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Cidadão americano está entre detidos suspeitos de matar presidente, diz ministro do Haiti

Igor Rugwiza /UN/MINUSTAH
Com as novas detenções, o número de capturados chegou a seis  |   Bnews - Divulgação Igor Rugwiza /UN/MINUSTAH

Publicado em 08/07/2021, às 16h48   Folhapress



Depois de declarar uma batalha contra os responsáveis pelo assassinato do presidente Jovenel Moïse, as autoridades do Haiti prenderam mais suspeitos do crime nesta quinta-feira (8). Na noite de quarta, quatro criminosos foram mortos, e outros dois, detidos.

Com as novas detenções, o número de capturados chegou a seis, o que inclui pelo menos um cidadão americano, de acordo com o relato de Mathias Pierre, ministro haitiano responsável por assuntos eleitorais, ao jornal Washington Post.

Segundo Pierre, um homem americano identificado como James Solages está entre os presos, e acredita-se que pelo menos mais um dos detidos seja um cidadão haitiano-americano. As autoridades, no entanto, ainda não forneceram evidências do suposto envolvimento dos detidos no assassinato de Moïse.

A possibilidade de interferência americana já havia sido apontada pelo embaixador haitiano nos EUA, Bocchit Edmond. Segundo ele, os criminosos que invadiram a casa de Moïse alegavam ser membros da agência ​americana antidrogas (DEA, na sigla em inglês). Horas depois, Ned Price, porta-voz da diplomacia americana, refutou a teoria e classificou as acusações de "absolutamente falsas".

Em um pronunciamento transmitido pelas emissoras haitianas, o diretor-geral da polícia, Leon Charles, disse que as forças de segurança do país estão empenhadas em uma operação para prender ou matar os membros do grupo responsável pelo ataque ao presidente e à primeira-dama, Martine. Segundo Charles, a maior preocupação agora é achar os mentores da ação. Ele também pediu que a população ajude os policiais e evitem causar tumultos.

Centenas de moradores se reuniram do lado de fora da delegacia onde os suspeitos estão detidos em Porto Príncipe, capital do Haiti, gritando "queimem-nos" e ateando fogo a um veículo que presumiram ser dos assassinos. A ação, que se soma a um longo histórico de manifestações violentas nas ruas haitianas, levou o premiê interino, Claude Joseph, a fazer um apelo para que a população não linche os suspeitos.

As autoridades não divulgaram informações sobre as possíveis motivações do crime nem sobre a identidade dos agressores, mas de acordo com outro ministro - Pradel Henriquez, das Comunicações-, os detidos são estrangeiros. A hipótese já havia sido levantada por Joseph, que disse que os criminosos foram ouvidos falando em inglês e espanhol, o que indicaria que não são haitianos, já que os idiomas oficiais do país são o francês e o crioulo.

Segundo a imprensa local, citando o juiz encarregado do caso, Moïse foi encontrado com ao menos 12 marcas de tiros. "O escritório e a sala foram saqueados. Nós o encontramos deitado de costas, [usando] calça azul, camisa branca manchada de sangue, boca aberta, olho esquerdo furado", disse o magistrado Carl Henry Destin ao jornal haitiano Le Nouvelliste.

Uma filha do casal, Jomarlie, estava em casa durante o ataque, que ocorreu na madrugada, mas conseguiu se esconder num dos quartos. A primeira-dama, também baleada, foi transferida para receber tratamento em Miami e, segundo Joseph, está fora de perigo e em situação estável.

O país está em luto oficial por duas semanas. Enquanto isso, uma nova crise se desenha no alto escalão do governo, desta vez em torno do nome que deve suceder o líder autoritário.

Joseph, o premiê interino, tem sido, na prática, o chefe de Estado. Foi ele quem anunciou a morte de Moïse, divulgou informes sobre o estado de saúde da primeira-dama, fez apelos à comunidade internacional e ao Conselho de Segurança da ONU e disse estar no comando do país.

Nomeado primeiro-ministro em abril, tornou-se o sexto a ocupar o cargo sob a liderança de Moïse. Dois dias antes de ser assassinado, no entanto, o presidente fez outra indicação: o neurologista Ariel Henry deveria substituir Joseph e se tornar o novo premiê nesta quarta-feira.

O ataque ao presidente, porém, impôs-se como prioridade, de modo que Henry não foi oficializado no cargo. Mas a ausência de uma cerimônia formal de posse não o impediu de se considerar o novo premiê.

"Na minha opinião, ele [Joseph] não é mais o primeiro-ministro. Existem vários primeiros-ministros nomeados no país?", questionou Henry, em entrevista publicada nesta quinta pelo Le Nouvelliste. "Não quero pôr mais lenha na fogueira. Devemos evitar tanto quanto possível inflamar o país."

Para Henry, Joseph fez, em geral, um bom trabalho diante da crise, mas errou em alguns momentos, como ao decretar estado de sítio -medida que, por duas semanas, dá ainda mais poderes ao Executivo num país em que o Legislativo teve as funções praticamente anuladas pelo presidente assassinado.

Na visão do indicado a premiê, portanto, Joseph deveria retomar suas funções de ministro das Relações Exteriores. "Se não houvesse necessidade de outro governo, acho que Moïse não teria me procurado", disse Henry, acrescentando que as negociações para a formação de seu gabinete estavam avançadas.

Questionado sobre quando as condições políticas atuais do país lhe permitiriam assumir o cargo, respondeu que havia um cronograma planejado com o presidente, "mas ele morreu". "Acho que temos que chegar a um consenso com todos os atores, não sou o único no comando."

Diante do impasse, o presidente da Suprema Corte seria o nome a preencher a lacuna deixada por Moïse, de acordo com a Constituição haitiana, datada de 1987. Assim, o último detentor do cargo, René Sylvestre, seria a solução para o vácuo de poder, mas ele morreu no mês passado, vítima da Covid-19. O Haiti ainda não iniciou sua campanha de vacinação contra o coronavírus, já que ainda não dispõe de imunizantes -outros quatro países encontram-se em situação semelhante.

Emendas à Carta -que, no entanto, não são reconhecidas por unanimidade por juristas haitianos- estipulam então que quem deve ocupar a Presidência é o primeiro-ministro, o que tem baseado as reivindicações de Joseph e Henry, mas ainda não está claro quem é, de fato, o premiê do Haiti.

Outra possibilidade prevista em lei determina que, se a Presidência ficar vaga no último ano de um mandato -como no caso de Moïse-, é o Parlamento o responsável por eleger o novo líder. Nesse sentido, uma ação prévia de Moïse impede a aprovação que só pode ser dada pelo Legislativo.

No ano passado, ele suspendeu dois terços do Senado, toda a Câmara dos Deputados e todos os prefeitos -e vinha governando por meio de decretos desde então. Assim, sem o Parlamento atuante, nem Joseph nem Henry encontram respaldo na lei haitiana para ocupar a Presidência.

Henry, segundo a entrevista ao Nouvelliste, aposta na interlocução com a classe política do país, incluindo os dez senadores que ainda seguem em seus cargos. Além disso, disse estar em contato com atores da comunidade internacional, embora não tenha especificado a quem se refere.

Joseph, por sua vez, tem o apoio da ONU. Helen La Lime, enviada especial da entidade ao Haiti, reconheceu que "há pessoas em todos os lados tendo diferentes interpretações", mas afirmou que é Joseph quem está no comando. Segundo ela, o interino se comprometeu a manter o plano de realizar as eleições parlamentares e presidenciais com início previsto para setembro.

"As partes interessadas precisam deixar de lado suas diferenças e traçar um caminho comum para avançar e superar este momento difícil de maneira pacífica", disse La Lime, pouco depois de participar de uma reunião do Conselho de Segurança que, em caráter de urgência, discute a situação atual do Haiti.

​O país já vivia uma crise política e uma disputa de narrativas antes do ataque ao presidente. De um lado, a oposição defendia que o mandato presidencial havia terminado em fevereiro deste ano, cinco anos após a data em que Moïse deveria ter tomado posse, em fevereiro de 2016, caso a eleição de 2015 não tivesse sido anulada em meio a acusações de fraudes.

Do outro lado, o líder haitiano argumentava que seu mandato terminaria apenas em 2022, uma vez que ele só assumiu o cargo em 2017, após um ano de governo interino do qual ele não fazia parte -posição defendida pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pelos Estados Unidos.

O plano da oposição para trocar o comando do país exigia que membros da sociedade civil e líderes políticos escolhessem um novo presidente entre os juízes da Suprema Corte, em vez de esperar pelas eleições gerais de setembro.

Mas essa estratégia levou à prisão mais de 20 pessoas, entre as quais um juiz da mais alta instância da Justiça haitiana e um dos inspetores-gerais da polícia, sob a acusação de envolvimento em uma tentativa de golpe de Estado e em uma conspiração para assassinar Moïse.

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