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Sabe o que é sonambulismo sexual? Entenda distúrbio que levou a arquivamento de processo na Justiça

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Caso envolvendo mulher aconteceu em 2017 e passou longo período correndo na Justiça  |   Bnews - Divulgação Reprodução/Pixabay

Publicado em 09/10/2022, às 09h49   Redação BNews



Distúrbio do sono medicamente conhecido, a "sexsomnia" ou sonambulismo sexual é uma condição na qual pessoas realizam atos sexuais durante o sono.

Para muitos, a explicação meramente técnica pode soar como algo simples. Porém, a patologia foi responsável pelo arquivamento de um processo, na Justiça, que havia sido aberto por uma mulher que considerou ter sido vítima de estupro.

O caso ocorreu na Inglaterra, em 2017. A jovem Jade McCrossen-Nethercott, de 24 anos, acordou em um sofá dentro de um apartamento, no sul de Londres, e descobriu que estava seminua.

Ao despertar, ela também teve a sensação intensa, em relato a BBC Brasil, de ter sido penetrada e suspeitou que havia sido estuprada enquanto dormia.

Desesperada, ela ligou para uma amiga, chamada Bel, que acionou a emergência, o que deu início, posteriormente, a todo processo policial. De acordo com ela, Jade estava "histérica e soluçando", afirmando que teria sido estuprada.

Na noite anterior, as duas tinham saído para um bar na capital inglesa. Na volta pra casa, Bel pediu um táxi, mas Jade decidiu voltar para o apartamento de um amigo com algumas pessoas para uma última bebida.

Por volta das 2h, com as pessoas ainda conversando ao seu redor na sala, ela se enrolou debaixo de um cobertor no canto do sofá, completamente vestida, e pegou no sono.

Às 5h, Jade afirmou ter acordado e descoberto que estava sem calças e com seu sutiã desabotoado. Ela diz que viu um homem do outro lado do sofá em que estava deitada.

"Eu o confrontei dizendo: 'O que aconteceu? O que você fez?' E ele disse algo que achei um pouco estranho. Ele disse 'Achei que você estava acordada'. E ele simplesmente saiu correndo e deixou a porta aberta. E eu peguei meu telefone e comecei a ligar para Bel", disse ela, à BBC Brasil.

Investigação e choque

Jade foi levada para a polícia e passou por exames que apontaram que havia sêmen nas partes íntimas dela que pertenciam ao mesmo homem que ela havia confrontado.

Em depoimento formal, a jovem foi questionada pela primeira vez sobre o sono e respondeu que sempre teve um sono profundo e foi sonâmbula algumas vezes na adolescência.

Já durante interrogatório aos agentes, o rapaz permaneceu calado. Ainda assim, o CPS (Crown Prosecution Service, a procuradoria britânica), tomou a decisão de indiciá-lo por estupro. Ele se declarou inocente.

Porém, para a surpresa de Jade, o caso acabou arquivado, após especialistas alegarem que ela poderia estar sofrendo de sonambulismo sexual. Por causa disso, o CPS não acreditava mais que poderia garantir uma condenação. O julgamento chegou a ter data marcada mas nunca foi adiante.

Jade passou meses contestando a decisão. Ela solicitou todas as provas — incluindo entrevistas com a polícia, resultados de toxicologia, depoimentos de testemunhas e relatórios de especialistas em sono, sendo que nenhum deles a ouviu pessoalmente.

O primeiro especialista, que havia sido instruído pela defesa, concluiu que havia uma "forte possibilidade" de que Jade tivesse um ataque de sonambulismo sexual, dizendo que "seu comportamento teria sido de alguém se envolvendo ativamente em ato sexual com os olhos abertos e demonstrando prazer".

O CPS então contratou seu próprio especialista em resposta. Ele concluiu que "um histórico de sonambulismo, mesmo uma vez aos 16 anos de idade, e falar durante o sono ou qualquer histórico familiar, é inteiramente adequado para estabelecer uma predisposição ao sonambulismo sexual".

Jade, então, buscou outra opinião sobre o assunto, através de Irshaad Ebrahim, médico do London Sleep Centre, que tem experiência em dar pareceres em casos de estupro.

O especialista pontuou que esta foi a primeira vez que ele ficou sabendo de um caso em que a suposta vítima do estupro era acusada de ter sonambulismo sexual. Em todos os outros casos de estupro que ele encontrou, o réu era quem alegava ter tido um ataque de sonambulismo sexual.

O médico pontuou que não existe nenhuma maneira precisa de diagnosticar o sonambulismo sexual. Mas, afirmou que as pessoas que ele vê com o distúrbio são tipicamente do sexo masculino e tendem a ter um histórico de comportamento sexual durante o sono.

Jade então passou por um teste de sono — uma polissonografia, que monitora as ondas cerebrais, a respiração e o movimento durante o sono.

O teste indicou que ela ronca e tem apneia do sono leve, uma condição comum em que a respiração para e começa durante o sono. Ambos são, de acordo com Ebrahim, fatores potenciais para o sonambulismo sexual, então ele não pode descartar que ela possa ter tido um episódio isolado.

A jovem inglesa também procurou a advogada Allison Summers para entender como o assunto é tratado na Justiça. A defensora afirmou a Jade que os especialistas em sono quase nunca são capazes de dizer definitivamente se alguém tem a condição — mas dizer "é possível" pode ser suficiente para um júri chegar a um veredicto de absolvição.

"Acho que, como resultado disso, alguns culpados são absolvidos? Sim, acho. Mas geralmente preferiria que fosse assim do que condenar, por ofensas graves, pessoas que são genuinamente inocentes", disse Allison.

Sonambulismo sexual deve sempre ser fortemente contestado no tribunal, de acordo com as diretrizes do CPS. Mas o caso de Jade nunca chegou ao tribunal, também segundo a BBC Brasil.

De posse de todo o material levantado, Jade apresentou recurso, que foi revisado por um promotor-chefe do CPS. Na conclusão, ele disse que o caso deveria ter ido a julgamento — e que as opiniões dos especialistas em sono e o relato do réu deveriam ter sido contestadas no tribunal.

Porém, de acordo com a legislação britânica, a primeira decisão do CPS impede que o caso dela seja reaberto. O réu foi considerado oficialmente inocente — e, portanto, as leis de dupla incriminação significam que ele não pode ser julgado sem novas provas convincentes.

Agora, a jovem está processando a procuradoria do país.

Classificação Indicativa: Livre

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