Polícia

Caso Neylton: servidor teve acesso a contratos milionários com a Real Sociedade

Publicado em 04/05/2017, às 12h53   Caroline Gois


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Quarenta milhões de reais. Este é o prejuízo total à população, às ações de saúde e ao erário do Município de Salvador por seis anos de terceirização irregular dos Programas Saúde da Família (PSF) e de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) à Real Sociedade Espanhola de Beneficência (RSEB). A fim de reparar os danos causados pela dilapidação das verbas da Saúde na capital baiana, os Ministérios Públicos Federal (MPF/BA) e do Estado da Bahia (MP-BA) propuseram, em julho de 2009, duas ações de improbidade administrativa decorrentes da execução do Contrato 34/2002, que resultou na terceirização dos programas. Isso após dois anos de morte do servidor Neylton Souto da Silveira, assassinado dentro do prédio da secretaria de Saúde do município, em 6 de janeiro de 2007.
"Na época o filho de Neylton disse que o pai vinha sofrendo pressão com relação aos contratos que estava analisando. Quando fomos verificar o mais importente e mais significativo era o contrato referente à Real Sociedade Espanhola. Dois contratos referentes ao PSF, valores altíssimos", afirmou a promotora pública do Estado da Bahia, Rita Tourinho. "Ficou claro que os contratos eram sem controle efetivo e percebemos prejuízo ao erário", ressaltou. As ações, que estão aguardando julgamento são de número 2093300010888-0 e 2093300019890-1 e estão na 12ª Vara Cível da Justiça Federal.
Ações
As ações de improbidade foram divididas por gestão, já que o contrato vigorou por duas gestões municipais. Uma das ações é relativa ao prejuízo de 25,5 milhões de reais na gestão 2001 a 2004, na qual são réus a ex-secretária de Saúde, Aldely Rocha Dias, o ex-coordenador de Administração da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Oyama Amado Simões, a ex-presidente da Comissão Permanente de Licitação, Maria Edna Lordelo Sampaio e a RSEB. A outra, refere-se ao período de 2005 a 2007, ano de encerramento do contrato, cujo cálculo do prejuízo chega a 14,6 milhões de reais, e em que são réus o também ex-secretário da SMS, Luiz Eugênio Portela - secretário à época da morte do servidor, a ex-subsecretária da SMS, Agláe Amaral Souza, e novamente a Real Sociedade Espanhola. A RSEB responde, nas duas ações, por todas as irregularidades apontadas.  
Em 2010, os Ministérios Públicos do Estado da Bahia (MP-BA) e Federal (MPF-BA) ajuizaram três novas ações civis públicas denunciando atos de improbidade administrativa cometidos no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) entre 2001 e 2004, durante a gestão da ex-secretária de Saúde Aldely Rocha, que resultaram em um prejuízo de cerca de R$ 11 milhões aos cofres públicos. Autoras das ações, a promotora de Justiça Rita Tourinho e a procuradora da República Juliana Moraes denunciam a realização de terceirização ilegal de serviços, superfaturamento de contratos, vícios em processos licitatórios, pagamentos indevidos, dentre outras irregularidades. Resultado de mais de dois anos de investigações sobre a gestão de recursos federais e municipais pela SMS, iniciadas após a morte do servidor. As três ações foram ajuizadas no final de dezembro de 2010, na Justiça Federal, e têm entre os réus a ex-secretária Aldely Rocha, a Real Sociedade Espanhola de Beneficência (RSEB), o Hospital Evangélico da Bahia (HEB) e a Gestmed Gestão e Serviços de Saúde Ltda. Em julho de 2009, as representantes dos MPs denunciaram vícios encontrados na execução de um contrato firmado pela SMS e RSEB para terceirização dos Programas Saúde da Família (PSF) e de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), com prejuízo estimado em R$ 40 milhões.
Dívida milionária do Espanhol
Desde 2012 com as portas fechadas e dívidas que ultrapassam a casa dos R$ 200 milhões, o caixa preta do Hosítal Espanhol revela novos capítulos esta semana. Além do encontro do embaixador espanhol com o governador Rui Costa (PT) e com o prefeito ACM Neto (DEM), no qual foram discutidos investimentos e apoio ao hospital, o Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT) enviou uma nota esclarecendo as dívidas trabalhistas da instituição.
De acordo com o TRT, um acordo foi firmado em outubro de 2013 entre o Hospital Espanhol e os credores trabalhistas e que teve como objetivo a quitação dos processos e a preservação da atividade de relevante função social desempenhada pela mencionada instituição. "Assim, em contrapartida à suspensão de todos os atos expropriatórios decorrentes de Sentenças Judiciais, o Hospital comprometeu-se a realizar aportes mensais em favor de um Fundo gerido pelo Juízo de Conciliação, a débito do qual eram pagos os processos habilitados ao acordo global", diz a nota.
Ainda conforme o TRT, cerca de um ano após a celebração do acordo global, o Hospital interrompeu as suas atividades, o que gerou uma demissão massiva e imediata de mais de 1200 (mil e duzentos) funcionários. Desde então, atento aos princípios da eficiência e celeridade processual, o Tribunal Regional do Trabalho tem envidado todos os esforços possíveis e necessários para que o débito trabalhista do Hospital seja quantificado da maneira mais completa possível.
De acordo com o TRT, em audiência global realizada em novembro de 2015, o Juízo de Conciliação do TRT forneceu ao Hospital Espanhol um mapeamento completo dos seus processos trabalhistas, contendo importantes informações, tais como o número total de processos ajuizados, total de processos já conciliados e valor total conciliado à época. "Informe-se que, após a execução de todas essas medidas, já foram habilitados, até a presente data, na planilha geral de pagamentos, 1.831 (mil, oitocentos e trinta e um) processos, que, juntos, totalizam um débito trabalhista de quase R$ 125.000.000,00 (cento e vinte e cinco milhões de reais). Ademais, atento à necessidade de garantir as execuções em trâmite neste Tribunal, em face da sua natureza alimentar, foi instaurado o Procedimento de Penhora Unificada de todos os bens móveis e imóveis do Hospital, a fim de assegurar o cumprimento do acordo global a partir da alienação dos referidos bens.
Por trás de uma crise oriunda de má gestão, há a criação de um Conselho Administrativo, proposta de empréstimos, financiamentos e divergências entre dirigentes e conselheiros. Dos mais de 100 milhões que poderiam ajudar o Espanhol a enfrentar a crise, 53 milhões estão sendo investigados pelo Ministério Público do Estado da Bahia (MP) e pelo Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE).
A reportagem entrou em contato com o TCE que, através de nota, informou que "em relação à demanda por informações sobre as investigações envolvendo o Hospital Espanhol, o Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE/BA), em cumprimento ao que determina a Lei Complementar Federal nº 105, de 2001 – que dispõe sobre sigilo das operações de instituições financeiras – não pode manifestar-se sobre operações relacionadas à Desenbahia". 
Morte de Neylton
Há dez anos um crime chocou a capital baiana e movimentou os bastidores da política local. No dia 6 de janeiro de 2007, um sábado, o servidor Neylton Souto da Silveira, de 38 anos, foi brutalmente assassinado dentro do prédio da Secretária de Sáude do Município (SMS). O corpo do servidor foi encontrado no pátio interno do prédio da SMS ainda pela manhã e trajava apenas uma camisa tipo gola-polo preta, cueca e uma meia.  Após quase um ano depois, os sapatos sociais e a calça jeans que o servidor trajava foram encontrados nos dutos subterrâneos, por onde passam as tubulações do prédio. Neste dia, segundo a família, o servidor informou que houve uma convocação para que três pessoas, incluindo ele, comparecessem ao prédio. Mas, segundo as investigações, apenas Neylton esteve no prédio. Além dele, os dois vigilantes -  Jair Barbosa da Conceição e Josemar dos Santos. Ambos, condenados a 14 anos de prisão pela morte do servidor. Jair negou a participação. Josemar em depoimento chegou a confessar o crime e também afirmar que receberia uma recompensa no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais) da ex-subsecretaria municipal de saúde, Aglaé Amaral Sousa, e da ex-consultora técnica da SMS na época (2007), Tânia Maria Pedrosa. Ambas chegaram a ser presas um mês após o crime, mas logo foram soltas e em 2010, o Magistrado da 1ª Vara do Juri não encontrou provas suficientes para mandar a ex-subsecretária de saúde e a ex-consultora técnica da SMS ao Tribunal do Juri, juntamente com os vigilantes. Os desembargadores do Tribunal de Justiça tiveram o mesmo entendimento e com isso, elas foram inocentadas.
Josemar, o vigilante que citou as duas funcionárias da SMS como mandantes, está desaparecido desde 2012. O veículo dele, um Palio, foi encontrado incendiado na Ladeira do Olassá, próximo ao Parque do  Abaeté. O outro vigilante, Jair, que sempre negou participação no crime, foi beneficiado por um Habeas Corpus e responderá o processo em liberdade. 
Funcionário concursado da Superintendência de Engenharia de Tráfego (SET), Neyton trabalhava desde março de 2006 na secretaria, tendo sob sua responsabilidade uma planilha que movimentava, por mês, cerca de R$ 25 milhões de verba do Sistema Único de Saúde (SUS), para pagamentos a fornecedores da SMS.

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