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Apoios a Lula no 2º turno custarão bem mais do que em 2002, diz pesquisador

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O professor da Unicamp considera que o PT não teve desempenho ruim na eleição mas se encontra com desgaste de imagem e alta concentração de recursos com parlamentares de direita.  |   Bnews - Divulgação BNews/ Gilberto Jr.

Publicado em 12/10/2022, às 11h30   Folhapress


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Luiz Inácio Lula da Silva (PT) largou na frente no segundo turno ao atrair os apoios do PDT de Ciro Gomes, de Simone Tebet (MDB) e de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), diz o cientista político Oswaldo Amaral.

"São apoios para sinalizar que não será um governo exclusivamente do PT e, assim, tentar diminuir essa resistência que existe via antipetismo. Os apoios do Lula não são em busca de transferência de votos."
Para Amaral, embora Jair Bolsonaro (PL) tenha obtido o apoio dos governadores dos três estados mais populosos do país, é pouco provável que eles consigam convencer o eleitor de Lula a votar no atual presidente no segundo turno. "E, nesse momento, quem tem que virar voto é Bolsonaro", completa.

Mas como Lula precisa dessas alianças para reduzir o antipetismo, elas custarão muito mais caro do que em 2002. Naquela eleição, o PT fez movimentação semelhante, e Lula derrotou José Serra (PSDB).

O professor da Unicamp considera que o PT não teve desempenho ruim na eleição, sobretudo diante do contexto, com desgaste de imagem e alta concentração de recursos com parlamentares de direita.

"Mas o PT tem de lembrar que Lula não é eterno", diz. "Se não fosse Lula, Bolsonaro teria vencido no primeiro turno ou estaria com boas condições de vitória no segundo."

PERGUNTA - Apesar de Lula ter terminado na frente na disputa presidencial, a bancada da esquerda no Congresso é menor que a da direita. O que explica esse descompasso?

OSWALDO AMARAL - As duas eleições são tradicionalmente descoladas. O fato de Lula ser o mais bem votado puxa eleitores, mas não necessariamente o suficiente para fazer a esquerda como um todo ser maior do que a direita.

O PT, especificamente, aumentou sua bancada na Câmara e nas Assembleias Legislativas, assim como o PSOL. Não foi um resultado tão ruim para o PT, dada a circunstância de o partido estar fora do governo, de tudo que aconteceu desde 2014, 2015, com a Lava Jato, eleição de 2018, prisão do Lula, fundo partidário, orçamento secreto, muito recurso nas mãos de parlamentares da direita. No agregado, existe um claro avanço da direita desde 2014, a esquerda se mantém mais ou menos no mesmo patamar desde 2002 –em torno de 30% das cadeiras– e há a desintegração do centro. Essa é a maior novidade.

Muitos têm falado em uma esquerda dependente do Lula. O sr. concorda?

O. A. - Totalmente. E é interessante pensar que, se não fosse a candidatura do Lula, Bolsonaro teria vencido no primeiro turno ou estaria com condições muito boas de vitória no segundo. Agora, não é fácil se afastar da figura do Lula. Pela história, por todas as mudanças de trajetória na vida política dele, ele talvez seja a maior liderança popular do mundo democrático nas últimas décadas. É uma história única. Além disso, a conjuntura ajudou muito.

Em que sentido?

O. A. - Desde o impeachment de Dilma [Rousseff], o PT passou por uma série de problemas. Com a saída de Lula da prisão e a anulação das condenações, era natural que voltasse ao protagonismo. O partido não tinha outra opção para voltar a ser eleitoralmente competitivo na disputa presidencial.

Novas lideranças da esquerda com forte potencial eleitoral só vão surgir governando ou concorrendo a cargos eletivos importantes sucessivas vezes. Foi um pouco assim quando o PT ocupou o governo.

Dilma poderia ter virado essa liderança, mas não aconteceu. O [Fernando] Haddad, em alguma medida, teve seu protagonismo com a participação no primeiro governo Lula [como ministro da Educação].

Mas o PT precisa lembrar que Lula não é eterno. O partido tem identificação relativamente forte com o eleitorado para padrões brasileiros e enraizamento social, mas vai precisar investir na formação de novas lideranças. Lula tem um pouco disso em mente; na cabeça dele, talvez Haddad apareça como essa figura.

O arco muito amplo de alianças feitas por Lula, inclusive com Geraldo Alckmin como vice, pode ter desmobilizado a militância mais à esquerda?

O. A. - No nosso cenário atual, não. O que está em jogo nesse momento é a erosão do regime democrático, e isso mobiliza a esquerda, o centro, a direita. Enfim, mobiliza todos aqueles que estão comprometidos com o regime e com o que ele representa para nossa sociedade.

Num eventual governo Lula, quanto ele estará vinculado aos compromissos assumidos agora e quanto vai precisar se afastar de bandeiras tradicionais da esquerda?

O. A. - Nenhum governo no Brasil é exclusivamente partidário. O presidente nunca tem maioria no Legislativo e ele precisa compor com uma série de partidos. Às vezes, como foi no caso do governo Fernando Henrique [1995-2002], a composição é mais homogênea do ponto de vista ideológico; às vezes, ela é menos homogênea, como nos governos do Lula [2003-2010].

Agora, o contexto é ainda mais delicado, porque Lula precisa de mais apoio antes das eleições para disputar com o presidente em exercício. Ainda mais quando esse presidente abusou da máquina pública e desrespeitou a legislação eleitoral inúmeras vezes. É uma competição muito mais dura do que a de 2002, quando além de tudo havia certo respeito às regras do jogo. Então os apoios são muito mais importantes agora do que em 2002. Isso significa que esses apoios vão custar muito mais caro depois.

Num eventual novo governo Lula, ele vai ter que abrir espaço central para forças que não sejam do PT.

A esquerda também parece ter grande dificuldade para lidar com a chamada pauta comportamental, mesmo quando a discussão se dá em cima de ficções, como a ideologia de gênero. Por quê?

O. A. - São dois fatores principais. O primeiro é que a esquerda demorou a entender a lógica do debate nas redes sociais. Lá não tem muito espaço para argumentação, é comunicação imediata, sem possibilidade de entrar em grandes elucubrações. Nessa eleição, a resposta vem sendo diferente, mas ainda há uma dificuldade.

O segundo ponto é que o brasileiro, na média, é relativamente conservador em temas comportamentais. Isso facilita o trabalho da extrema direita. Pessoas mais conservadoras têm mais predisposição a acreditar em coisas que ativam o conservadorismo, então fica mais fácil colar mentiras na esquerda.

A gente viu agora a questão da maçonaria, como um contra-ataque [da esquerda] pelo mesmo caminho.

Não sei onde isso vai nos levar; não sei que tipo de debate público a gente terá no futuro, sobretudo após quatro anos com um governo que basicamente se comunicou dessa maneira. Não sei se a gente vai voltar a algo próximo do que era antes ou se vamos ficar numa batalha descolada da realidade.

Esse conservadorismo é a maior dificuldade da esquerda para conquistar o eleitor de centro e de direita insatisfeito com o governo Bolsonaro?

O. A. - No caso específico dessa eleição, o problema maior do PT é reduzir o antipetismo. Essas pessoas se decepcionaram com Bolsonaro, mas têm um antipetismo muito forte.

Desse ponto de vista, ampliar ao máximo as alianças com outras forças é fundamental para a campanha do ex-presidente Lula. Nem tanto pela quantidade de votos transferida, mas porque, ao fazer isso, ele sinaliza que não será exclusivamente um governo do PT. Isso seria uma barreira um pouco maior contra a ativação do antipetismo, que vai ser o principal ponto em que a campanha do Bolsonaro vai bater.

Nesse segundo turno, Lula conseguiu o apoio do PDT, da Simone Tebet e de Fernando Henrique Cardoso. É suficiente para compensar o apoio dos governadores dos três estados mais populosos do país a Bolsonaro?

O. A. - Para Lula, esses apoios tendem a ser mais eficazes. O que Lula busca é a construção de uma imagem. São apoios para sinalizar que não será um governo exclusivamente do PT e, assim, tentar diminuir essa resistência. Os apoios do Lula não são em busca de transferência de votos.

No caso do Bolsonaro, a sinalização de apoio é muito importante porque mantém a mobilização da militância, mostra que está trabalhando. Mas não me parece, por exemplo, que o [Romeu] Zema [governador de MG reeleito pelo Novo] tenha muita condição de fazer um eleitor abandonar Lula.

Lula chegou perto de vencer no primeiro turno. A maior tarefa dele é adquirir esses votos adicionais que faltaram ou ele tem que se preocupar em não perder os que votaram nele?

O. A. - Vai ser uma disputa bem apertada, mas, nesse momento, quem tem que virar voto é Bolsonaro. Se os votos se distribuírem de maneira igual, Lula está eleito, a não ser que haja uma abstenção absurda. Bolsonaro, para além de ativar o antipetismo, vai precisar dar algumas respostas ou pistas de que seu próximo mandato será muito melhor do que o primeiro, especialmente na economia. Porque o governo dele não é bem avaliado.

Lula conquistou muito apoio ao chamar para o passado. No começo da campanha, era fundamental fazer isso para que as pessoas contrapusessem as duas experiências. Isso é muito palpável para o eleitor e era uma estratégia boa para dar tração à campanha, para conquistar a liderança. No segundo turno, porém, isso já está dado. Da mesma maneira que Bolsonaro vai ter que sinalizar o que vai fazer de diferente no segundo mandato, o mesmo vai acontecer com o PT. Lula precisa sinalizar de maneira mais concreta o que vai fazer, especialmente para enfrentar a crise econômica e para reduzir a miséria e a desigualdade.

Raio-X | Oswaldo Amaral, 45

Professor de ciência política da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp e autor do livro "As Transformações na Organização Interna do Partido dos Trabalhadores entre 1995 e 2009" (Alameda).

Classificação Indicativa: Livre

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