualmente levanta as áreas desmatadas no bioma.

Na última semana, em um sobrevoo por áreas de Minas Gerais que tinham registros de desmate no ano passado, a equipe da SOS Mata Atlântica flagrou novas derrubadas em curso -que, pela questão da data, não entram nos dados citados na reportagem.

"Imagens horríveis. Aquelas imagens da Amazônia. A gente tem que lembrar que estamos falando da mata atlântica, de uma região mais rica, com maior governança. Deveríamos estar falando exclusivamente de restauração e estamos falando de coisas desse nível [desmatamento]. É uma reversão total de agenda", diz Guedes Pinto.

Os resultados são vistos como surpreendentes e preocupantes. Ao todo, 15 estados apresentam alta de desmatamento -somente 2 tiveram redução.

Apesar do crescimento generalizado, três estados concentram mais de 80% da destruição registrada. Minas Gerais, líder de desmate, levou ao chão 9.209 hectares de floresta. Em segundo lugar, a Bahia derrubou 4.968 hectares. O Paraná fecha a lista com 3.299 hectares derrubados. Todos eles tiveram aumentos de destruição superiores a 50% em relação ao período anterior. Em Minas, o salto chegou a 96%.

Até mesmo estados que se aproximavam de desmatamento zero (quando os dados não passam de 100 hectares no ano) apresentaram crescimento na destruição, caso de São Paulo, Sergipe e Rio de Janeiro. O estado fluminense, por exemplo, antes estava abaixo dos 100 hectares, mas agora teve um aumento de 95% na supressão de matas.

A única explicação para um aumento generalizado como esse, segundo Guedes Pinto, seria uma visão antiambiental que se espalhou pelo país.

"São praticamente quatro anos de uma cultura de antifloresta, de negacionismo da ciência e de desmonte da política ambiental. E uma expectativa de impunidade, de ataque à legislação ambiental no Congresso e de atos administrativos do governo federal", afirma o especialista. "Até atacaram a Lei da Mata Atlântica. Não podemos esquecer do despacho do [Ricardo] Salles."

Guedes Pinto se refere a um despacho assinado pelo então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em 2020, que acabava por anistiar proprietários rurais que destruíram mata atlântica. Esse documento reconhecia como áreas consolidadas (sem necessidade de recuperação) as APPs (Áreas de Preservação Permanentes, como margens de rios) desmatadas e ocupadas até julho de 2008.

O despacho, posteriormente revogado por Salles, seguia um parecer da AGU (Advocacia-Geral da União), feito após pressões da CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil) e do agronegócio do sul do país.

"A mata atlântica tem uma lei especial, tem uma governança mais robusta e existe uma segurança jurídica nessas áreas. Não era esperado que a gente chegasse nessa condição. Os resultados mostram que esse contexto institucional nacional acaba contaminando as pessoas e elas tomam a decisão de desrespeitar a lei, de ir para a ilegalidade e abrir novas áreas, infelizmente", afirma o coordenador do Atlas.

DESMATAMENTO E AGRONEGÓCIO

Minas Gerais e Bahia, ambos com áreas grandes contínuas de desmate, formam uma espécie de bloco de fronteira de derrubada da mata atlântica. Nesses locais, a destruição é ligada ao agronegócio, segundo Guedes Pinto.

O Paraná é outro com desmate ligado ao agro. Ali, porém, a floresta é comida, aos poucos, com pequenas derrubadas, pelas bordas.

A dinâmica de desmate continua diferente em outros locais, como São Paulo e Rio de Janeiro, onde as supressões são, costumeiramente, ligadas a pressões urbanas e imobiliárias.

O coordenador do Atlas alerta que a ideia do relatório não é apontar legalidade ou não de supressões de vegetação. Mas as informações que se têm sobre autorizações para desmatamento no país indicam que o que predomina são desmates ilegais.

Segundo dados do MapBiomas, mais de 90% dos desmatamentos do bioma têm indícios de ilegalidade.
Vale ressaltar ainda que o monitoramento é focado em fragmentos maduros de mata, ricos em biodiversidade e biomassa. Portanto, desmatamentos nessas áreas acabam tendo um impacto ainda maior.

"A gente voltar a ter desmatamentos contínuos nesse patamar de 20 mil hectares é uma tragédia ambiental", diz Guedes Pinto, que relembra que, segundo a lei da Mata Atlântica, supressões no bioma só podem ser autorizados se forem de interesse público ou com propósito social.

O bioma chegar a um ano eleitoral com essas taxas de desmate também é algo preocupante, considerando que, em anos de eleição, a derrubada ilegal costuma crescer na mata atlântica.

Nesses anos, diz o especialista da ONG, o diálogo e a cobrança sobre entes públicos muitas vezes se tornam mais complicados, considerando as mudanças que ocorrem internamente, com pessoas deixando a posição para a disputa de cargos eletivos.

A destruição da mata também pesa sobre outro ponto que tem crescido nos últimos anos no Brasil: as emissões de gases-estufa. O atlas aponta que o desmatamento registrado na mata atlântica no período 2020-2021 jogou na atmosfera 10,3 milhões de toneladas de CO2 equivalente (medida que soma os gases de efeito estufa).

O país é parte do Acordo de Paris, que busca reduzir drasticamente as emissões de gases para conter o aumento da temperatura global. O desmatamento e o agronegócio são os principais responsáveis pelas emissões brasileiras.

O QUE DIZEM AS SECRETARIAS DE MEIO AMBIENTE

A reportagem entrou em contato com as secretarias de meio ambiente dos estados com maiores níveis de desmatamento, e também com a secretaria de São Paulo. Somente a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente paulista respondeu até a conclusão da reportagem.

Em nota, ela afirma que "a metodologia utilizada pela SOS Mata Atlântica não considera áreas licenciadas e com a devida compensação, de acordo com a legislação ambiental vigente, inclusive para obras de interesse público".

Segundo o órgão, no relatório anterior da ONG, metade dos hectares de derrubada apontados para o estado tinha licenciamento pela agência ambiental e medidas compensatórias.

"Vale lembrar que São Paulo continua com um dos menores índices de desmatamento do país e uma área de mata atlântica de 5,4 milhões de hectares", diz a nota, que ressalta que ainda analisará os dados presentes no relatório.

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