Política

Deu no Jornal Nacional: "Joaquim Barbosa irrita-se com repórter”

Publicado em 11/03/2013, às 09h02   Rômulo Moreira*



Na edição do dia 05 de março de 2013, noticiou-se no telejornal da Rede Globo que o “Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Joaquim Barbosa, se irritou, nesta terça-feira (5), com um jornalista ao sair de uma sessão do Conselho Nacional de Justiça. O repórter do jornal O Estado de São Paulo não chegou a concluir a pergunta sobre como o Ministro via críticas de três associações nacionais de juízes e magistrados às declarações que deu na semana passada a jornalistas estrangeiros. O Ministro interrompeu a pergunta. "Não estou vendo nada. Me deixa em paz, rapaz. Me deixa em paz. Vá chafurdar no lixo como você faz sempre. Estou pedindo, me deixe em paz. Já disse várias vezes ao senhor”, disse o ministro. O restante da discussão foi gravado com a câmera de um celular. "Eu tenho que fazer pergunta, é meu trabalho", afirmou o repórter. "Eu não tenho nada a lhe dizer. Não quero nem saber do que o senhor está tratando", completou Barbosa.Em nota divulgada pela assessoria de imprensa, o ministro Joaquim Barbosa pediu desculpas aos repórteres. Disse que estava cansado e com fortes dores quando respondeu de forma ríspida à abordagem. Afirmou ainda que foi um episódio isolado, que não condiz com o histórico de relacionamento dele com a imprensa. Por fim, Joaquim Barbosa reafirmou seu apego à liberdade de opinião e seu respeito aos profissionais da imprensa.”.

A pergunta que tanto irritou o Ministro e o fez destratar o profissional da imprensa dizia respeito a uma nota pública subscrita pelos Presidentes da Associação dos Magistrados Brasileiros, da Associação dos Juízes Federais do Brasil e da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, que ora transcrevo, in verbis:

 “A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), entidades de classe de âmbito nacional da magistratura, a propósito de declarações do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) em entrevista a jornalistas estrangeiros, na qual Sua Excelência faz ilações sobre a mentalidade dos magistrados brasileiros, vêm a público manifestar-se nos seguintes termos: 1. Causa perplexidade aos juízes brasileiros a forma preconceituosa, generalista, superficial e, sobretudo, desrespeitosa com que o ministro Joaquim Barbosa enxerga os membros do Poder Judiciário brasileiro. 2. Partindo de percepções preconcebidas, o ministro Joaquim Barbosa chega a conclusões que não se coadunam com a realidade vivida por milhares de magistrados brasileiros, especialmente aqueles que têm competência em matéria penal. 3. A comparação entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público, no que toca à “mentalidade”, é absolutamente incabível, considerando-se que o Ministério Público é parte no processo penal, encarregado da acusação, enquanto a magistratura – que não tem compromisso com a acusação nem com a defesa – tem a missão constitucional de ser imparcial, garantindo o processo penal justo. 4. A garantia do processo penal justo, pressuposto da atuação do magistrado na seara penal, é fundamental para a democracia, estando intimamente ligada à independência judicial, que o ministro Joaquim Barbosa, como presidente do STF, deveria defender. 5. Se há impunidade no Brasil, isso decorre de causas mais complexas que a reducionista ideia de um problema de “mentalidade” dos magistrados. As distorções – que precisam ser corrigidas – decorrem, dentre outras coisas, da ausência de estrutura adequada dos órgãos de investigação policial; de uma legislação processual penal desatualizada, que permite inúmeras possibilidades de recursos e impugnações, sem se falar no sistema prisional, que é inadequado para as necessidades do país. 6. As entidades de classe da magistratura, lamentavelmente, não têm sido ouvidas pelo presidente do STF. O seu isolacionismo, a parecer que parte do pressuposto de ser o único detentor da verdade e do conhecimento, denota prescindir do auxílio e da experiência de quem vivencia as angústias e as vicissitudes dos aplicadores do direito no Brasil. 7. A independência funcional da magistratura é corolário do Estado Democrático de Direito, cabendo aos juízes, por imperativo constitucional, motivar suas decisões de acordo com a convicção livremente formada a partir das provas regularmente produzidas. Por isso, não cabe a nenhum órgão administrativo, muito menos ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a função de tutelar ou corrigir o pensamento e a convicção dos magistrados brasileiros. 8. A violência simbólica das palavras do ministro Joaquim Barbosa acende o aviso de alerta contra eventuais tentativas de se diminuírem a liberdade e a independência da magistratura brasileira. A sociedade não pode aceitar isso. Violar a independência da magistratura é violar a democracia. 9. As entidades de classe não compactuam com o desvio de finalidade na condução de processos judiciais e são favoráveis à punição dos comportamentos ilícitos, quando devidamente provados dentro do devido processo legal, com garantia do contraditório e da ampla defesa. Todavia, não admitem que sejam lançadas dúvidas genéricas sobre a lisura e a integridade dos magistrados brasileiros. 10. A Ajufe, a AMB e a Anamatra esperam do ministro Joaquim Barbosa comportamento compatível com o alto cargo que ocupa, bem como tratamento respeitoso aos magistrados brasileiros, qualquer que seja o grau de jurisdição. Brasília, 2 de março de 2013.”

Sem entrar no mérito do conteúdo da nota pública, o certo é que o episódio foi lamentável sob todos os aspectos, especialmente do ponto de vista da liberdade de imprensa e também porque teve como protagonista o Presidente da Suprema Corte, guardiã da Constituição Federal que tutela integralmente a liberdade da imprensa (ver art. 5º.. IX, XIII e art. 220 da Carta Magna).

Aliás, o Ministro Celso de Mello, ao negar provimento ao Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº. 705630 já teve a oportunidade de, com absoluta lucidez e serenidade, afirmar que “no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional” (...) O interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas”. (...) O direito de crítica encontra suporte legitimador no pluralismo político, que representa um dos fundamentos em que se apoia, constitucionalmente, o próprio Estado Democrático de Direito”.

Vê-se, portanto, que nem todos os Ministros do Supremo Tribunal coadunam-se com a conduta autoritária e deselegante do seu Presidente. Aliás, tal conduta revelou-se “lugar comum” durante as várias sessões do julgamento da Ação Penal 470, o processo do chamado Mensalão, quando, não raramente, o relator, ao ser contrariado por algum colega, reagia com uma inacreditável irritação, a ponto de, em determinada oportunidade, o Ministro Ricardo Lewandowski, visivelmente constrangido pela irascível reação do colega, resolveu retirar-se do plenário. 
Ora, em um Estado Democrático de Direito é preciso aprender a conviver com a liberdade de imprensa e com o contraditório, ainda mais quando não há (e, efetivamente, não houve) qualquer exagero por parte do repórter que apenas se limitou a fazer uma pergunta inteiramente pertinente.

A propósito, anota Gilberto Haddad Jabur que o “direito à informação verdadeira, ou liberdade de informação ativa, por intermédio de qualquer meio de difusão, é condição para o saudável e legítimo exercício da liberdade de pensamento, viga mestra dos registros democráticos. O direito de receber informação autêntica depende não só do propósito de quem a presta, mas também dos meios que a divulgam. É direito-pressuposto para o correto encadeamento de idéias, fase do processo de formação de opinião. A correta difusão do pensamento (liberdade de expressão por qualquer veículo), a adequada formação da consciência ou crença, dependem do conteúdo fidedigno da informação, neste ou naquele terreno. Derivam, assim, da preliminar e isenta apreensão dos fatos em torno dos quais se formam, desenvolvem-se e manifestam-se.” (...) “O direito à informação verdadeira é, em suma, o germe da correta e livre formação do pensamento e suas ramificações”.

Também corretas estas observações de Ilivaldo Duarte: “Os meios de comunicação vêm contribuindo sobremaneira e cumprindo o seu papel social para a vigência e consolidação do estado democrático de direito, iniciado com a Constituição Federal Brasileira em 1988. Durante décadas, antes da CF de 1988, o que se verificou em nosso país foram anos de censura política e ideológica que marcaram a vida de centenas de brasileiros em meio à ditadura instalada pelo governo. Provocando o impedimento e o cerceamento ao direito à liberdade e à manifestação de opinião, seja esta de modo individual ou coletivo, ou até mesmo, através das manifestações pessoais ou formais. Felizmente, vivemos hoje um novo tempo, um novo momento na história política e social, e porque não dizer, na história da cidadania brasileira, com a vivência na prática dos fundamentos do estado democrático de direito da República Federativa do Brasil, alicerçado na soberania, dignidade humana e cidadania, previstos no artigo 1.º da nossa constituição. (...) Sem dúvida alguma, a liberdade de imprensa é um dos pilares da cidadania e do legítimo estado democrático. E a sociedade, razão maior do trabalho da imprensa, tem direito à informação e estar a par dos fatos do cotidiano. Mas, para que esses acontecimentos continuem sendo desfraldados e levados ao conhecimento de todos, para o bem comum de todos, devem ser respeitados os limites da legalidade, da ética e da verdade, para que tenhamos um país consolidado na liberdade e na democracia, através de uma sociedade organizada e participativa, com a preservação da dignidade humana, um dos mais importantes direitos constitucionais.

Este autor, citando Ruy Barbosa (“A Imprensa e o Dever da Verdade”), lembra que já em 1920 o jurista brasileiro afirmava que “a imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa, ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça.”

Pois é Ministro, é preciso ter serenidade, ainda mais se tratando de alguém que preside a Suprema Corte do Brasil. Este foi um péssimo exemplo dado por um homem público aos cidadãos brasileiros. As desculpas, além de não convencerem (pelo menos a mim), não justificam a agressão. Uma lástima!

Rômulo de Andrade Moreira é Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos na Bahia


Classificação Indicativa: Livre

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