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Crimes ambientais, sal-gema e afundamento de bairros: Entenda polêmicas envolvendo a Braskem

Jonathan Lins / Folhapress
Braskem é considerada responsável pelo maior desastre ambiental urbano do país  |   Bnews - Divulgação Jonathan Lins / Folhapress
Edvaldo Sales

por Edvaldo Sales

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Publicado em 13/08/2023, às 17h45


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Tragédia. Essa é uma das palavras mais associadas à Braskem desde 3 de março de 2018, ano em que foi registrado o afundamento de cinco bairros, afetando a vida de cerca de 60 mil pessoas em Maceió (AL). O maior desastre ambiental urbano em curso no país completou cinco anos em julho deste ano, impactando uma área equivalente a 20% do território da capital alagoana.

Os danos ao solo foram sentidos, inicialmente, por meio de tremores de terra. O abalo sísmico fez ceder trechos de asfalto e causou rachaduras no piso e paredes de imóveis, atingindo cerca de 14,5 mil casas, apartamentos e estabelecimentos comerciais nos bairros Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol. 

Alguns imóveis racharam com o tremor de magnitude 2,5 na escala Richter, mas, em um primeiro momento, o evento geológico não fez vítimas e parecia não ter causado grandes consequências.

O Serviço Geológico do Brasil, órgão do governo federal, concluiu que as atividades de mineração da Braskem em área de falha geológica causaram os afundamentos. Em Maceió, a petroquímica teve 35 poços de extração de sal-gema, que é retirado de rochas e se forma no subsolo, a cerca de mil metros da superfície.

Ele pode ser usado normalmente na cozinha, como o sal rosa do Himalaia vendido em supermercados, que é sal-gema. Além disso, seu uso é importante em vários processos industriais e, para a Braskem, o resultado da mineração serve para produzir PVC e soda cáustica.

Na década de 1960, e, em 1976, grandes quantidades de sal-gema foram encontradas no subsolo de Maceió. A empresa Salgema começou a cavar minas na região, com anuência das autoridades locais. 

A Braskem não admite, oficialmente, ter causado o problema, mas já concordou, na Justiça, em pagar mais de R$ 12 bilhões para indenização de moradores e comerciantes, realocação de escolas e hospitais e financiamento de ações que minimizem o drama causado pelo afundamento de bairros inteiros.

Luta por reparação justa

De acordo com a vereadora Teca Nelma (PSD-AL), que segue cobrando ações mais efetivas por parte da Braskem, os moradores ainda lutam por reparação justa e existe um debate intenso na cidade sobre como o espaço destruído será reutilizado.

Em entrevista exclusiva ao BNews, a edil disse que, em 21 de julho deste ano, a Prefeitura anunciou um acordo celebrado com a Braskem no valor de R$ 1,7 bilhão em indenização para a capital, dos quais cerca de R$ 700 milhões já haviam sido provisionados pela Companhia em exercícios anteriores. 

“Esse acordo nos preocupa primeiro pela quantia irrisória destinada diante dos prejuízos causados por esse crime ambiental; e segundo pela ausência da participação da população e das comunidades afetadas neste que deve ser um diálogo com toda sociedade maceioense”, analisou a vereadora.

A última atualização é que o governo de Alagoas pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) a “suspensão do acordo por ser excludente, extrapolar suas funções e não ser transparente”. 

Em documento enviado ao BNews, a petroquímica esclarece que o “Termo de Acordo Global estabelece a indenização, compensação e ressarcimento integral do Município de Maceió em relação a todo e qualquer dano patrimonial e extrapatrimonial por ele suportado, e está sujeito à homologação judicial”.

Teca Nelma pontua ainda que Maceió vem sofrendo os efeitos do episódio que culminou no afundamento de cinco bairros.

Uma situação que até hoje afeta o trânsito, os custos de moradia na cidade, aumentou a população de animais errantes, inutilizou prédios públicos, escolas, postos de saúde, construções com valor histórico e cultural para os bairros e para a cidade. Além de atingir a saúde física e psicológica dos moradores que precisaram deixar suas casas”. 

“Mas antes disso, a Braskem já apresenta um histórico de ameaça ao meio ambiente e à população, desde que instalada no Trapiche da Barra, numa região que hoje está praticamente desabitada”, acrescenta.

A vereadora destaca ainda que “existe um sentimento grande de impunidade e de injustiça, além das dúvidas em torno da utilização de todo aquele espaço que foi desocupado e se transformou em verdadeiros bairros fantasmas na cidade”. 

É preciso que continuemos cobrando uma reparação justa para os moradores e para toda cidade que vive hoje os efeitos desse crime”. 

Desembargador vira alvo do CNJ

O desembargador e presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL), Fernando Tourinho de Omena Souza, foi alvo, na última terça-feira (8), de uma reclamação disciplinar feita ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) após suspender o bloqueio de R$ 1,08 bilhão das contas da Braskem.

A denúncia foi feita pela advogada alagoana Adriana Mangabeira Wanderley. Ao órgão, ela pediu que a medida adotada pelo desembargador seja devidamente investigada, e que o processo administrativo disciplinar, com aplicação da penalidade cabível – e prevista em lei – seja aplicado.

O que diz a Braskem

Em nota enviada ao BNews, a Braskem disse que desenvolve ações em Maceió com foco na segurança das pessoas e na implementação de medidas amplas e adequadas para mitigar, compensar ou reparar impactos decorrentes da desocupação de imóveis nos bairros atingidos. 

As iniciativas, acordadas com autoridades federais, estaduais e municipal, abrangem diversas medidas como a realocação preventiva e compensação financeira das famílias; ações sociourbanísticas e ambientais; apoio a animais; zeladoria nos bairros; monitoramento do solo e fechamento definitivo dos poços de sal”.  

A empresa cita ainda o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF), que foi criado em 2019 para “apoiar a realocação preventiva e garantir que as pessoas possam ser indenizadas de maneira justa”.

De adesão voluntária, o Programa chegou ao fim de julho com 19.051 propostas apresentadas aos moradores das áreas de desocupação e monitoramento. O número equivale a 99% de todas as propostas previstas. Do total de propostas apresentadas, 18.356 já foram aceitas. Também até julho, 17.493 indenizações foram pagas, superando 91% do total esperado.  Somadas aos auxílios financeiros, o valor passa de R$ 3,7 bilhões”.

Conforme a Braskem, já as medidas para mitigar, compensar ou reparar impactos causados pela desocupação dos bairros se dividem em três frentes de atuação – sociourbanística, ambiental e de estabilização e monitoramento.  

A petroquímica detalhou, no texto, que na frente ambiental, um plano de ação já foi entregue às autoridades, após cumprir as fases de diagnóstico e escuta pública, e segue o rito para sua execução. 

Já o diagnóstico da frente sociourbanística, que aborda questões relacionadas ao planejamento e infraestrutura urbana, patrimônio cultural, políticas sociais, economia e trabalho, entre outras, foi apresentado no último mês de março, em escutas públicas formais, a fim de receber contribuições para o Plano de Ações Sociourbanísticas”.       

Mobilidade urbana

Segundo a empresa, no eixo de mobilidade urbana, as obras estão em fase de execução, com investimento previsto de R$ 360 milhões. A Braskem explicou que o pacote reúne ações consideradas prioritárias pelo município e complementadas por estudos técnicos realizados por empresa especializada e custeados pela petroquímica. 

As medidas incluem a construção, ampliação ou recuperação de 33,4 quilômetros de vias; 11,5 Km de ciclovias; sistema de semaforização inteligente, videomonitoramento e requalificação de passeios públicos”.   

Na nota, a petroquímica afirma que a extração de sal-gema foi totalmente encerrada em maio de 2019. “A Braskem vem adotando as medidas adequadas para o fechamento definitivo dos poços de sal, conforme plano apresentado às autoridades e aprovado pela Agência Nacional de Mineração (ANM)”, pontuou.

Outras ações    

A Braskem afirmou também que assumiu o compromisso de disponibilizar recursos, no valor mínimo de R$ 150 milhões, para indenização por danos sociais e danos morais coletivos. “O montante foi dividido em cinco parcelas anuais de R$ 30 milhões e três já foram depositadas. Os recursos serão geridos por um comitê formado por representantes da sociedade civil e de órgãos públicos”.  

Leia o restante da nota na íntegra: 

Além disso, em fevereiro de 2020, a Braskem destinou R$ 40 milhões para diversas ações nos bairros, com foco na reparação de prejuízos socioeconômicos para moradores e trabalhadores afetados, incluindo verba para construção de escolas e a realização de programas de qualificação, requalificação e capacitação para moradores, microempreendedores e profissionais da indústria e do comércio, dos bairros do Bebedouro, Bom Parto, Mutange e Pinheiro.   

A empresa também está implementando as 23 medidas socioeconômicas definidas no Projeto Integração Urbana e Desenvolvimento dos Flexais, que tem como objetivo restabelecer a dinâmica socioeconômica da região situada fora do mapa de desocupação e monitoramento definido pela Defesa Civil, mas onde estudos apontaram uma situação de ilhamento socioeconômico após a desocupação de parte dos imóveis localizados nos bairros vizinhos (Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol). O detalhamento dessas ações vem sendo feito em permanente diálogo com moradores. 

Entre os serviços já implementados, estão a limpeza urbana e o combate a pragas, vigilância e instalação de câmeras de segurança, rota de ônibus de uso exclusivo e gratuito para a população dos Flexais, transporte escolar, serviço de apoio psicológico e um espaço que abriga secretarias municipais para o atendimento direto à comunidade. O projeto prevê ainda a requalificação viária, da iluminação pública e da Praça Nossa Senhora da Conceição, além da construção de uma nova Unidade Básica de Saúde (UBS), creche e escola infantil, centro de apoio aos pescadores, centro comercial e espaço para feira livre.  

Além da indenização aos moradores e comerciantes do Flexal, em razão dos impactos decorrentes da situação de ilhamento socioeconômico, a Braskem efetuou – em novembro de 2022 – o pagamento de R$ 64 milhões ao Município de Maceió para a execução de medidas adicionais na região.   

Futuro

No Termo de Acordo Socioambiental firmado com o Ministério Público Federal, com participação do Ministério Público do Estado de Alagoas, a Braskem se compromete a não edificar nas áreas desocupadas, para fins comerciais ou habitacionais. Discussões futuras sobre a área e sua utilização poderão ser feitas a partir do Plano Diretor do Município, instrumento amplamente debatido pelas autoridades e a sociedade, ou seja, em nenhum momento a decisão sobre o futuro da área caberá exclusivamente à Braskem.

Classificação Indicativa: Livre

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