Quarenta milhões de reais. Este é o prejuízo total à população, às ações de saúde e ao erário do Município de Salvador por seis anos de terceirização irregular dos Programas Saúde da Família (PSF) e de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) à Real Sociedade Espanhola de Beneficência (RSEB). A fim de reparar os danos causados pela dilapidação das verbas da Saúde na capital baiana, os Ministérios Públicos Federal (MPF/BA) e do Estado da Bahia (MP-BA) propuseram, em julho de 2009, duas ações de improbidade administrativa decorrentes da execução do Contrato 34/2002, que resultou na terceirização dos programas. Isso após dois anos de morte do servidor Neylton Souto da Silveira, assassinado dentro do prédio da secretaria de Saúde do município, em 6 de janeiro de 2007.
"Na época o filho de Neylton disse que o pai vinha sofrendo pressão com relação aos contratos que estava analisando. Quando fomos verificar o mais importente e mais significativo era o contrato referente à Real Sociedade Espanhola. Dois contratos referentes ao PSF, valores altíssimos", afirmou a promotora pública do Estado da Bahia, Rita Tourinho. "Ficou claro que os contratos eram sem controle efetivo e percebemos prejuízo ao erário", ressaltou. As ações, que estão aguardando julgamento são de número 2093300010888-0 e 2093300019890-1 e estão na 12ª Vara Cível da Justiça Federal.
Ações
As ações de improbidade foram divididas por gestão, já que o contrato vigorou por duas gestões municipais. Uma das ações é relativa ao prejuízo de 25,5 milhões de reais na gestão 2001 a 2004, na qual são réus a ex-secretária de Saúde, Aldely Rocha Dias, o ex-coordenador de Administração da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Oyama Amado Simões, a ex-presidente da Comissão Permanente de Licitação, Maria Edna Lordelo Sampaio e a RSEB. A outra, refere-se ao período de 2005 a 2007, ano de encerramento do contrato, cujo cálculo do prejuízo chega a 14,6 milhões de reais, e em que são réus o também ex-secretário da SMS, Luiz Eugênio Portela - secretário à época da morte do servidor, a ex-subsecretária da SMS, Agláe Amaral Souza, e novamente a Real Sociedade Espanhola. A RSEB responde, nas duas ações, por todas as irregularidades apontadas.
Em 2010, os Ministérios Públicos do Estado da Bahia (MP-BA) e Federal (MPF-BA) ajuizaram três novas ações civis públicas denunciando atos de improbidade administrativa cometidos no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) entre 2001 e 2004, durante a gestão da ex-secretária de Saúde Aldely Rocha, que resultaram em um prejuízo de cerca de R$ 11 milhões aos cofres públicos. Autoras das ações, a promotora de Justiça Rita Tourinho e a procuradora da República Juliana Moraes denunciam a realização de terceirização ilegal de serviços, superfaturamento de contratos, vícios em processos licitatórios, pagamentos indevidos, dentre outras irregularidades. Resultado de mais de dois anos de investigações sobre a gestão de recursos federais e municipais pela SMS, iniciadas após a morte do servidor. As três ações foram ajuizadas no final de dezembro de 2010, na Justiça Federal, e têm entre os réus a ex-secretária Aldely Rocha, a Real Sociedade Espanhola de Beneficência (RSEB), o Hospital Evangélico da Bahia (HEB) e a Gestmed Gestão e Serviços de Saúde Ltda. Em julho de 2009, as representantes dos MPs denunciaram vícios encontrados na execução de um contrato firmado pela SMS e RSEB para terceirização dos Programas Saúde da Família (PSF) e de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), com prejuízo estimado em R$ 40 milhões.
Dívida milionária do Espanhol
Desde 2012 com as portas fechadas e dívidas que ultrapassam a casa dos R$ 200 milhões, o caixa preta do Hosítal Espanhol revela novos capítulos esta semana. Além do encontro do embaixador espanhol com o governador Rui Costa (PT) e com o prefeito ACM Neto (DEM), no qual foram discutidos investimentos e apoio ao hospital, o Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT) enviou uma nota esclarecendo as dívidas trabalhistas da instituição.
De acordo com o TRT, um acordo foi firmado em outubro de 2013 entre o Hospital Espanhol e os credores trabalhistas e que teve como objetivo a quitação dos processos e a preservação da atividade de relevante função social desempenhada pela mencionada instituição. "Assim, em contrapartida à suspensão de todos os atos expropriatórios decorrentes de Sentenças Judiciais, o Hospital comprometeu-se a realizar aportes mensais em favor de um Fundo gerido pelo Juízo de Conciliação, a débito do qual eram pagos os processos habilitados ao acordo global", diz a nota.
Ainda conforme o TRT, cerca de um ano após a celebração do acordo global, o Hospital interrompeu as suas atividades, o que gerou uma demissão massiva e imediata de mais de 1200 (mil e duzentos) funcionários. Desde então, atento aos princípios da eficiência e celeridade processual, o Tribunal Regional do Trabalho tem envidado todos os esforços possíveis e necessários para que o débito trabalhista do Hospital seja quantificado da maneira mais completa possível.
De acordo com o TRT, em audiência global realizada em novembro de 2015, o Juízo de Conciliação do TRT forneceu ao Hospital Espanhol um mapeamento completo dos seus processos trabalhistas, contendo importantes informações, tais como o número total de processos ajuizados, total de processos já conciliados e valor total conciliado à época. "Informe-se que, após a execução de todas essas medidas, já foram habilitados, até a presente data, na planilha geral de pagamentos, 1.831 (mil, oitocentos e trinta e um) processos, que, juntos, totalizam um débito trabalhista de quase R$ 125.000.000,00 (cento e vinte e cinco milhões de reais). Ademais, atento à necessidade de garantir as execuções em trâmite neste Tribunal, em face da sua natureza alimentar, foi instaurado o Procedimento de Penhora Unificada de todos os bens móveis e imóveis do Hospital, a fim de assegurar o cumprimento do acordo global a partir da alienação dos referidos bens.
Por trás de uma crise oriunda de má gestão, há a criação de um Conselho Administrativo, proposta de empréstimos, financiamentos e divergências entre dirigentes e conselheiros. Dos mais de 100 milhões que poderiam ajudar o Espanhol a enfrentar a crise, 53 milhões estão sendo investigados pelo Ministério Público do Estado da Bahia (MP) e pelo Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE).
A reportagem entrou em contato com o TCE que, através de nota, informou que "em relação à demanda por informações sobre as investigações envolvendo o Hospital Espanhol, o Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE/BA), em cumprimento ao que determina a Lei Complementar Federal nº 105, de 2001 – que dispõe sobre sigilo das operações de instituições financeiras – não pode manifestar-se sobre operações relacionadas à Desenbahia".
Morte de Neylton
Há dez anos um crime chocou a capital baiana e movimentou os bastidores da política local. No dia 6 de janeiro de 2007, um sábado, o servidor Neylton Souto da Silveira, de 38 anos, foi brutalmente assassinado dentro do prédio da Secretária de Sáude do Município (SMS). O corpo do servidor foi encontrado no pátio interno do prédio da SMS ainda pela manhã e trajava apenas uma camisa tipo gola-polo preta, cueca e uma meia. Após quase um ano depois, os sapatos sociais e a calça jeans que o servidor trajava foram encontrados nos dutos subterrâneos, por onde passam as tubulações do prédio. Neste dia, segundo a família, o servidor informou que houve uma convocação para que três pessoas, incluindo ele, comparecessem ao prédio. Mas, segundo as investigações, apenas Neylton esteve no prédio. Além dele, os dois vigilantes - Jair Barbosa da Conceição e Josemar dos Santos. Ambos, condenados a 14 anos de prisão pela morte do servidor. Jair negou a participação. Josemar em depoimento chegou a confessar o crime e também afirmar que receberia uma recompensa no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais) da ex-subsecretaria municipal de saúde, Aglaé Amaral Sousa, e da ex-consultora técnica da SMS na época (2007), Tânia Maria Pedrosa. Ambas chegaram a ser presas um mês após o crime, mas logo foram soltas e em 2010, o Magistrado da 1ª Vara do Juri não encontrou provas suficientes para mandar a ex-subsecretária de saúde e a ex-consultora técnica da SMS ao Tribunal do Juri, juntamente com os vigilantes. Os desembargadores do Tribunal de Justiça tiveram o mesmo entendimento e com isso, elas foram inocentadas.
Josemar, o vigilante que citou as duas funcionárias da SMS como mandantes, está desaparecido desde 2012. O veículo dele, um Palio, foi encontrado incendiado na Ladeira do Olassá, próximo ao Parque do Abaeté. O outro vigilante, Jair, que sempre negou participação no crime, foi beneficiado por um Habeas Corpus e responderá o processo em liberdade.