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Entenda o que é o Grupo Wagner, mercenários que atuam na Guerra da Ucrânia

Ministério da Defesa Ucraniano
O Grupo Wagner estaria se vingando de ações encabeçadas por Moscou  |   Bnews - Divulgação Ministério da Defesa Ucraniano

Publicado em 23/06/2023, às 23h38 - Atualizado às 23h38   FolhaPress


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O Grupo Wagner voltou ao centro do debate sobre a Guerra da Ucrânia nesta sexta-feira (23) após seu fundador, Ievguêni Prigojin, dizer que as justificativas dadas pela Rússia para invadir o país vizinho há mais de um ano são falsas.

A alegação é mais um episódio público de conflito entre Ievguêni Prigojin, um aliado de longa data do presidente Vladimir Putin, e o alto escalão do Exército russo, mas o caso cresceu após o russo prometer se vingar de recentes ações encabeçadas por Moscou.

Em comunicado, o Ministério da Defesa da Rússia disse que todas as afirmações não condiziam com a realidade e eram meras "provocações informativas". Horas depois, foi anunciada uma investigação contra Prigojin por convocar uma rebelião armada.

A empresa militar atua na Guerra da Ucrânia e em nações da África e reflete a privatização do uso da força em conflitos, segundo especialistas, já que não é um caso isolado -diversas companhias no mundo angariam ex-militares para prestar serviços de segurança, como proteger instalações minerais ou de petróleo, ou dar apoio operacional em conflitos armados.

QUAL O HISTÓRICO DA RÚSSIA COM ESSES GRUPOS?

Empresas militares privadas começaram a florescer na Rússia no final dos anos 1980, em meio ao colapso da União Soviética. Com o fim da Guerra Fria e a crise financeira, o governo reduziu as forças militares ativas, tornando milhares de veteranos com ampla experiência em força de trabalho disponível para contratação.

Também fazem parte do Wagner milhares de detentos recrutados em prisões para atuarem na guerra -servindo de bucha de canhão, como se viu nos meses da batalha mais longa e sangrenta da guerra, pelo controle de Bakhmut, em Donetsk, no leste ucraniano. Esses homens, porém, não são motivados apenas pela oportunidade de trabalho, segundo especialistas, mas também pelo nacionalismo russo, que passa por um renascimento nos últimos anos.

Análises de institutos independentes, como o londrino Tech Against Terrorism, sugerem que membros do Wagner estão diretamente conectados com organizações de extrema direita -elemento que, de certo modo, lhe confere algo em comum com o Batalhão Azov, milícia ucraniana formada como resposta ao movimento separatista russo no Donbass e que foi, em parte, incorporada pelas Forças Armadas.

É documentado que o Wagner atuou na Síria, onde o governo de Vladimir Putin apoia a ditadura de Bashar al-Assad, e na Líbia, alinhado ao líder rebelde Khalifa Haftar. Também em países africanos, como Mali, Moçambique e República Centro-Africana. Neste último, relatório da ONU do ano passado relatou que grupos armados russos ajudaram o governo em casos de uso excessivo da força, assassinatos de civis, ocupação de escolas e saques em grande escala.

QUAL A ATUAÇÃO PRÉVIA DO GRUPO WAGNER NA UCRÂNIA?

O grupo atua na Ucrânia desde 2014 no Donbass, onde estão as duas autoproclamadas repúblicas separatistas pró-Rússia de Donetsk e Lugansk. O caso localmente conhecido como Wagnergate, de julho de 2020, simboliza bem o peso que a atuação do grupo teve na porção leste do país.

Naquela época, após meses de investigação, serviços de inteligência ucranianos colocam em prática um plano que tinha como objetivo cooptar ex-soldados do Wagner e conseguir que eles entrassem novamente no território do país para que fossem presos com base na legislação nacional pelos atos ali cometidos. Mas a ação deu errado, como mostrou extensa investigação do site jornalístico Bellingcat.

Fazendo-se passar por mercenários russos, homens da inteligência cooptaram ao menos 33 ex-agentes do Wagner que viviam na Rússia, convidando-os para um serviço de proteção de instalações de petróleo na Venezuela. Eles teriam de ir para a Belarus e, dali, pegar um voo para Caracas. A ideia era que esse voo, que por meia hora sobrevoaria o território da Ucrânia, tivesse de fazer um pouso de emergência nos arredores de Kiev -quando, então, os mercenários seriam presos.

Mas problemas de logística fizeram com que os homens ficassem mais tempo na Belarus. O país do ditador Aleksandr Lukachenko estava em meio a eleições presidenciais e grandes protestos de rua. Os ex-agentes do Wagner foram presos pela polícia belarrussa, e Lukachenko, mesmo sendo um dos principais aliados de Moscou, chegou a dizer que os homens foram enviados por Putin para desestabilizar o país.

Depois de longas tratativas diplomáticas, nas quais o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, pediu a extradição dos homens para que eles fossem julgados e Putin fez movimento similar, Lukachenko decidiu enviá-los novamente para a Rússia.

O QUE PREVÊ O DIREITO INTERNACIONAL?

Em teoria, a atuação de empresas militares privadas e de mercenários é coibida ou vista com extrema cautela pelo direito humanitário internacional, mas essa avaliação esbarra em um emaranhado de normas que variam significativamente de país para país.

A Convenção Mercenária das Nações Unidas, de 2001, ratificada por pouco mais de 40 nações, impede o recrutamento, treinamento, uso e financiamento de mercenários, mas não chega a detalhar a proibição do uso de empresas militares privadas por Estados soberanos.

Já o Documento de Montreux, criado em 2008 por iniciativa da Suíça e da Cruz Vermelha, reafirma a obrigação dos Estados de assegurarem que companhias militares privadas operantes em conflitos armados cumpram as regras do direito internacional, bem como assegurem que as empresas poderão ser processadas quando -e se- ocorrerem violações, como crimes de guerra.

O documento foi ratificado por 58 países e três organizações, como a União Europeia e a Otan, a aliança militar ocidental -a Ucrânia também assinou os compromissos. A Rússia, no entanto, não é signatária de nenhum tratado internacional que coíba a privatização do uso da força em guerras.

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