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Enegrecer para Ver: Mulheres negras em ascensão social expõem cenários de racismo no mundo dos negócios

Roberto Viana/BNews
Apenas 1% de mulheres negras ocupam cargos de chefia, segundo pesquisa   |   Bnews - Divulgação Roberto Viana/BNews

Publicado em 20/11/2019, às 15h56   Yasmim Barreto


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“É muito triste perceber que 80% das reuniões que eu vou são comandadas por homens e brancos. Acontece, por exemplo, de ir a eventos e eu sou a negra que está ali com outros convidados e quando eu vejo outras pessoas negras, elas estão trabalhando e nos bastidores” 

Esse é o relato de Vitória Adriele Silva, sócia de uma agência de marketing, a Mana Comunicação. A jovem negra, de 23 anos, está imersa no mundo dos negócios desde cedo. A cor da pele e a pouca idade trouxeram à vida da publicitária e empresária diversos “testes” sobre seu profissionalismo e capacidade.

Na estreia da nova série do BNews - Enegrecer para Ver -, a sócia da agência de comunicação relata os obstáculos que foram formados por causa do racismo e como age no enfrentamento ao preconceito, que por vezes aparece atrelado a sua idade.  

“Já cheguei no lugar e percebi que existem pessoas que não estavam 100% à vontade com minha presença, existência, ou só com o fato de estar ocupando aquele lugar. Mas ao invés de recuar ou de tentar só reclamar daquilo, eu me posicionei e isso mudou as coisas”, afirma Vitória Adriele.  

O preconceito por causa da raça atinge diversas esferas, e a ascensão social não blinda negras e negros do racismo, diz Monique Evelle, militante do movimento negro, empreendedora e jornalista. Para ela, a desigualdade racial se expressa de forma mais latente quando se ocupa um lugar de destaque na sociedade, pois, esses locais, em sua maioria, são ocupados majoritariamente por pessoas brancas. 

Para encarar o problema, a sócia da agência de comunicação, Vitória Adriele, conta que utiliza o diálogo como sua maior ferramenta para driblar discursos e atitudes racistas que vivencia diariamente. Em paralelo, a jovem negra se enxerga com uma das suas maiores adversárias, quando acaba subestimando sua própria competência nas funções que exerce à frente da Mana.  

Ouça:

“Se eu fosse branca, as coisas seriam mais fáceis e não posso negar isso, porque eu sei o quanto é difícil, eu tenho que me esforçar mais para convencer as pessoas”, reitera Vitória.  

Dados, negras em cargos de chefia e racismo 

As mulheres negras no mercado de trabalho, sobretudo em cargos de chefia, ocupam números inexpressivos, mas que evidenciam os reflexos do racismo no Brasil. Segundo o estudo do Panorama Mulher 2019, realizado pela Talenses e Insper, apenas 1% desse público está em cargo de diretoria nas empresas, sendo que homens ou mulheres brancas correspondem a 95%. Para obter esses dados, foram analisadas 415 empresas localizadas no país.  

Esses números reverberam também na renda média de pessoas negras. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), através da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral, em 2019, negros receberam 44% a menos que brancos no Brasil. Ainda conforme a pesquisa, a capital baiana possui a maior desigualdade, no qual pessoas negras recebem 61,1% a menos que pessoas brancas, se comparado com o Brasil e a Bahia.  [Confira a média salarial no final da matéria] 

“Isso mostra que o capitalismo até para ganhar dinheiro é ignorante. A população negra movimenta em média R$ 1.7 trilhões por ano”, analisa Monique Evelle.  

Além da economia, a empreendedora traz outros aspectos que poderiam sofrer impactos positivos caso as oportunidades nesse cenário fossem igualitárias. “Quanto mais pessoas negras, mulheres, LGBTQI+ e todas maiorias silenciadas estiverem em cargos de decisão nas empresas, mais inovação, mais impacto social, mais escalabilidade do negócio, mais dinheiro. Ninguém perde, todo mundo ganha”.  

Essa reparação acontece na empresa de Vitoria Adriele, que tem um quadro de funcionários majoritariamente negro. “De uma equipe de 16 pessoas, apenas duas são brancas e isso é proposital. A gente tem uma preferência, por se identificar com essas pessoas, a gente precisa ser representada e isso tem que acontecer de dentro para fora”, explica a empresária. Outro posicionamento da empresa é equiparar a quantidade de colaboradores pelo gênero.  

Média salarial 2º trimestre de 2019 

No Brasil, a média salarial de brancos no segundo trimestre de 2019 é de R$ 2.980, enquanto a renda média de pessoas negras fica em R$ 1.668, o que representa uma diferença de 44%. 

Na Bahia, a diferença diminuiu para 39,5%, sendo que negros recebem R$ 1.367 e brancos R$ 2.261. Ressalta-se que essa desigualdade é ainda mais latente em Salvador, a cidade mais negra fora da África, na qual brancos recebem R$ 4.488 e negros apenas R$ 1.747. 

A população declarada parda também sofre com a média salarial mais baixa que brancos. Em território nacional, pardos recebem R$ 1.695, ou seja, 43,1% a menos. 

Na Bahia, a diferença é de 39,8% menor, com salário de R$ 1.398. Já em Salvador, o número é 50,4% a menos, com salário de R$ 2.226.

Matéria postada originalmente às 8h59 do dia 8 de novembro
Conteúdo faz parte da série especial do BNews sobre o Novembro Negro

Classificação Indicativa: Livre

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