Polícia

Entidades falam em crime político na Amazônia e que região é dominada pela violência

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Organizações cobram justiça para Bruno e Dom, proteção a ativistas e combate ao crime organizado  |   Bnews - Divulgação Gabriela Biló/Folhapress

Publicado em 16/06/2022, às 21h38   Marcelo Toledo/Folhapress


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As mortes do indigenista Bruno Pereira, 41, e do jornalista britânico Dom Phillips, 57, na região daTerra Índígena Vale do Javari, na Amazônia, geraram uma onda de críticas de entidades ambientalistas e indígenas, que afirmam que a região amazônica é dominada pela violência e que o assassinato de ambos foi um crime político.

Um dos suspeitos investigados pelo desaparecimento e morte dos dois, o pescador Amarildo da Costa Oliveira, o Pelado, 41, confirmou participação no crime e levou a PF (Polícia Federal) ao local em que os corpos foram enterrados na mata. Agora, a corporação aguardará os resultados de perícias para confirmar a identidade dos restos humanos.

A Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), onde Pereira atuava quando desapareceu, afirmou em comunicado logo após a entrevista coletiva da PF que o assassinato dos dois "constitui um crime político".

"Ambos eram defensores dos direitos humanos e morreram desempenhando atividades em benefício de nós, povos indígenas do Vale do Javari, pelo nosso direito ao bem-viver, pelo nosso direito ao território e aos recursos naturais que são nosso alimento e garantia de vida, não apenas da nossa vida, mas também da vida dos nossos parentes isolados".

A entidade ainda diz que foi a primeira a buscar os então desaparecidos, no próprio dia 5, e que a única instância que esteve ao lado dos indígenas foram os policiais militares do 8º Batalhão em Tabatinga (AM).

"Fomos nós que encontramos a área que, posteriormente, passou a ser alvo das investigações por parte de outras instâncias. Foi a equipe de vigilância da Univaja que entrou na floresta em busca de Pereira e Phillips para dar uma satisfação aos seus familiares. Foi a equipe que indicou para as autoridades o perímetro a ser vasculhado", diz a Univaja.

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A entrevista coletiva em Manaus na qual foi feito o anúncio oficial da confissão de Pelado e do encontro dos corpos foi marcada pela ausência de indígenas na mesa em que estavam PF, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros, Exército e Secretaria da Segurança Pública. O trabalho dos índios nas buscas nem sequer foi citado nas falas de todas as autoridades.

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Luiz Fux, divulgou uma nota na qual manifesta "extrema tristeza pelos acontecimentos".

Fux também afirma às famílias e amigos das vítimas que a "luta do indigenista e do jornalista para a garantia dos direitos humanos e da preservação da Amazônia jamais será esquecida".

Ainda na nota, divulgada por meio do Conselho Nacional de Justiça, Fux afirma que o grupo de trabalho criado no âmbito do CNJ vai acompanhar os desdobramentos e a efetiva punição dos eventuais culpados.

A Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade) afirmou que a região do Vale do Javari sofre com a ausência de fiscalização e controle, o que se refletiu nos últimos anos no crescimento do desmatamento e de atividades ilegais de pesca, caça, garimpo e narcotráfico.

"A morte de Pereira e Phillips é um alerta e motivo de forte preocupação da sociedade. A Raps considera o caso inadmissível e reforça os pedidos para que as investigações contem com todo o empenho e recursos necessários para que a justiça seja feita, além de enfatizar a necessidade de políticas públicas efetivas que garantam a segurança da região, uma vez que não se trata de um caso isolado."

A porta-voz da ONU Direitos Humanos em Genebra, Ravina Shamdasani, condenou as mortes de Dom e Bruno e as frequentes ameaças a defensores do meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas.

"Este ato brutal de violência é terrível e pedimos às autoridades estatais que garantam que as investigações sejam imparciais, transparentes e minuciosas, e que reparação seja concedida às famílias das vítimas. Instamos as autoridades brasileiras a aumentar seus esforços para proteger os defensores de direitos humanos e os povos indígenas de todas as formas de violência e discriminação, tanto por parte de agentes estatais como não estatais, e a tomar medidas para prevenir e proteger os territórios indígenas de incursões de agentes ilegais", diz o comunicado.

Já o Greenpeace disse em nota de pesar que o país está se tornando uma terra em que a única lei que vale é a do "vale tudo".

"Vale a invasão e grilagem de territórios, vale a proliferação do garimpo, vale a extração ilegal de madeira, vale todo e qualquer conflito territorial. E vale matar para garantir que nenhuma dessas atividades criminosas sejam impedidas de acontecer. E tudo isso alimentado pelas ações e omissões do governo brasileiro", diz a entidade.

O WWF-Brasil afirmou que o nível de violência aplicada nas mortes de Phillips e Pereira mostra como "a Amazônia está à mercê da lei do mais forte, sob a qual a brutalidade é a moeda corrente". "Isso eleva nossa indignação com a situação na qual os povos da floresta e seus defensores foram deixados pelo Estado brasileiro."

A eurodeputada alemã dos Verdes Anna Cavazzini, vice-presidente da delegação para as relações com o Brasil, disse que as mortes dos dois são terríveis e que as autoridades brasileiras devem investigar o caso e levar os autores à Justiça.

"Esses assassinatos também são consequência da difamação do presidente Bolsonaro de ativistas humanos e ambientais e do desmonte da legislação ambiental e de direitos humanos. Este e o futuro governo brasileiro devem fazer todo o possível para garantir que os ativistas de direitos humanos, ambientais e climáticos estejam mais bem protegidos no futuro."

Diretora do Brasil da Human Rights Watch, Maria Laura Canineu também afirmou que é essencial que a investigação esclareça as circunstâncias e a motivação do crime e leve à responsabilização de todos os envolvidos.

"Esta é uma grande tragédia para as famílias de Bruno e Dom, assim como para todos que defendem a Amazônia e os direitos dos povos indígenas, e todos que reportam e dão visibilidade a esses temas. É urgente que medidas imediatas e contundentes sejam adotadas pelo governo federal, governadores estaduais e Ministério Público Federal e estaduais para combater a ilegalidade e as redes criminosas na Amazônia."

A Prefeitura de Atalaia do Norte (AM), cidade onde o crime ocorreu, por meio de nota lamentou as mortes e qualificou o crime como "bárbaro e cruel".

"Atalaia do Norte presenciou os dias mais sombrios e trágicos de sua história recente. Foram dias de angústia que se encerraram hoje, infelizmente com um desfecho tão triste. Que a justiça seja feita e que os culpados e mandantes deste crime sejam punidos."

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